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Análise política | PEC dos Precatórios: divergências burguesas não apagam o acordo pelo ajuste

O encaminhamento dessa PEC embaralha e choca tanto interesses eleitorais como econômicos de diversas frações políticas do regime e da classe dominante. Contudo, o acordo pelo ajuste se mantém intacto.

Mateus CastorCientista Social (USP), professor e estudante de História

terça-feira 9 de novembro de 2021 | Edição do dia

Foto: Pedro Gontijo/Senado Federal

A PEC dos precatórios vêm gerando rebuliços na política nacional. A votação apertada, mas vitoriosa para o governo, com uma margem de 4 votos, teve consequências como a suspensão momentânea da candidatura de Ciro Gomes frente a expressiva votação favorável da bancada parlamentar do PDT, que embora seduzida pelas promessas de Lira de possíveis vantagens em verbas para o fundo eleitoral e emendas, visando 2022, decidiram votar contra a proposta no segundo turno. Da mesma forma, as oposições de esquerda e de direita correram para solicitar uma intervenção do STF, que julga neste momento sobre o "orçamento secreto".

O encaminhamento dessa PEC embaralha e choca tanto interesses eleitorais como econômicos de diversas frações políticas do regime e da classe dominante. Até o momento, serviu como um teste de forças do centrão no legislativo, notadamente de Lira e o PP. Com as mãos em praticamente o dobro das verbas comparado a anos anteriores, a emenda do relator deixa claro até onde vai a “oposição” à Bolsonaro de partidos da ordem frente ao clientelismo reluzente em 1,2 bilhão de verbas para quem votar “sim”. Dito isso, alguns deputados do PDT e PSB, de Marcelo Freixo, votaram com Bolsonaro.

A irritação do presidente da Câmara com a oposição demonstra que o equilíbrio é delicado e previsível que votos possam mudar de um lado para o outro, sem levar em conta que o texto-base teria de ser aprovado em dois turnos no Senado, comandado por um dos nomes da corrida maluca da terceira-via, Rodrigo Pacheco, recém filiado ao PSD, que disputa com o PP o posto de partido de mais peso do centrão.

A reação do STF demonstra que o poder Judiciário impõe limites à nova localização do centrão na distribuição do poder político e dificulta ainda mais que a proposta saia do papel. Rosa Weber determinou que nenhum recurso via emenda de relator seja liberado até que os ministros julguem a questão, também deu até 1 mês para que informações sobre a distribuição de verbas do orçamento secreto venha à público, tal questão está sendo julgada nessa terça (09).

A ação foi solicitada pelo PSOL, mas também por partidos lava-jatistas e neoliberais como Novo e Cidadania. Na prática, o STF, como costuma fazer desde o golpe institucional de 2016, se coloca como árbitro na condução dos encaminhamentos do regime, o que não se contrapõe ao novo papel que o centrão detém no cenário político, com implicações determinantes para os resultados das eleições de 2022.

O teto de gastos se manteria para o mais essencial aos trabalhadores, embora a histeria da oposição de direita

Se multiplicou o mesmo argumento na boca da grande mídia, de partidos e analistas políticos: a PEC é um calote e uma manobra contra o Teto de Gastos. Papagaios do mercado financeiro mostraram a consternação do mercado financeiro. Um dos alicerces políticos do golpe institucional, aprovado por Rodrigo Maia sob o governo Temer, a proibição de aumento de gastos públicos por 20 anos serviu para uma reordenação das verbas estatais. No caso, a mudança serviu para a total blindagem do pagamento da dívida pública e seus juros - fora dessa camisa de força de gastos - da mesma maneira que precarizar as condições de trabalho dos servidores e da educação, saúde e infraestrutura nacional, que representam juntos 90% dos gastos, abrindo espaço para a iniciativa privada lucrar com a debilidade pública, e, para quem não conseguir pagar, sofrer as consequências por ser pobre.
Há uma disputa econômica em torno do Teto de Gastos entre diversas frações do regime. Setores mais dependentes do capital financeiro nacional e internacional, o bonapartismo institucional, assim como grande parte da mídia burguesa, alinham-se pela manutenção plena do acordo firmado em 2016. Setores mais alinhados ao governo, como militares e agronegócio, defendem que a total intransigência pode significar prejuízos aos latifundiários com a paralisia de obras de infraestrutura para a escoação da produção. Por tal motivo, Rogério Marinho (sem partido), empresário do centrão nordestino, ministro do Desenvolvimento Regional, se coloca favorável por uma certa flexibilização do Teto de Gastos, da mesma forma que o ministro da Cidadania, João Roma (Republicanos), que pressionou congressistas na votação da PEC na última quinta-feira. Guedes passou meses defendendo o Teto de Gastos e acabou por ver uma ala de seu ministério sair do governo, uma vitória da ala “política”, frente às preocupações eleitorais para 2022.

Contudo, estão muito bem preservados os ganhos do regime no que tange a preservação de bilhões do orçamento público para a dívida pública, desviados da educação, saúde e da infraestrutura nacional. A disputa que vêm ocorrendo é tática, uma pequena flexibilização, para aumentar as emendas parlamentares o orçamento sob controle do congresso mirando 2022. O vitorioso político, neste caso, seria o centrão, que teria acesso a bilhões das emendas parlamentares. Mas não é por acaso que os dois ministros que se colocaram abertamente pela proposta sejam do nordeste. A região historicamente sofre pela sua debilidade econômica e frente à pandemia e a crise o cenário de miséria e fome, das filas de osso e do lixo, são transformadas em um potencial ativo político, da maneira mais fria e cruel, pelo governo Bolsonaro.

