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Governo Lula-Alckmin | Os significados e os sinais políticos de Lula no dia da sua posse

A posse de Lula-Alckmin e suas primeiras medidas de governo estão sendo marcadas por muitos simbolismos, discursos e decretos que alimentam esperanças, expectativas e ilusões em amplos setores das massas. O contraste com o que foi o odioso governo Bolsonaro e todos os ataques que vieram desde o golpe institucional de 2016, bem como o silêncio e fuga humilhantes de Bolsonaro para Flórida e o esvaziamento dos protestos golpistas nos quartéis, geram alívio nos setores progressistas e desmoralização para a direita. Mas a política de conciliação de classes, seguindo a tradição petista, foi a marca da composição ministerial, que traz para a base governista atores que apoiaram o golpe de 2016 e ataques que vieram com ele, incluindo alguns bolsonaristas. Não haverá superação da miséria e das "desigualdades" sem enfrentar os interesses dos grandes empresários, começando pela revogação integral das reformas da previdência e trabalhista. Mas isso só poderá ser conquistado pela mobilização, que terá que se dar independente desse governo de conciliação de classes.

segunda-feira 2 de janeiro de 2023 | Edição do dia

Em ampla presença de chefes de Estado, com monarcas, golpistas e imperialistas de todo tipo, Lula chegou ao Congresso em Brasília no famoso Rolls Royce, acompanhado de Janja, primeira-dama, e de seu vice Alckmin acompanhado da esposa, Maria Lúcia Alckmin. Repetiu o gesto que teve em 2003 com o empresário Alencar, chamando o vice a tomar parte no cortejo presidencial, e simbolizando a frente ampla que governará o país nos próximos anos, em um cenário internacional muito mais convulsivo do que seu primeiro governo, diante da crise capitalista. Ao lado de Lira e de Pacheco, com a presença de representantes da direita oligárquica como José Sarney, Lula começou seu primeiro discurso saudando a democracia, criticando o governo Bolsonaro, embora sem mencioná-lo nominalmente, e confrontando algumas de suas políticas, como ambientais e de armas, criticou o teto de gastos (mas prometeu política fiscal) e deixou sem menção ou tocar a reforma da previdência e deixando claro que em relação à reforma trabalhista admite no máximo mudanças pontuais, que como já evidenciou em outros momentos, regularizem a uberização.

Expressou que seu governo tem como tarefa “reconstruir” o Brasil após esses últimos 4 anos, junto a todas as instituições e parte dos atores do golpe de 2016 que degradaram ainda mais essa democracia dos ricos. Buscou uma espécie de “unidade nacional” sem o bolsonarismo, falando contra o autoritarismo, a ditadura e em defesa da democracia, mas exaltando a "atitude corajosa" de um dos atores bonapartistas no país, que é o judiciário, em especial no papel do reacionário Alexandre de Moraes que agora posa de democrata. Como desenvolvemos aqui, o mesmo judiciário autoritário que articulou sua prisão sorriu na posse, legitimado como uma força no país que seguirá atuando arbitrariamente com peso. Ao mesmo tempo, diante do regime marcado pela politização das Forças Armadas, mais uma vez os militares saíram ilesos de ambos discursos, sem qualquer menção, contando com um aliado direto no Ministério da Defesa, o bolsonarista José Múcio, do mesmo partido de Roberto Jefferson.

É bastante sintomático de todo esse movimento de buscar compor uma unidade nacional com empresários e com diversos ministros que apoiaram o golpe institucional - o impeachment - (os mais notórios sendo Alckmin, Múcio e Tebet) o lema adotado pelo governo Lula-Alckmin: “união e reconstrução”. Há ministros com ligações com milícias (como Daniela do Waguinho no Turismo) e toda uma cota de ministros que a grande mídia trata como “cota da composição parlamentar”, alguns deles de partidos que sequer apoiaram Lula, nem no segundo turno, o que marca algumas novidades a conhecidos mecanismos de “presidencialismo de coalizão”.

