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LENINISMO | “O que fazer?” de Lenin e a necessidade do partido (Parte 1)

Sem teoria revolucionária, não há movimento revolucionário. Nunca será demasiado insistir nessa ideia, numa época em que a propaganda em voga do oportunismo vem acompanhada de uma atração pelas formas mais estreitas da atividade prática.

sábado 24 de outubro de 2015 | 00:53

A obra “O que fazer?”, escrita pelo principal dirigente da Revolução Russa expressa um salto importante, senão fundamental, na concepção do partido leninista. Em 1898 houve o primeiro congresso do Partido Social Democrata Russo que sofreu forte repressão da monarquia Czarista, tendo todos seus delegados presos. Lenin, no livro em questão, lançado em 1902, discute quais as tarefas e com qual política deve se consolidar a social-democracia na Rússia.

Depois da repressão ao congresso de fundação, diversos pequenos grupos socialistas se encontravam isolados e espalhados pelo país. Já se desenhava para o autor de maneira quase visionária, a partir da análise dos movimentos recentes da luta de classes, que a classe operária russa em um próximo momento (como se comprovou com o processo revolucionário de 1905) seria a vanguarda da classe operária mundial. Para tanto, era preciso conformar e concentrar uma direção: um partido que reunisse os elementos conscientemente revolucionários como instrumento potencializador das lutas espontâneas que floresciam.

O combate ao reformismo

Na social-democracia alemã e na francesa, havia uma tendência minoritária liderada pelo alemão Bernstein que sob o discurso de que eram necessários “novos métodos” e superar o “velho marxismo”, em realidade defendiam, nas palavras de Lênin que “A social-democracia deveria se transformar de partido da revolução social em partido democrático de reformas sociais” (cap1 item a).
Um setor da social-democracia russa, que escrevia para a publicação Rabótcheie Dielo reivindicava por vezes as mesmas palavras de ordem do reformismo bernsteiniano, embora negasse qualquer ligação com este. O que implicava em defender essencialmente três pontos que Lênin combate:

  •  “Liberdade de crítica”, no caso concreto dos bernsteinianos, era uma palavra de ordem em alta que significava na prática o direito dos reformistas criticarem o caráter revolucionário da social-democracia e ainda assim se reivindicarem social-democratas.
  •  A concepção, não diretamente bernsteiniana, de que as demandas econômicas eram as mais importantes a serem levadas pela social democracia. Isto é, que as reivindicações sindicais ligadas a melhoria econômica (como melhor exemplo salário) da vida dos operários eram mais importantes que outras discussões não sindicais (repressão policial, as opressões na vida privada, religiosa, familiar, os fatos da grande política, por fim toda forma de manifestação da opressão capitalista onde quer que ela se expresse).
  •  A negação da importância da teoria como elemento essencial para construir uma prática revolucionária. Ou seja, a idéia de que elaborar profundamente a teoria revolucionária como base das práticas do partido era perda de tempo ou algo diletante, pois o movimento operário encontraria espontaneamente através de suas experiências o caminho da vitória.

    Lenin a partir daí desenvolve a concepção do que é ser verdadeiramente social-democrata ou revolucionário. Longe do sindicalismo limitado e da adaptação aos elementos legítimos e espontâneos da classe, os revolucionários devem ser aqueles que se preparam de antemão, que estudam e analisam a complexidade das situações colocadas em todos os âmbitos da sociedade e que sabem responder a cada questão mostrando o quanto ampla é a política dos trabalhadores. E que só esta política pode levar até as últimas conseqüências a luta pelo fim de toda forma de exploração e opressão.

    A atualidade d’O que Fazer? é a atualidade do partido revolucionário

    O que fazer? de Lênin é dedicado à polêmica contra o sindicalismo “estreito”, ou trade-unionismo; contra o economicismo, ou economismo; e contra o “culto à espontaneidade”. A luta intransigente em defesa dos princípios do marxismo revolucionário – ou da “social-democracia” revolucionária, na época; termo posteriormente “roubado” e violado pelos reformistas – e contra o oportunismo, nas suas mais variadas tendências, é, segundo Lenin, a condição sine qua non de qualquer movimento revolucionário; afinal, sua famosa frase, “sem teoria revolucionária, não há movimento revolucionário”, vêm, não coincidentemente, desta obra. Também não coincidentemente, o oportunismo do nosso tempo difere muito pouco do oportunismo de então. Assim, a construção de um Partido Revolucionário de Trabalhadores é uma tarefa impossível sem que resgatemos, hoje, às lições d’O que fazer?.

