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Os efeitos da Reforma Trabalhista e o jogo duplo de Lula e Bolsonaro

Pedro Oliveira

Os efeitos da Reforma Trabalhista e o jogo duplo de Lula e Bolsonaro

Pedro Oliveira

Um ponto levantado, ainda que formalmente, por todos os partidos de esquerda na disputa com Bolsonaro tem sido a revogação da Reforma Trabalhista. Ao mesmo tempo, a grande imprensa burguesa tem calafrios quando Lula fala de “rever” a reforma. Já Lula faz um jogo duplo, ora afirma que irá revogar a reforma, mas volta atrás logo em seguida e afirmando que irá apenas fazer uma revisão. Em 2021, Lula havia dito que seguiria o modelo espanhol, ou seja, uma revisão da reforma trabalhista que mantém o central da retirada de direitos.

Em evento com sindicalistas, Lula ressaltou três pontos que pretende rever: o trabalho intermitente, os direitos para entregadores e motoristas de aplicativos e o financiamento dos sindicatos. Ou seja, mantendo o central da retirada de direitos, pois em suas palavras, “não podemos voltar para como era antes”. A Reforma Trabalhista foi o principal ataque feito durante o governo Temer, tendo entrado em vigor em novembro de 2017. Na época, o governo, a direita e a burguesia afirmavam que a reforma iria “modernizar” as relações trabalhistas e criar empregos. No entanto, quase 5 anos depois, é necessário ver a situação do mercado de trabalho hoje.

O primeiro ponto a ser visto é em relação à própria taxa de desemprego. No trimestre de outubro a dezembro de 2017, a taxa de desemprego era de 11,9%, o que na época significava 12,3 milhões de desempregados. A reforma trabalhista entra em vigor em um momento onde a taxa de desemprego havia atingido um vale no ano de 2017, e voltaria a subir logo em seguida, chegando a 13,2% no trimestre seguinte, tendo seu pico entre julho e agosto de 2020, em meio a primeira onda da pandemia, quando chegou a 14,9%. Hoje, a taxa de desemprego está em 11,2%, o que representa 12 milhões de desempregados, além de 4,7 milhões de desalentados. Na série histórica da PNAD Contínua, que começa em 2012, a menor taxa de desemprego foi neste mesmo ano, quando chegou a ser de 6,3%.

A diferença, no entanto, é maior quando se olha para o rendimento médio do trabalho. No último trimestre de 2017, o rendimento médio do trabalhador era de R$ 2669, já em valores corrigidos. Após chegar a R$ 2484 no último trimestre de 2021, no trimestre móvel terminado em fevereiro de 2022, o rendimento médio foi de R$ 2511, uma perda real de cerca de 6% em menos de 5 anos.

Desagregando mais os dados, pode-se ver melhor como se deu a queda. Usando as tabelas da PNADC do trimestre móvel terminado em março de 2022, a mais recente, chega-se aos seguintes números, para a renda média real habitualmente recebida no trabalho principal.

A tabela acima mostra, portanto, uma queda nos rendimentos dos trabalhos na maioria das subdivisões, sendo particularmente acentuada entre os funcionários públicos não estatutários e entre os trabalhadores por contra própria. A queda na massa salarial se dá apesar de um aumento de cerca de 3 milhões de pessoas no total da população empregada. Já a população que trabalha por conta própria chegou a 25,3 milhões, sendo 75% sem CNPJ. 41,7% dos trabalhadores estão na informalidade, ou seja, não possuem carteira assinada ou CNPJ, no caso dos trabalhadores por conta própria.

Outro ponto de precarização das relações trabalhistas que veio com a reforma foi a formalização dos vínculos de trabalho intermitentes. Desde 2020, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) registra a criação de vagas formais nas modalidades de trabalho temporário e intermitente. De janeiro a março de 2022, cerca de 140 mil trabalhadores foram contratados nestas modalidades. 4,3% do saldo de vagas formais, ou seja, de admissões menos demissões, foram temporários ou intermitentes. O Caged mostra ainda que o salário médio de admissão, em março de 2022, foi de R$ 1872,07. Com a inflação atingindo recordes, a tendência é que a queda da renda real da população se acentue.

A indiferença das médias, no entanto, não mostram a realidade da precarização no Brasil. O preço do gás de cozinha tem levado setores da população a cozinhar usando álcool, o que provoca acidentes e inclusive mortes. Em dezembro de 2020, eram 19,1 milhões de pessoas passando fome no Brasil. Os trabalhadores de aplicativos, uma das categorias mais precarizadas do país, chegam a cerca de 5 milhões.
Frente a este cenário, Lula joga seu jogo duplo, ora acenando à esquerda e falando em revogação da Reforma Trabalhista, ora acenando para a burguesia e falando de revisão, ou afirmando que não podemos voltar à situação anterior, ou seja, a CLT. O que ficou marcado foi sua reivindicação da revisão da reforma trabalhista espanhola, feita pelo governo de Pedro Sánchez.