Num dia marcado por uma grande festa, ainda mais depois da viagem de Bolsonaro e do pronunciamento de Mourão, Lula fez um discurso sinalizando a todos os setores que compõem a frente ampla com quem governará, vários deles responsáveis pela destruição do "edifício de direitos" já limitados do pacto de 88 que Lula diz querer reconstruir. Não pontuou nenhuma crítica a instituições e figuras que sustentaram Bolsonaro, por exemplo Lira, que será apoiado pelo PT para sua reeleição na Câmara, enquanto foi vaiado pelo público em Brasília. Mas foi Rodrigo Pacheco quem conduziu a cerimônia de posse, bastante enfático de que a democracia foi testada e venceu, além de afirmar a experiência de Lula e de Alckmin em conduzir o Brasil. O partido de Pacheco tem 3 ministros no governo Lula-Alckmin entre eles o poderoso ministério de Minas e Energia e o da Agricultura, ao mesmo tempo em que apoia fortemente Tarcísio em São Paulo, um governo estadual que é parte da institucionalização da extrema direita e cujo discurso de posse saudou os "ministros técnicos" de Bolsonaro.

Também Lula, ao mesmo tempo que falou em soberania nacional e retirou os Correios, Petrobras e EBC da lista de privatizações e fale em promover uma política de industrialização ligado a centros de pesquisas e universidades, faz política sinalizando que vai governar junto aos imperialismos. Um desses marcados contrastes pode ser notado na nomeação de Jean Paul Prates (PT-RN) para a presidência da Petrobras, ele é conhecido por ter adotado em toda sua carreira política posições similares aos tucanos na indústria do petróleo, o que motivou inclusive uma série de artigos em denúncia disso feitos pela Associação dos Engenheiros da Petrobras.

A promessa de retorno ao multilateralismo foi uma marca importante de sua campanha em relação à política externa, contra a política de Bolsonaro, de alinhamento à extrema direita internacional e enfrentamento aos chamados governos progressistas, com maior isolamento diplomático do país durante seu governo. A presença massiva de chefes de Estado na posse de Lula-Alckmin, somando mais de 100 representantes, em comparação aos 20 presentes na posse de Bolsonaro, é uma expressão dessa mudança de orientação. Parte dessa orientação se expressou em retorno a acordos financeiros com alguns limitados controles ambientais junto aos imperialismos alemão e noruguês. Ainda assim, diante de uma arena internacional marcada pela guerra da Ucrânia e pela tendência a maiores enfrentamentos entre os Estados e por revoltas populares, é preciso ter claro que Lula e Alckmin não romperão com a subordinação aos interesses do imperialismo no Brasil e em toda América Latina. Pelo contrário, já vêm sendo um sustentáculo desses interesses na região, como se expressa na presença de representantes do governo golpista de Dina Boluarte na posse, cuja chegada ao poder foi apoiada por Lula e pelo imperialismo estadunidense, enquanto a população peruana é reprimida nas ruas por lutar contra o golpe. Também a saudação entusiasmada de Macron à posse, com mil e um interesses ligados à Amazônia, é uma expressão disso, além da presença de uma série de governos e regimes que vieram se enfrentando com mobilizações massivas, como no Irã, um regime teocrático que responde à luta das mulheres com execuções sumárias.

Simbolicamente, uma marca do novo governo desde a transição está sendo justamente a relação com os temas ligados ao movimento de mulheres, negros, indígenas e lgbts. Em seu discurso, Lula deu peso contra a destruição da Amazônia e ao maior espaço às populações indígenas. Também defendeu a ampliação da política de cotas nas universidades e a refundação do Ministério das Mulheres, a criação dos Ministérios Indígena e da Igualdade Racial, se chocando com o reacionarismo da extrema direita. Após a misoginia aberta de Bolsonaro e Damares e o racismo de figuras como Mourão e Sérgio Camargo, a posse esteve marcada por buscar expressar que o governo será um governo da “diversidade” do povo brasileiro, como foi expresso na passagem da faixa, entregue pela catadora e mulher negra, Aline Souza, com Raoni Metuktire, liderança indígena, o metalúrgico do ABC Weslley Viesba Rodrigues Rocha, o professor Murilo de Quadros Jesus, a cozinheira Jucimara, Ivan Baron, referência na luta anticapacitista, Flávio Pereira representando as pessoas que ficaram em vigília enquanto Lula esteve preso, e o jovem negro Francisco Carlos.