A PEC dos Precatórios, o Auxílio Brasil e as eleições de 2022

Nem Bolsonaro ou Guedes possuem alguma preocupação com a fome e a miséria que assola o país. Pelo contrário, o governo busca de todas as formas possíveis aprovar ataques contra os serviços públicos, a favor dos patrões e do imperialismo A reforma da previdência, as privatizações e a implementação de reformas trabalhistas são a expressão política que Bolsonaro é uma das caras do regime, a que busca se sustentar pela bota militar, o latifúndio, centrão e pastores militares. A miséria detém importância porque é vista como uma potencial fonte de votos e recuperação nas pesquisas eleitorais para Bolsonaro, aumentando suas chances para competir com Lula, que até agora preserva uma larga vantagem, ainda que tenha diminuído nos últimos tempos.

Bolsonaro busca não só recuperar bases do seu eleitorado mais pobre, seja dos setores urbanos ou rurais, mas também disputar a base beneficiada pelo Bolsa Família, que não alcançou em 2018, mesmo com toda manipulação eleitoral. Nada melhor para isso do que enterrar e, ao mesmo tempo, dar continuidade ao programa social criado por Lula. Perseguindo esse objetivo, o governo adota um discurso de que o Auxílio Brasil será mais amplo e potente que o petista, agora com o valor de 400 reais, ainda que 100 reais dessa parte seja apenas para o ano que vêm.

No fundo, trata-se de um verdadeiro impasse para diversas frações do regime e o choque de diversos interesses: o aumento da fome pode transformar-se em uma fonte de descontentamento social generalizado, mas uma medida de transferência de renda direta nova seria capitalizada pelo governo, o que a oposição neoliberal e STF não deseja.

Olhando para o panorama geral, como colocamos elementos acima, e a intervenção direta do STF, a estreita margem da vitória, o segundo turno na Câmara e o encaminhamento para o senado, a probabilidade é que a PEC dos precatórios venha a ser derrotada. Contudo, mesmo que Bolsonaro não consiga aprovar um novo programa assistencial com um valor próximos aos 400 reais, o que é difícil que aconteça, poderá usar dessa derrota para atacar seus adversários e melhorar sua localização na base social mais que busca incidir e recuperar-se nas pesquisas.

A fusão entre uma pandemia e crise econômica produziu uma realidade econômica e social na qual surgiram ainda mais bilionários no país, enquanto que imagens escandalosas de pessoas procurando comida no lixo e filas de osso se tornaram comuns. As diversas frações da classe dominante reconhecem a situação de miséria extrema como perigosa para a estabilidade de um regime já debilitado, é necessário algum programa mínimo de transferência de renda direta, ainda que não garanta por completo a passividade das massas. Neste cenário, o “plano B” do governo Bolsonaro é o mais possível: a decretação de estado de calamidade para editar uma MP que prorrogue o auxílio emergencial. O capital político resultado desse “plano B” não ficaria só nas mãos de Bolsonaro, mas do regime como um todo.

A demagogia da direita só pode ser respondida por um programa operário

Acontece que o “Plano B” mantém intacto o desemprego crônico que as projeções econômicas dão como regra que durará por grande parte da próxima década. Uma medida assistencialista desesperada, de má vontade, dirigida pelo regime, pode acarretar numa consequência não muito visível: a substituição dos serviços públicos e do papel do Estado no combate ao desemprego à programas de transferência de renda direta, mais econômicos e que podem diretamente acabar novamente nas taxas de acumulação, através do consumo.

Não há o menor perigo de calote e desrespeito substancial à lei de responsabilidade fiscal, como lamentam os capachos do imperialismo. Os precatórios pretendem ser pagos, só que mais tarde. Caso fosse um calote genuíno, a reação histérica do imperialismo e dos grandes bancos estaria em outra proporção de retaliações. Ainda que problemático pelo fator instável, Bolsonaro dá lucros, aplicou cortes, pretende avançar em privatizações e demonstra o seu valor para a grande burguesia. Não só os precatórios de ricos empresários estão garantidos, como também a sacrossanta dívida pública, ilegal, ilegítima e fraudulenta que suga o PIB nacional.

As dívidas estatais que são propriedade de exploradores e especuladores, como donos de grandes imóveis, de setores ligados à especulação imobiliária, não deve ser paga, diferente dos salários de professores, aposentados, indenizações, que devem ser garantidos desde já, e não parcelado. Tal iniciativa somente um programa operário de enfrentamento à crise pode sustentar. A fome será combatida com salários reajustados de acordo com a inflação, uma reordenação da jornada de trabalho entre empregados e desempregados, reduzidas para os que trabalham muito e aumentadas para os que trabalham pouco, garantindo também para quem não tem. O não pagamento da dívida pública pode ser fonte para um plano de obras públicas e um programa de contratação massivo estatal com salários dignos, além de um auxílio emergencial, uma medida radical de transferência de renda, garanta um salário mínimo para tirar pessoas da fila de lixo e osso. Para isso é necessário revogar não só o Teto de Gastos como a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Qualquer combate à fome que dependa ou se subordine à iniciativa do governo Bolsonaro, mas também do STF ou oposição de direita é utópico e irreal. Numa crise capitalista de tais proporções, são os trabalhadores que pagam pela crise. O programa operário de enfrentamento à crise deve ser imposto pela classe trabalhadora através da luta de classes, sem a unidade das fileiras operárias e oprimidos, um plano de luta nacional e a iniciativa da classe operária como sujeito independente, a fome continuará a aumentar.




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