No Estado Espanhol, uma profunda reforma havia sido feita em 2012, que cortou diversos direitos dos trabalhadores. Naquele país, a revisão da reforma limitou o tempo de trabalho temporário, instituiu que trabalhadores terceirizados devem ter salários iguais aos empregados efetivos, e extinguiu as contratações na modalidade de trabalho intermitente. Mas manteve pontos centrais da reforma de 2012, como a diminuição dos pagamentos a trabalhadores demitidos, ou que os empregadores possam fazer mudanças unilaterais nas condições de trabalho ou o aumento da dificuldade de se questionar judicialmente demissões coletivas. Essa “revogação” da reforma de 2012 ampliou, por exemplo, a possibilidade de se contratar aprendizes de até 30 anos, quando na lei anterior a idade máxima era de 25, e estendeu regras criadas no contexto da pandemia, como a possibilidade de redução das obrigações previdenciárias e a flexibilização das condições de trabalho, em momentos de crise. Alexandre Furlan, presidente do Conselho de Relações de Trabalho da CNI, afirma que não houve revogação e inclusive elogia a revisão, em artigo para o site Poder360, em uma demonstração do quão limitada foi essa medida que Lula reivindica.

Um ponto bastante falado por Lula é em relação aos trabalhadores de aplicativo, onde o pré-candidato afirma querer incluí-los na Previdência e regular suas relações com os aplicativos como uma relação trabalhista. O economista petista Marcio Pochmann fala de uma “CLT da Era Digital”, cujo centro seria não o da ampliação de direitos para esses trabalhadores, mas meramente o aumento do repasse, com a diminuição das taxas cobradas pelas empresas.

Também Bolsonaro, em sua demagogia eleitoreira, promete uma MP para regular o trabalho por aplicativos. A proposta foi apresentada pela equipe do Ministério do Trabalho e Previdência Social e é centrada em dois pontos: o primeiro é formalizar os contratos temporários de trabalhadores rurais e o segundo de regular a relação entre trabalhadores de aplicativos e empresas. Apesar de não ter uma proposta fechada, as medidas de Bolsonaro não irão reconhecer vínculo empregatício entre apps e trabalhadores e não irão garantir nem sequer os direitos da CLT, mas irá promover a “inclusão previdenciária”.

Torna-se visível, inclusive, as similaridades entre as propostas petistas e as de Bolsonaro, o que indica a intenção de Lula de manter o legado das medidas tomadas após o golpe institucional de 2016. O principal símbolo disso está na indicação de Alckmin como vice-presidente, um notório golpista que apoiou, junto com o PSDB, o Teto de Gastos, a Reforma Trabalhista e a Reforma da Previdência. As falas de Lula contra a Reforma Trabalhista foram relativizadas por Vera Magalhães, jornalista do Globo e insuspeita de qualquer simpatia pelos direitos trabalhistas, como bem menos perigosas que os absurdos ditos por Bolsonaro.

Também indicam nessa direção os governos estaduais petistas, que aprovaram Reformas da Previdência com base em repressão da PM sobre servidores. Na prefeitura petista de Edinho Silva, em Araraquara (SP), foi criado o “App da cidade”, que é reivindicado por Pochmann como modelo de relação trabalhista para os milhões de uberizados do Brasil, mas que não garante direitos para entregadores. Também nos governos petistas a terceirização do trabalho explodiu, chegando a mais de 12 milhões de trabalhadores terceirizados no país.

Na situação de precarização pela qual passam os trabalhadores no Brasil, o ponto central para qualquer esquerda digna deste nome seria a revogação das reformas, do teto de gastos e da obra econômica do golpe. Mas, como o caso de Lula mostra, qualquer aliança com a burguesia inviabiliza isso, e somente com independência de classe pode se defender este projeto de maneira consequente.

É essa defesa da independência de classe e dos direitos dos trabalhadores que o MRT busca fazer através de sua intervenção no Polo Socialista e Revolucionário, junto a outras organizações que se negam a se diluir na conciliação petista, buscando ser uma alternativa também ao PSOL que apoia a chapa Lula-Alckmin e agora faz uma federação com a Rede, mostrando que o caminho para o enfrentamento às reformas passa centralmente pelas lutas operárias e da juventude, ainda que deva contar com uma expressão eleitoral.


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Pedro Oliveira

Estudante de Economia na USP.
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