Mas o objetivo central é canalizar o anseio dos setores oprimidos, que foram brutalmente atacados no governo Bolsonaro, para servir aos interesses desse governo de frente ampla que não garante direitos fundamentais às mulheres, negros e lgbtqiap+, como é o direito ao aborto, que não só vai seguir intocado, como serviu para dialogar com setores mais conservadores durante a campanha, rifando os direitos das mulheres, que vão precisar arrancá-los em base à luta. Além disso, não há como falar em questão indígena no Brasil sem combate ao agronegócio e sem reforma agrária radical, questões que não passam pelos objetivos do governo.

A conciliação abre caminho para a direita, isso acontece através de concessões políticas mas também de fortalecimento material de supostos aliados que depois exigem maiores parcelas de poder. O agronegócio por exemplo foi fortemente fortalecido pelos governo do PT, um fortalecimento que foi político mas também material, por exemplo com um aumento gigantesco do financiamento público via Plano Safra é assim que depois esse setor fortalecido foi crucial para apoio a Temer e depois a Bolsonaro.

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O bolsonarismo seguiu organizando um núcleo duro do agronegócio, as alianças que o governo Lula-Alckmin desenha a partir dos ministérios que concede conta com setores ligados a importantes ruralistas do país. Tebet, que terminou como Ministra do Planejamento, vem de uma família latifundiária do Mato Grosso do Sul e é herdeira de terras em um dos lugares onde mais existem conflitos entre indígenas e latifundiários, onde estão localizados territórios tradicionais reivindicados pelos povos Guarani-Kaiowá. Não à toa, anteriormente chegou a votar a favor da suspensão de todas as demarcações durante um período de quatro anos e pela indenização de grileiros e latifundiários. Além disso, o União Brasil, do simbólico articulador da Lava Jato Sérgio Moro e de Kim Kataguiri, partido que nem mesmo apoiou Lula em maioria durante a campanha e ainda assim foi recompensado com ministérios com vastos recursos, conta com nomes como Caiado. É outro "coronel" goiano, um dos fundadores da União Democrática Ruralista (UDR), dono de 14 fazendas. São esses setores com quem Lula pretende governar, avançando para "coalizões" que inovam na amplitude em face ao modus operandi da conciliação anterior, já que buscam partidos que nem mesmo são da base aliada do governo ou foram parte das alianças eleitorais.

E é concedendo ministério ao União Brasil de Sérgio Moro que, em seu segundo discurso à população que estava aos milhares em Brasília, que Lula começou saudando os que estiveram com ele na campanha Lula Livre e citando o golpe de 2016, passagem respondida com entusiasmo pelo público. Sob gritos de “sem anistia”, em referência às responsabilidades do governo Bolsonaro pelas mortes na pandemia e aos demais crimes do governo Bolsonaro, discursou pela unificação do país, de que é um Brasil só, verde e amarelo e que governará para todos e não só para os que votaram nele, buscando dialogar com os votantes de Bolsonaro e arrefecer a polarização que se expressou fortemente nas eleições, em sintonia com o esforço de todos setores do regime político que apoiaram Lula-Alckmin.

Lula fez um discurso emocionado falando da fome, da fila do osso e da precariedade da vida que se aprofundou nos últimos anos de Bolsonaro e afirmou compromisso de combater ao lado de Alckmin todas as desigualdades. Mas como fazer isso junto com os patrões, latifundiários, banqueiros e industriais que exploram a classe trabalhadora, negra e feminina, todos os dias nos locais de trabalho e ao lado de um neoliberal, repressor de professor e cuja trajetória se fez em um partido responsável por uma das maiores chacinas do país, como é Alckmin?

A "reconciliação" nacional significa deixar de fora o central das reformas e privatizações já aprovadas. Não à toa, já em seus primeiros discursos e decretos, Lula indica certa mudança de rumos quanto a ataques contra estatais importantes, como a Petrobrás e os Correios, mas deixa claro que não será parte de seus planos reverter as vendas de refinarias e os leilões já ocorridos que entregaram recursos nacionais nos últimos anos. Vale mencionar que Alckmin garantiu, mesmo antes da posse, o projeto para a privatização do metrô de BH com Zema e Guedes, assim como Gabriel Galipolli, banqueiro que articulou a privatização da CEDAE, está na Secretaria Executiva da Fazenda. Com Haddad no Ministério da Fazenda, conhecido como o mais tucano dos petistas, o PT se mostra em sintonia com a garantia da "responsabilidade fiscal", mesmo que defenda a revogação do Teto de Gastos atual, algo que é endossado por vários economistas burgueses. Por isso, lutar para que Bolsonaro e seus aliados paguem é também lutar contra todos os interesses burgueses que o sustentaram no poder.

