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ELEIÇÕES INTERNACIONAIS | O que as eleições podem dizer sobre a conjuntura política?

O sufrágio é uma das instituições do Estado burguês a serviço da exploração do trabalho assalariado pelo capital. Entretanto, pode ser sintoma de fenômenos importantes. Distintos países do mundo e de diferentes regiões passaram por processos eleitorais que são um medidor importante do que está em curso: elementos importantes de polarização social que golpeiam o "centro político", como resultado do sentimento de insatisfação com os governos tradicionais.

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

sábado 13 de junho de 2015 | 00:00

Engels dizia, no prefácio de A Guerra Civil em França de Marx, que as eleições eram “o barômetro da maturidade da classe operária. Mais que isso não podem ser, nem nunca serão, no Estado de hoje”. Efetivamente, o sufrágio é uma das instituições do Estado burguês a serviço da exploração do trabalho assalariado pelo capital. Entretanto, pode ser sintoma de fenômenos importantes. Distintos países do mundo e de diferentes regiões passaram por processos eleitorais que são um medidor importante do que está em curso: elementos importantes de polarização social que golpeiam o "centro político", como resultado do sentimento de insatisfação com os governos tradicionais.

Politicamente, entretanto, essa insatisfação esbarra no limite de que a classe trabalhadora ainda não aparece como protagonista política, o que faz com que a derrota dos governos tradicionais se dê por formações que não são anticapitalistas, ou por formações da extrema direita (como a Frente Nacional na França, ou o FPÖ na Áustria, além dos governos da direita na Hungria e na Polônia).

Os mais famosos exemplos estão na crise do bipartidarismo na Europa, com os triunfos eleitorais dos partidos antiausteridade do Syriza na Grécia e do Podemos (em coligação com as candidaturas “cidadãs”) no Estado Espanhol, ganhadores nos municípios em Barcelona e Madri. Na Grécia, o partido da ordem mais penalizado foi a socialdemocracia grega, o PASOK, que obteve os piores resultados de sua história, fruto dos ajustes aplicados contra a população; no Estado Espanhol, quem mais perdeu foi a direita tradicional, o PP, ainda que a socialdemocracia do PSOE tenha de depender da ajuda de Pablo Iglesias (que falava contra a “casta” para terminar pactuando com ela) para reerguer-se.

Em ambos os países houveram expressões profundas de lutas sociais: mais de 30 greves gerais na Grécia, e uma série de greves operárias, como a da Coca Cola e de Panrico, no Estado espanhol, despertadas pelo movimento dos indignados do 15M.

Um fenômeno desigual que atravessa o continente americano

A mídia imperialista fez algum alarde com a candidatura de Bernie Sanders, membro do Partido Democrata de Obama, chegando a considerar seu programa eleitoral para presidência como o “ressurgimento do socialismo” nos EUA. Um dos motivos para considerar Sanders, membro de uma das alas do imperialismo norteamericano, um “socialista”, segundo o Financial Times, está em sua proposta de nacionalizar setores da economia e “tirar o poder das oligarquias de Wall Street”.

Mesmo que omitam interessadamente que a perseguição atroz contra a esquerda e os trabalhadores, operada após a Segunda Guerra Mundial por Joseph McCarthy (inicialmente do mesmo Partido Democrata), está na raiz da quase inexistência da esquerda nos EUA, a questão é que Sanders (cujo apoio às ocupações do Iraque e do Afeganistão e os aplausos a Israel não fazem dele nem sombra de socialista) tem apelo em setores da juventude precária, à frente nas pesquisas diante de praticamente todos os candidatos da direita Republicana, no marco de eleições marcadamente à direita, com Hillary Clinton como favorita.

O mais interessante é que, segundo a agência de opinião Gallup, em 2008 63% dos norteamericanos identificavam-se como de classe média ou média alta, sendo apenas 35% os que se identificavam como de classe trabalhadora. Em 2014, caíram para 51% os que se consideravam mais abastados, e subiram para 49% os que se consideravam da classe trabalhadora ou de classe baixa.

É inegável enxergar nesse importante desenvolvimento as lutas constantes nos Estados Unidos pelo salário mínimo de 15 dólares a hora, com as revoltas dos trabalhadores precários nas cadeias de fast-food. Não menos importantes são as rebeliões negras que atravessam o país, de Ferguson a Nova Iorque, de Los Angeles a Baltimore, contra a repressão policial. Estes fenômenos importantíssimos da conjuntura norteamericana não possuem sua expressão eleitoral consequente, ao redor da classe trabalhadora, e provavelmente se expressão de maneira distorcida numa disputa entre Republicanos e Democratas.

