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O movimento de trabalhadores antes e durante a rebelião popular de 2019 no Chile

Gabriel Muñoz

O movimento de trabalhadores antes e durante a rebelião popular de 2019 no Chile

Gabriel Muñoz

A rebelião popular de outubro comemora seu primeiro aniversário. Um processo que marcou um antes e um depois na história do país, contestando o regime pós-pinochetista e seu modelo capitalista neoliberal. Nesse processo, o movimento de trabalhadoras e trabalhadores teve um papel decisivo na greve geral de 12 de novembro, onde setores estratégicos intervieram, incluindo setores de trabalhadores não organizados, em aliança com a revolta popular. Estudos mostram a recuperação grevista dos trabalhadores, mas também sua tendência a radicalizar as paralizações nacionais que elevam-se a um caráter político. O que foi a jornada de greve de 12 de novembro? Que lições devemos tirar da participação dos trabalhadores durante a rebelião? Neste artigo tentamos desenvolver estes dois problemas debatendo com a interpretação do sociólogo Carlos Ruiz e trazendo de volta os teóricos marxistas que já analisaram em outras oportunidades as revoltas, as greves gerais e como dirigi-las até seu triunfo.

A rebelião como articulação dos movimentos e de mal-estar social, sem classe trabalhadora: a visão de Carlos Ruiz

Para iniciar este artigo citaremos a visão do sociólogo Carlos Ruiz, que defende uma ideia de rebelião social como uma articulação de movimentos sociais em que a classe trabalhadora não desempenha um papel importante, como desempenhou no século passado. [1]

Segundo o autor, a rebelião popular tem suas causas no mal-estar social acumulada há vários anos. Em um país onde o modelo neoliberal teve suas piores consequências: a taxa de rotatividade de trabalho é altíssima e a proteção do Estado em serviços sociais é quase inexistente. Um país onde existem concessões milionárias à propriedade privada. E com uma trajetória de lutas contra esse modelo. As marchas de 1 milhão pela previdência, o 8 de março mais massivo da América Latina em 2018. Desde 2006 com a luta estudantil e passando por 2011. No decorrer delas, foi-se sistematizando uma saída política: a soberania da previdência, soberania da água contra sua privatização. Não é uma simples soma. Em vez disso, o autor vê uma articulação.

Para Ruiz essa revolta é uma mudança histórica e sem retorno. Abriu-se um processo de mudança histórica. E sua receita para a saída da crise é uma maior intervenção do Estado nos direitos sociais e que "os empresários ponham as mãos no bolso", numa espécie de sistema e regime econômico ideal onde os capitalistas concordam em renunciar a seus privilégios de classe.

O processo de outubro para Ruiz tem a ver com a perda do medo da "regressão autoritária" que conteve os protestos por décadas. E seu ator principal é um “novo sujeito”, uma espécie de “novo povo chileno”. Não é o proletariado do século XX. Mas um sujeito criado pelo neoliberalismo. Ruiz vê nas novas condições de trabalho uma espécie de dissolução do sujeito trabalhador tradicional.

Em suas palavras, os acontecimentos de outubro e novembro demonstraram para Ruiz o seguinte: “A esquerda tem que deixar para trás as fórmulas do século XX. Demanda por direitos sociais universais. O ciclo neoliberal mudou todo o esquema de classes. É por isso que você não vê sindicatos em marcha, nem a velha classe média desenvolvimentista. Tudo isso foi desmontado e expulso do estado. Uma nova geografia social e não seguir em um reduto identitário dos convictos sempre. Um enxame de novas coordenações. Da água, das aposentadorias, das feministas. Elas são as mais eficazes em convocar as marchas. Por outro lado, as antigas centrais sindicais não convocam para nada".

Está correto que o esquema neoliberal mudou a estrutura de classe a tal ponto de diluir o poder de mobilização da classe trabalhadora? Para além das suas transformações, esta “nova geografia” dos sectores populares é também uma articulação da classe trabalhadora e também de seus métodos clássicos de luta.

A nova classe trabalhadora e a recuperação da greve

O modelo neoliberal chileno, como forma de acumulação neoliberal implantada, a partir de etapas sucessivas nos anos 1980, mas se estendendo durante os 30 anos de democracia pós-pinochetista, não fez nada além de expandir a classe trabalhadora. Por um lado, o crescimento urbano explica o crescimento dos trabalhadores assalariados, mas também a diversificação das exportações e da produção nacional composta por 11 milhões de chilenos, empregados em vários ramos e sob as formas mais instáveis de contrato de trabalho. Ao contrário do século XX, a organização sindical por ramo não é legalizada e cada sindicato luta legalmente de forma atomizada, o que dificulta a expansão sindical entre os novos trabalhadores. Por sua vez, verifica-se uma alta taxa de instabilidade de emprego e formas de trabalho precárias. Nesse sentido, Ruiz tem razão, a classe trabalhadora da segunda metade do século XX, do tipo "industrial", é uma minoria, e os mineiros, industriais e portuários conservam em maior medida uma forma mais clássica de organização do trabalho. No entanto, não se pode dizer que a própria classe trabalhadora deixou de existir. Em vez disso, se transformou, diversificou e expandiu. E hoje, em meio à crise econômica, empregos assalariados foram destruídos [2]

A classe trabalhadora também está mais feminina do que antes, mais de 40% é feminizada internacionalmente. Mais imigrantes e com um nível de salário próximo dos níveis de pobreza. Mais de 60% dos trabalhadores no Chile ganham menos de 300 mil pesos, o que não representa nem a metade de uma cesta básica familiar. Isto quer dizer que cada demanda social contra os estragos do neoliberalismo, tem atrás de si a vida de um trabalhador que dá sua força de trabalho, a única coisa que gera lucro para os empresários ou para o Estado.