Assim, num dia marcado pela saída de Bolsonaro da presidência, desmoralizado e fora do país, compartilhamos o sentimento de todos os que comemoram a derrota dessa figura asquerosa. Mas defendemos que a unidade que precisamos construir é da classe trabalhadora, dos setores oprimidos e movimentos sociais para fazer com que os capitalistas paguem pela crise. A desmoralização da direita e a moralização dos setores progressistas pode ser um ponto de apoio para isso, se não se transformar numa mera expectativa de que um governo de conciliação de classes como o de Lula-Alckmin vai responder aos problemas estruturais do Brasil. A conciliação de classes nos governos anteriores do PT, mantendo todos os pilares do neoliberalismo no Brasil, foi fundamental para abrir espaço não somente a partidos e políticos da direita que depois articularam o golpe e agora ocupam ministérios, mas também à base social que deu origem ao bolsonarismo, como as cúpulas das Igrejas evangélicas, o agronegócio e as forças repressivas do Estado.

É fundamental exigir das grandes centrais sindicais, como a CUT e CTB, e das grandes entidades estudantis, como a UNE, que preparem um plano de lutas, no lugar da passividade construída em prol da frente ampla. Nossa luta precisa começar por revogar integralmente todas as reformas e ataques que seguirão massacrando a classe trabalhadora e os mais pobres no país, como um primeiro passo na luta por um programa operário e popular de resposta para a crise e para varrer definitivamente o bolsonarismo como força social. Isso só é possível com independência do governo que hoje toma posse, contando com importantes articuladores das reformas e se propondo a governar “para todos”, ou seja, sem enfrentar os grandes empresários.

O PSOL, cuja resolução votada na direção nacional ao final do ano passado foi um amálgama que permitiu que seus filiados inclusive assumam cargos no governo, cada dia avança mais em sua diluição na frente ampla. Mesmo a esquerda que aparece como "crítica", como os partidos de tradição stalinista UP e PCB, alimentam ilusões nesse governo, construindo a posse de Lula como organizações que se posicionam como base governista e não de forma independente. É fundamental, neste momento, saber dialogar pacientemente com todas as ilusões no novo governo, mas desde já buscando unir a vanguarda crítica e todos os setores que buscam uma política independente da conciliação de classes do PT, para impulsionar a luta por um programa que responda às necessidades reais das maiorias populares.

Nós, do Esquerda Diário e do Movimento Revolucionário dos Trabalhadores (MRT), colocamos nos últimos anos todas as nossas forças em combate a Bolsonaro, ao bolsonarismo e ao regime surgido do golpe institucional, buscando contribuir, ao mesmo tempo, para que emerja um sujeito operário, com mulheres, negros, indígenas e LGBTs à frente, que possa responder a todas as mazelas da sociedade capitalista, em aliança com os movimentos sociais e com uma política independente de todos os capitalistas. Do contrário, não é possível combater os pilares que fortaleceram a extrema direita e que sobretudo significam a miséria e sofrimentos à classe trabalhadora. Assim, temos como objetivo enfrentar todo regime que sustenta a exploração e opressão. O Estado capitalista é destinado a garantir a manutenção da miséria e da barbárie para sustentar os lucros da classe dominante, mesmo os governos progressistas estão a serviço dessa função. A luta por uma sociedade livre de opressão e exploração é a única alternativa a um sistema que significa fome, destruição ambiental, violência machista e racista e todo tipo de miséria, em prol dos lucros da burguesia, e para que ela seja efetiva precisa ser construída com independência política de todos os governos que buscam gerir esse Estado Para responder às necessidades da população trabalhadora, do povo pobre e de todos os oprimidos, é necessário uma estratégia anticapitalista e revolucionária, que tenha como objetivo a construção de uma sociedade socialista.




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