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Dia nacional da Visibilidade Trans | O país de Bolsonaro e Damares é campeão em assassinatos de pessoas trans: 4 em 10 mortes foram aqui

Os números são estarrecedores. O que eles revelam do nosso país e quais os caminhos para enfrentar essa realidade? É inaceitável morrer ou sofrer qualquer violência, por querer ser quem você é.

Patricia GalvãoDiretora do Sintusp e coordenadora da Secretaria de Mulheres. Pão e Rosas Brasil

sábado 29 de janeiro de 2022 | Edição do dia

Ele ou ela? Travesti ou traveco? Acompanhando ou não o reality show da Globo, esse debate pautou as últimas semanas e trouxe à tona a discussão sobre violência transfóbica. O que acompanhamos ao vivo, com a artista Linn da Quebrada, ou Lina, seu nome real, é uma das violências que marcam a vida de milhares de pessoas trans cuja a existência é condenada simplesmente por não seguir os padrões de gênero e heteronormativos da família tradicional burguesa.

A longa cadeia de violência que começa já na infância e adolescência, quando os padrões binários de gênero instituídos pela norma burguesa religiosa não dão conta de expressar o eu profundo, tem seu ápice na curta expectativa de vida, 35 anos. Essa é a média da expectativa de vida de uma pessoa trans no Brasil. O país, pelo 13°ano consecutivo, carrega a marca de campeão de mortes de pessoas trans e pior, a cada 10 assassinatos a transexuais no mundo, 4 ocorrem no Brasil. A vítima mais nova de transfeminicídio tinha 13 anos. Keron Ravach foi morta em janeiro de 2021 a pauladas e pontapés. E mesmo na morte não teve sua identidade de gênero respeitada. Foi enterrada com o seu nome de registro. A pequena porção de terra que lhe coube, que abriga o seu corpo, sequer tem seu nome.

Se a média de vida de uma pessoa trans é de apenas 35 anos, esses anos são marcados pela violência de todo tipo. A intolerância religiosa e o preconceito empurram para as ruas jovens trans que não encontram na família um ponto de apoio ou tolerância. Mesmo os que encontram, da porta para fora de casa, o mundo não oferece nenhum amparo. Os poucos empregos formais que contratam pessoas independente da sua identidade e orientação sexual são, em geral, os mais precários e invisíveis. A prostituição marca a vida de boa parte das mulheres trans. De acordo com a ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) estima-se que 90% da população trans tenha a prostituição como fonte de renda e único meio de subsistência. Longe dos holofotes e da romantização da prostituição por Hollywood ou pela Globo, os índices de violência física, psicológica, verbal e de vulnerabilidade são altíssimos. O aprofundamento da crise econômica e sanitária durante a pandemia reforça essa realidade.

“Com aumento de pessoas em situação de vulnerabilidade social e de miseráveis, a crise econômica, a política e aumento do desemprego, acreditamos que se mantém atual a estimativa de que apenas 4% da população trans feminina se encontra em empregos formais, com possibilidade de promoção e progressão de carreira. Da mesma forma, vemos que apenas 6% estão em atividades informais e subempregos, mantendo-se aquele que é o dado mais preocupante: 90% da população de travestis e mulheres transexuais utilizam a prostituição como fonte primária de renda”¹

O governo Bolsonaro já havia eleito o combate ao que chama de ideologia de gênero como uma das principais metas do seu governo logo na posse. Através da ministra Damares Alves, e do seu discurso transfóbico de meninas de rosa e meninos de azul, lançou uma ofensiva contra as mulheres e LGBTs atacando inclusive o acesso a higiene íntima de forma gratuita. As ditas "piadas do tio do pavê" saídas da boca do presidente refletem a ausência de políticas voltadas ao combate à violência transfóbica e naturalizam e reforçam, a transfobia e o transfeminicídio.

A crise econômica aprofundada pelo governo, que levou milhões à fila do osso, a comer carne estragada e descartada afeta de forma ainda mais brutal os setores mais vulneráveis da sociedade. Se o dado sobre a prostituição de travestis e transexuais não se alterou, pois continua escandaloso, a vulnerabilidade dessas pessoas aumentou com a crise econômica e sanitária. A exposição ao vírus se soma à falta de segurança e proteção. Cerca de 80% das vítimas de transfeminicídios eram prostitutas. Os programas pagam cada vez menos e é preciso se expor cada vez mais. Longe de ser uma simples escolha, a prostituição no capitalismo é também uma imposição. Ainda de acordo com o dossiê da ANTRA, a maioria absoluta das travestis que se prostituem afirmam que gostariam de outras oportunidades de emprego. Isso significa que longe do lugar comum da escolha, há uma imposição da prostituição àquelas cuja a simples existência já é motivo para a morte precoce.

