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PINK FLOYD E A FILOSOFIA. NOTAS

“Como se os problemas de técnica musical não fossem apenas problemas de técnica musical” (Vladimir Safatle)

Romero Venâncio Aracajú (SE)

quinta-feira 22 de setembro de 2016 | Edição do dia

As reflexões filosóficas sobre a música tem história nesse ramo do conhecimento (a prova disto são os textos filosóficos, da antiguidade a Adorno, que tratam seriamente da música). Talvez datem de Pitágoras as primeiras preocupações. Com Platão temos as afirmações mais precisas. “Nunca se abalam os gêneros musicais sem abalar as mais altas leis da cidade”. Se os gêneros musicais têm poder de abalar os alicerces da cidade, é porque as formas musicais não são apenas “formas”, mas tem alguma função político-pedagógica no convívio humano.

Música não é apenas entretenimento para passar o tempo. Desde Platão ficaria implícita uma mensagem para a “prática filosófica”: a forma musical tem um papel importante na reflexão filosófica. E mais, trata-se de sustentar que “a arte pensa”. Essa constatação mais ampla importa para nos situarmos numa maneira de se fazer filosofia através da experiência musical. Dito isto, destacamos nestas poucas linhas um livro de importância filosófica nos debates atuais. Trata-se de “Pink Floyd e a Filosofia”, organizado por Georges A. Reisch, publicado pela editora Madras. Um livro que com certeza não tem o poder de “abalar os alicerces da cidade”, mas que trata de um grupo musical marcante e rebelde para os padrões da música e da sociedade inglesa e norte-americana dos anos 60. Como afirma o organizador: “Poucas bandas na história do rock conseguiram provocar tantas conversas intelectuais profundas e curiosas quanto o Pink Floyd”. O livro tem 19 artigos e a discografia selecionada da banda. Claro que numa coletânea se têm altos e baixos. Temos artigos com mais profundidade e outros mais de ocasião ou mera homenagem. Não há problema nisto. A pretensão da obra é ser uma abertura a mais na filosofia para uma boa reflexão filosófica e tem um objetivo claro: não ser uma obra apenas para iniciados em filosofia. Não pretende ser uma dessas obras filosóficas esotéricas que poucos simulam compreender. Cumprindo este objetivo, já está de bom tamanho.

Não apresentaremos todos os ensaios, mas alguns que mais se destacaram na nossa leitura. Começamos com o “Eu odeio Pink Floyd e outros erros que estavam na moda nas décadas de 60 e 70” de Gerge A. Reisch. Trata-se de um texto que nos contextualiza o surgimento do Pink Floyd e as reações da época. Entre 1967 (Sigle Arnold Layne) e 1973 (Dark Side of The Moon), a carreira deles foi cheia de contradições e de reação do público de língua inglesa, inicialmente e até ganharem o mundo. Mas como afirma o autor: “Ouve uma devoção revolucionária ao álbum Dark side of the moon”.

Um outro artigo e de maior densidade filosófica é “Th. Adorno, Pink Floyd e os psicodélicos da alienação” de Edward Macon. Pelo título já fica a ideia de que a briga será grande, por razões de ter Adorno no meio da história. Esse filósofo alemão é conhecido nos Estados Unidos como um “elitista” em termos musicais e avesso por completo à “música popular” e o rock nunca esteve nas preferências dele. O autor faz um “malabarismo conceitual” interessante para contornar a escrita e a posição de Adorno sobre música.

Numa afirmação polêmica o autor nos informa como Adorno entra na lógica da leitura do Pink Floyd: “Entretanto, não há dúvidas acerca de um possível caminho alternativo para o mundo primitivo desejado (como defende Adorno) que não era tão conhecido quando Adorno escreveu o livro Filosofia da nova música: as drogas alucinógenas” (p.124). Na hipótese do autor, as “técnicas primitivas” de Stravinski de alguma forma se encontram na forma e na técnica musical do Pink Floyd e isto, os liga a uma possível leitura adorniana. Loucura? Mas tem sentido, e dar sentido é papel da filosofia. Um texto provocante e estimulador.

Encontramos na coletânea um conjunto de textos que destacam e comentam a “vida trágica” de Syd Barret, um dos personagens fundamentais no início do Pink Floyd. Como bem afirma Erin Kealey: “Barret foi o artista lírico e a voz sedutora do início da banda. Ele foi o primeiro a utilizar máquinas de ressonância e retorno nas apresentações ao vivo. E insistia que as apresentações no palco fossem tão teatrais quanto musicais” (p.262). Merece destaque ainda as leituras que ele fazia de Nietzsche e uma certa comparação feita por um dos colaboradores sobre as vidas de Barret e o filósofo alemão autor da Genealogia da Moral.

Se Barret foi um “Aristóteles” da banda por suas preocupações com estranhas particularidades e os detalhes incomuns que vivenciava no mundo ao seu redor, Roger Waters – que aos poucos se tornou o principal compositor da banda na ausência de Barret – cultivava interesses bem diferentes, tais quais os de Platão, pelas estruturas das “formas regulares e monolíticas que controlam as características gerais do mundo e de nossa experiência” (p.12). Um dos textos sobre Waters afirma que “Com Dark Side of the Moon, a mente metafísica deles se uniram para criar um álbum que culpa a existência em si” (p.110).

Por fim, entendemos ao final da coletânea o que é filosófico no Pink Floyd: os temas e as ideias que eles exploraram musicalmente em Meddel ou em Dark Side, como o tempo, a morte, a loucura, a perda ou a empatia, possuem um histórico bastante conhecido e de fundamental importância na história da filosofia Ocidental. Foi assim que, seguindo seu próprio estilo musical inconfundível, o Pink Floyd começou a esclarecer a “verdade das coisas” e a influenciar toda uma geração de jovens inquietos com questões mais profundas da existência ou com a alteração da percepção/audição mediados pelo som.


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