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ARTE E POLÍTICA | O trabalho cultural da esquerda diante do histerismo da direita

segunda-feira 21 de março de 2016 | 00:00

Apropriar-se de um símbolo para alterar o seu sentido original é uma prática estética/política historicamente ligada tanto à esquerda quanto à direita. Hoje, no Brasil, nota-se que é a direita quem está fazendo um intenso trabalho de ressignificação de imagens, frases e das mais variadas expressões. Um mar de jararacas de brinquedo, patos infláveis, pixulecos e uma proliferação verde e amarela capaz de deixar positivistas emocionados e fascistas excitados, são respostas simbólicas a um governo que não anda representando tão bem os interesses da burguesia. Levando em conta que este mesmo governo também não representa os interesses históricos do proletariado, como responder esteticamente ao histerismo da direita? Do ponto de vista da esquerda revolucionária, que atua concretamente no movimento dos trabalhadores, a questão estética surge como uma necessidade para fortalecer a linguagem e a percepção da classe operária.

Jogando peteca com imagens e palavras que circulam na velocidade das tecnologias digitais, o militante socialista tem diante de si uma avalanche de informações que montam e desmontam os significados dos acontecimentos políticos. É no centro desta tempestade que o fermento estético torna-se uma necessidade dos trabalhadores. Ainda está fresco na memória aquele assalto criativo das revoltas de 2013: antes do verde e amarelo e da retórica anticomunista falarem mais alto, cartazes, vídeos, desenhos e palavras de ordem surgiam como forças comunicativas libertárias e em muitos casos sintonizadas com um desejo revolucionário. Para que as formas artísticas de contestação adquiram um novo fôlego e possam assim permear pra valer o cotidiano operário, seria importante refletir sobre estratégias visuais. O cartaz ainda é uma ferramenta útil na qual a criatividade artística e a mensagem política direta encontram-se com os olhos da população.

O que os olhos da população captam geralmente? A linguagem impositiva do mercado faz com que o “compre “, o “aproveite”, o “não perca” e outras expressões comerciais amparadas por sofisticados procedimentos estéticos, sejam a tropa de choque sensorial da cultura alienada. Mas quando estes apelos comercialescos são substituídos por expressões como “lutar” ou “resistir” estamos, a partir das condições econômicas dos trabalhadores, embarcando num histórico referencial estético em que a imagem e a palavra atuam conjuntamente em nome da informação revolucionária: dos cartazes soviéticos da época do Construtivismo, passando pelos cartazes que os revolucionários criavam durante a Guerra civil espanhola (1936-1939) e chegando ao desbunde criativo das experiências gráficas do Maio de 68 na França, notamos a existência de uma trajetória cultural que coloca a arte como força simbólica que participa diretamente dos acontecimentos políticos. E isto está longe de ser uma curiosidade do século passado: hoje em dia, artistas militantes, estudantes e teóricos de esquerda pensam e produzem novas iniciativas.

A rigor, confundir os limites entre arte e propaganda pode ser algo politicamente perigoso: a destruição da subjetividade do artista em nome da palavra de ordem acarreta em artificialismo, prejuízos expressivos e na violação dos procedimentos intrínsecos à arte (um verdadeiro desastre pode anunciar obras que forçam a barra). Entretanto, defender a necessidade da criatividade artística como um aspecto que se integra às lutas operárias, não significa realizar a submissão da arte à política, mas sim valorizar a contribuição política específica do terreno estético: seria muito raso constatar que a única função de um cartaz é a de transmitir a propaganda de um partido ou de qualquer organização de esquerda; muito mais significativo é deixar a imaginação livre e a revolta expressiva chutarem pra fora da imagem os apelos eleitorais e comerciais que tanto empobrecem a percepção das massas. Portanto, se a liberdade criativa é o pressuposto da confecção de uma arte de agitação política, artistas e organizações de esquerda podem realizar manifestações visuais em que a imaginação atua contra a sociedade da alienação (e a juventude francesa dos anos 60 mostrou que isto é mais do que possível).

O militante de hoje precisa não apenas conhecer o legado dos cartazes que agitaram o mundo no século XX, mas aplicar suas resoluções estéticas a partir de uma releitura feita em condições históricas particulares: enquanto a esquerda majoritária despenca e a direita avança, novas forças revolucionárias realizam, dentre outras coisas, um trabalho cultural. Este trabalho que gira em torno da instrução e da agitação política(e que não pode comprometer a criatividade e a liberdade artística) precisa atingir os sentidos da população: uma imagem consegue comunicar, bater fundo, quando esta mesma imagem se encontra com o desejo reprimido e com as necessidades políticas emancipatórias. Enquanto a mídia burguesa viabiliza a onda conservadora do verde e amarelo, os militantes de esquerda realizam seu trabalho cultural com base na seguinte evidência: as imagens e os símbolos da direita possuem força ideológica, mas não podem responder aos problemas reais dos trabalhadores. Neste sentido o trabalho cultural da esquerda promove realizações artísticas que desmistificam os valores e os discursos da classe dominante.

A guerra no plano da informação também é uma guerra de símbolos e logo um território estético que produz ideologia. Subverter os símbolos da cultura dominante é algo que em determinados momentos pode ser mais bombástico do que um discurso de mil palavras. Por exemplo: enquanto as imagens da cultura imperialista harmonizam-se com os símbolos e os anseios políticos da pequena burguesia brasileira , tais imagens podem ser criticamente assimiladas pela esquerda(ridicularizando ou expondo o significado oculto de um símbolo direitista, a legitimação deste símbolo é afetada). Isto já é feito há um bom tempo(os situacionistas, por exemplo, fizeram certinho esta lição de casa que bagunça a percepção e os valores morais que protegem o capital). Estas estratégias ainda estão na ordem do dia.




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