    Tal qual os bernsteinianos de então, os reformistas de hoje tentam restringir a luta dos trabalhadores, dos oprimidos, da juventude e do povo pobre à miséria do “possível”. É essencial de sua política lutar por um capitalismo mais “justo”, por uma exploração mais “humana”, e que gradativamente vamos rumando de reforma em reforma para um capitalismo tão mais justo que em algum momento poderemos através dele mesmo, extingui-lo. O socialismo científico de Marx - que atingiu o seu ponto mais alto na experiência da Revolução Russa- demonstra que esta hipótese é inviável. A miséria do possível é impossível. O capitalismo não permitirá uma constante melhoria nas condições de vida, nem uma distribuição cada vez maior das riquezas, nem nada disso que nos querem fazer acreditar os defensores desta tese. A burguesia jamais largará de livre vontade o osso de sua dominação sobre trabalhadores, juventude e oprimidos. A conjuntura atual de crise econômica confirma a tese de Marx que após os períodos de maior fôlego econômico (como a fase da restauração burguesa com a queda da URSS e demais estados operários degenerados) e possibilidade de débeis concessões e migalhas dentro do sistema, acontecem as crises, quando os capitalista arrancam violentamente com a mão direita os parcos direitos que concederam no momento anterior com a mão esquerda.

    Também ainda hoje, ligados de alguma forma ao reformismo ou a um proto-anarquismo anticomunista, há os espontaneístas e economistas (sindicalismo estreito). As duas idéias se entrelaçam intimamente, pois partem do pressuposto de que não se deve defender nada além daquilo que surge das lutas espontâneas ou que já está dado pelo resquício de tradição sindical rotineiro de algumas categorias. Que defender um programa mais radical que a consciência imediata das massas é burocrático. Que o movimento tem “fluir naturalmente” e os elementos mais conscientes devem, em última instancia guardar para si suas idéias e acompanhar como observadores.

    Esta idéia pode parecer atraente, mas a burguesia não chegou ao poder espontaneamente. Foi utilizando seu poder econômico de classe para desenvolver a crítica do obscurantismo religioso, a ciência, financiando artistas e intelectuais, construindo universidades, etc. Do mesmo modo, o proletariado não chegará ao poder espontaneamente, e, ao contrário da burguesia, não têm poder econômico para dispor em sua luta pelo poder político. Suas “escolas”, portanto, só podem ser a partir de sua auto-organização na luta. Seu ponto mais alto é o partido revolucionário, que reúna em suas fileiras a vanguarda da classe operária, ou seja, os operários mais conscientes, que aprendem com suas derrotas e vitórias e conseguem sintetizar as lições da história apontando os passos corretos a se tomarem a cada momento.

    A classe operária é espontaneamente socialista?

    O segundo capítulo d’O que fazer? – a espontaneidade das massas e a consciência da social-democracia – é, possivelmente, a mais citada e, certamente, a mais distorcida de todas as obras de Lenin. Desde que a Revolução Russa tornou-se tema de interesse da academia, na década de 1950, toda uma corrente historiográfica, virulentamente anticomunista, influenciada pela paranóia da Guerra Fria, tem se utilizado levianamente d’O que fazer? de Lênin para sustentar a insustentável tese de que o stalinismo é o “filho legítimo”, a continuação direta, e não a negação contrarrevolucionária, do marxismo revolucionário de Lênin e Trotsky. Esta operação mal-intencionada, que coloca um sinal de igual entre Lênin e Stalin, baseia-se no pretenso “elitismo” de Lênin, do qual a maior prova seria, supostamente, sua controversíssima afirmação, no início do segundo capítulo d’O que fazer?, de que a consciência política social-democrata, isto é, revolucionária, só pode ser introduzida “de fora”.
    “A história de todos os países comprova”, escreve Lenin, “que a classe operária, valendo-se exclusivamente de suas próprias forças, só é capaz de elaborar uma consciência trade-unionista, ou seja, uma convicção de que é preciso reunir-se em sindicatos, lutar contra os patrões, cobrar do governo a promulgação de umas e outras leis necessárias aos operários etc. Já a doutrina do socialismo nasceu das teorias filosóficas, históricas e econômicas formuladas por representantes das classes proprietárias, por intelectuais. Os próprios fundadores do socialismo científico moderno, Marx e Engels, pela sua situação social, pertenciam à intelectualidade burguesa. Do mesmo modo, na Rússia, a doutrina teórica social-democrata surgiu de uma forma completamente independente do avanço espontâneo do movimento operário; emergiu como consequência natural e inevitável do desenvolvimento do pensamento entre os intelectuais revolucionários socialistas” (Expressão Popular, 2015; pp. 79-80).