No país vizinho, o México, as eleições foram impregnadas de conflitos que ameaçaram a realização das votações, com um fenômeno de queima de urnas em distintos estados, como prova da dissidência política entre amplos setores de trabalhadores – com os professores à cabeça – e da juventude contra o Estado.

A expressão eleitoral deste dissenso foi a perda de votos de todos os principais partidos do regime burguês (PRI-PAN-PRD), com uma abstenção de 52%, em que o partido considerado como a “ala esquerda” do narco-estado, o PRD, foi o mais penalizado (12% dos votos). Amplos setores que antes aprovavam o PRD agora o abandonam e se inclinam para a força política de López Obrador, parte do MORENA, uma formação reformista de esquerda que, segundo John Ackerman, obteve mais votos que o PRD em sua primeira eleição em 1991.

Tunísia e Turquia

A não participação da classe trabalhadora como classe hegemônica nos processos da primavera árabe abriu espaço para que fossem brutalmente derrotados pela contrarrevolução, como no golpe de Estado do exército egípcio, que se utilizou das manifestações de massas contra a Irmandade Muçulmana para deflagrar o golpe, assim como na guerra civil síria, em que o fracasso dos partidos islâmicos moderados fortaleceu o reacionário Estado Islâmico. O movimento de massas (ainda mais o dos trabalhadores) se encontra muito atrás do conjunto de guerras que hoje questionam as fronteiras nacionais do Oriente Médio estabelecidas na Primeira Guerra Mundial.

Este retrocesso temporário inegável (com resultados à direita, como a ditadura no Egito e a guerra civil entre xiitas e sunitas, além do Estado Islâmico) não diminuiu a insatisfação com a pobreza e miséria da crise. Na Tunísia, berço da primavera árabe, os jovens desempregados continuam ameaçando o parlamento controlado pelos islâmicos de cair “da mesma forma que o ditador Ben Ali” caso não haja empregos disponíveis. Isto anda lado a lado com grandes greves operárias como a dos mineiros do fosfato no sul do país.

No caso da Turquia, esta passou dos protestos de juventude na Praça Taksim contra a violência estatal às grandes paralisações operárias nos terminais automotrizes da Ford, Renault e Fiat. Os 1500 trabalhadores em greve na Renault triunfaram, ao contrário das revoltas mineiras no país depois do massacre de Soma, mina em que morreram 301 mineiros em 2014.

Estes conflitos também tiveram sua expressão eleitoral: o partido do primeiro ministro Recep Tayyip Erdogan, o AKP, perdeu a maioria absoluta no parlamento depois de 13 anos, enquanto um partido de esquerda pró-curdo, Partido Democrático dos Povos, com um programa reformista entrou pela primeira vez no parlamento na história da Turquia.

O distorcido barômetro político das eleições

Este disseminado voto de repúdio, incontestavelmente ligado a uma agitação política inexistente há décadas em diversos países, é contraditório: como expressão da insatisfação de massas contra a política oficial de ajustes, penaliza os principais partidos da ordem burguesa em nome de alavancar projetos populistas ou reformistas de esquerda.

Entretanto, ao não expressar radicalização político-programática apoiada nas lutas dos trabalhadores, concedem confiança a formações que abrem espaço para o retorno dos partidos da ordem (como a coalizão de governo do Syriza com a direita nacionalista, Gregos Independentes, e os pactos entre Iglesias e o PSOE).

Portanto, estes resultados são sintomas expressivos dos limites políticos desta polarização que não se dá ainda ao redor de uma perspectiva operária de saída da crise. O que não se discute é que programa, que estratégia e que sujeito podem dar saída de fundo às demandas mais sentidas da população trabalhadora.

O nível de politização das massas não anda necessariamente de mãos dadas com sua radicalização programática. Esta “incongruência dos tempos”, para usar um termo de Daniel Bensaïd, tem seu próprio ritmo, mas pode ser acelerado pela esquerda estrategicamente preparada para ajudar a classe trabalhadora a emergir como sujeito político independente e superar mediações que não se dotam de uma perspectiva anticapitalista.

Se é incorreto considerar as eleições “algo mais” no Estado burguês do que um medidor da polarização social e a politização das massas, seria tão incorreto quanto ignorar para onde aponta e preparar-se corretamente para isso.




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