O recorte racial e de gênero também chama a atenção nos dados publicados pela ANTRA. Mulheres trans e travestis são a maioria das vítimas e o grupo mais vulnerável. E dessas mais de 80% são negras. O racismo somado à transfobia faz novas vítimas todos os dias.

Enquanto a pandemia foi extremamente lucrativa para os grandes capitalistas que mais que dobraram a sua fortuna, o aumento da fome, do desemprego e da precarização aumenta jogando mais da metade da população na miséria e na insegurança alimentar. Não é difícil prever como a crise afeta a população trans. É inegável que a visibilidade em torno dessa questão aumentou. A eleição de deputadas e vereadoras trans, novelas que tratam do tema, artistas como Linn da Quebrada ganhando espaço na Globo e a protagonista da série Pose , que trata do universo das travestis, MJ Rodríguez premiada com o Globo de Ouro de melhor atriz e notícias de pessoas trans sendo as primeiras em algum lugar, alcançando objetivos sonhados seja o reconhecimento através de um diploma ou um prêmio, um espaço na mídia, são mostras da imensa potencialidade da luta pela libertação sexual das amarras de um sistema que nos limita e escraviza nossos corpos, seja impondo uma normatividade sexual, reprimindo o desejo ou seja espremendo toda a nossa energia vital em trabalhos ultra precários que só servem ao lucro dos empresários. A Globo bem como empresas de cosméticos e bancos já entenderam como pode ser vantajoso investir no pink money abrindo espaço às LGBTQIA+ sem, contudo, permitir qualquer mudança estrutural na cadeia de exploração e consequentemente de violência dessa população que, para a burguesia, não passa de um nicho de mercado.

Por isso, o grupo internacional de mulheres Pão e Rosas se coloca como parte de organizar o ódio e a revolta contra um sistema que cotidianamente nos lembra que a vida das LGBTs, das mulheres, dos negros valem menos no capitalismo. Nossa luta é por um feminismo socialista revolucionário junto a classe trabalhadora e o conjunto dos oprimidos para destruir o sistema capitalista. Nossa luta é contra Bolsonaro, Mourão, Damares e todo o conservadorismo da direita que mantém essa ordem miserável e impõe uma vida de violências marcadas a sangue às pessoas trans.

É também contra o Congresso, os governadores, o STF e o judiciário, que estão de mãos dadas para realizar as reformas e os ataques e manter esse regime carcomido do golpe, utilizando todo tipo de opressão para isso.

Cada ataque aos trabalhadores é um ataque aos oprimidos, as primeiras vítimas da sanha por lucros. Frente a isso, não podemos confiar nossas forças nas empresas “Pink Money” e nem em saídas de conciliação de classe, que negocia melhores formas de continuar nos impondo uma vida de exploração e opressão, como faz o PT.

É preciso batalhar para que o movimento de mulheres volte a se organizar, tomar às ruas, também pelas demandas urgentes das pessoas trans e travestis. O movimento de mulheres, junto às centrais sindicais, as organizações de esquerda, devem em cada local de estudo e trabalho debater com as trabalhadoras e os trabalhadores para que se organizem também na luta contra o transfeminicídio, pela separação da igreja e do estado, por um plano de emergência que inclua casos abrigos, acompanhamento psicológico e assistencial, programas de renda e inserção no mercado de trabalho, cotas trans, direito ao aborto para as pessoas trans e pela livre expressão de gênero e sexualidade. Essas batalhas, junto à luta pela revogação integral de todas as reformas que atacam os trabalhadores, pode unificar as fileiras operárias e os grupos oprimidos, e gerar uma força capaz de ir por muito mais.

No lugar dos nossos corações não cabem santas. Nos nossos corpos não cabe o castigo. Nosso suor e sangue podem produzir muito mais do que nos dão. Podem fazer germinar uma nova sociedade, fazer brotar um novo mundo livre de opressão e de exploração, onde nosso corpo seja liberto também de todas as amarras que o reprimem e o castigam. Onde os corpos e os corações sejam verdadeiramente livres.

Notas:

1 - BENEVIDES e NOGUEIRA, 2021. Dossiê ANTRA 2022.




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