    O que os historiadores desta corrente propositadamente abstêm-se de mencionar é que, no parágrafo exatamente anterior à famosa citação, Lênin assinala que “há espontaneidade e espontaneidade”, ou seja, que há diferentes tipos de espontaneidade. Em relação às greves de 1890 na Rússia, por exemplo, Lênin afirma que, comparadas às greves de 1960 e 1870, nas quais a destruição das máquinas foi o método de luta adotado, as mais recentes podem até ser chamadas de “conscientes”, tamanho o desenvolvimento político do movimento operário russo entre um período e outro. Ao que, em seguida acrescenta: “Isso nos mostra que, no fundo, o ‘elemento espontâneo’ não é mais do que a forma embrionária do consciente” (p. 78). Na verdade, a relação entre espontaneidade e consciência, no pensamento de Lênin, é muito mais complexa para que se possa reduzi-la a um único parágrafo. Esta relação constitui, na verdade, o cerne de todas as polêmicas que se desenvolveram no interior do movimento social-democrata russo naquele período. E foi justamente o ascenso operário da década de 1890 que trouxe à tona as divergências.

    Mesmo partindo de reconhecer o amadurecimento nada desprezível que o proletariado russo demonstrou naquele ascenso, em momento algum Lênin deixa de apontar que a ausência de uma direção revolucionária social-democrata impõe limites intransponíveis ao desenvolvimento político do movimento operário. “Valendo-se exclusivamente de suas próprias forças”, aquilo que o próprio Lênin considerava a maior fortaleza do ascenso grevístico de então, o “despertar das massas (e, principalmente, do proletariado industrial)”, não pode desenvolver-se plenamente; foi interrompido por sua maior fraqueza: a “ausência de consciência e de espírito de iniciativa dos dirigentes revolucionários” social-democratas (p. 77). A debilidade fundamental do movimento reside, portanto, no “elemento consciente”. Ora, os economistas do Rab. Dielo, em relação ao mesmo período, faziam um balanço diametralmente oposto: acusavam Lênin e seu jornal, Iskra, de “subestimar a importância relativa do elemento espontâneo”.

    Ironicamente, antes de se tornar a publicação de maior destaque entre os economistas, o Rab. Dielo – jornal da União de Luta pela Emancipação da Classe Operária –, havia sido um dos primeiras, se não o primeiro, periódico que “objetivava unir a luta grevista ao movimento revolucionário contra a autocracia e levar todas as vítimas da opressão do obscurantismo reacionário a apoiar a social-democracia” (p. 82). Além disso, dentre os redatores de sua primeira edição, ou seja, dentre os fundadores da União de Luta, estava ninguém mais, ninguém menos que... Lenin! Mas o que explica a passagem do Rab. Dielo das posições da social-democracia revolucionária em direção ao economismo? O caso da União de Luta é emblemático. Não mais que alguns meses depois de fundada, a União tinha, já, boa parte dos dirigentes na prisão, inclusive Lenin, e aquela primeira edição do Rab. Dielo, de 1895, jamais chegou às mãos dos leitores; foi confiscada pela polícia antes de sua impressão ser sequer concluída.

    Aqui colocamos apenas parte da discussão contida na obra, faltando ainda elementos essenciais, como aprofundar a discussão da classe operária como combatente de vanguarda pela democracia, os capítulos 4 e 5 que discutem mais diretamente quais as táticas concretas que correspondem a esta estratégia tais como a relação e a diferença entre agitação e propaganda partidária, a importância da combinação da atuação clandestina e oficial da organização, a importância de um jornal que centralize o conjunto da militância e leve a frente nossas políticas, entre outras questões, ficarão para um próximo artigo.




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