O curioso é que o autor identifica que dentro dessa nova estrutura de classes chilena existe um paradoxo que explica a acumulação neoliberal em um grupo de famílias de empresários. Segundo ele, existe um “paradoxo neoliberal”: enquanto se reduz a pobreza, a desigualdade aumenta. Um grupo minoritário na sociedade assume esse crescimento. Mas para Ruiz a classe trabalhadora não convoca e muito menos o faz a partir de seus locais de trabalho, como fez no século XX. É realmente assim?

O último informe de greves trabalhistas de 2019 do Observatório da Universidade Alberto Hurtado, publicado em setembro, dá muitas pistas sobre a atividade da classe trabalhadora e de seus sindicatos. O relatório começa por dizer que há uma recuperação acentuada da atividade grevista ao longo de 2019, que, embora não atinja os índices de 2016, representa um aumento em relação aos dois anos anteriores [3]. Isso inverteu a tendência de queda dos dois anos anteriores (aumentando mais de 67%) e se aproximou do pico de greves em 2016. Em 2019, registrou-se um aumento de greves legais em setembro, mas também houve um auge de greves não legais durante novembro. O setor público fez paralizações durante os meses de outubro e novembro por motivos políticos e acompanhado de outros setores mais estratégicos para a economia, como os portuários. O ramo produtivo onde mais houve greve é na mineração e na indústria, e majoritariamente são legais, e apresentaram nítida queda durante os meses de rebelião.

De acordo com o informe, há sim uma recuperação conjunta, por um lado as greves econômicas cresceram antes da rebelião e que, embora essas negociações estivessem sob regulação, há uma disposição para entrar em greve. Isso pode ser explicado mesmo pelo cenário de estabilidade econômica, mas também pelo aumento das expectativas em relação à popularidade do projeto de redução da jornada de trabalho. Posteriormente, durante a rebelião, a tendência foi de paralizações políticas nacionais do setor público principalmente e depois de uma precária tendência de greves extrajudiciais durante novembro. Também chama a atenção que aumentaram as demandas por condições de trabalho e organização do trabalho, o que em última instância entraram em conflito com a chefia das empresas nesse assunto. Sem dúvida isso expressa uma maior consciência sindical. Um fato que destoa da tendência durante os anos 1990, quando os sindicatos fizeram um pacto com os governos da Concertación e suspenderam todas as ações de luta até 2003, ainda que igualmente se desenvolveram conflitos: em professores por questões de associação sindical, de mineiros de carvão contra o fechamento e demissões, de portuários em 1999. No início do governo Aylwin havia uma alta atividade grevista motivada por expectativas de transição de regime. Em linhas gerais, isso não foi mantido e primou a política de conciliação.

A recuperação da atividade grevista responde, em parte significativa, à rebelião social. De fato, a rebelião desempenhou um papel claramente estimulante no crescimento das greves extralegais, 36% dessas greves ocorreram nos meses de outubro e novembro, isso aumentou em maior medida a porcentagem anual. A maioria desses tipos de greve realizaram-se no transporte, setor estratégico para todas as cidades do país. Além disso, 80% das greves são nas grandes empresas.
Talvez o dado mais significativo de todos, e que justifica este artigo, seja o aumento das greves por motivos políticos. O que significa paralizações regionais ou nacionais de trabalhadores por questões de agenda política. Geralmente contrárias a reformas trabalhistas anti-sindicais. O estudo mostra uma tendência à radicalização das “greves gerais” entendidas como paralisações nacionais no período de outubro e novembro, que se expressa na crescente importância de demandas mais estruturais, em detrimento das demandas setoriais, e na ampliação das dimensões do modelo econômico que são questionadas.

Onde este tipo de demanda mais aumentou foi no setor público. O estudo se encerra categorizando as paralizações nacionais como “greves gerais” (a maior manifestação de forças que os trabalhadores podem gerar), paralisações que ocorrem em um tempo e espaço específicos, abrangendo múltiplos ramos da economia. Esses tipos de greves no Chile foram principalmente de natureza política. A mais recente "greve geral" desse tipo foi a do dia 12 de novembro convocada pela Mesa de Unidade Social, composta por mais de 150 organizações sindicais como a CUT, a ANEF e o Colégio de Professores.

Número total de greves por ano:

Número e porcentagem de greves de acordo com o mês de início e legalidade:

Número de greves por setor e legalidade:

Número de greves por ramo econômico e legalidade:

Número e porcentagem de greves de acordo com as demandas:

Número de greves por tamanho e empresa:

Número de greves de empresas e gerais, 1990-2019:

A participação da classe trabalhadora durante a revolta: a greve geral de 12 de novembro

Conforme afirmado no último informe sobre conflitos trabalhistas, as greves de trabalhadores desempenharam um papel antes e durante a revolta. Mas também desempenharam um papel organizador na força da rebelião. Nos referimos à greve nacional de 12 de novembro. Nos dias 18 e 19 de outubro estourou a maior revolta da história do Chile. Por sua extensão, profundidade e poder destrutivo. A população saiu às ruas seguindo o do chamado estudantes secundaristas e a política repressiva do governo de colocar os militares nas ruas radicalizou o movimento, transformando-o em grandes barricadas em todas as praças centrais e em múltiplos bairros do país.

Uma “jornada revolucionária” quase totalmente espontânea, exceto no caso de 19 de novembro em que organizações sindicais de massa como a CUT e a CdP chamaram para as ruas. O governo tornou-se completamente intolerável para as massas e, após o uso dos militares, o movimento adquiriu a consigna de "Fora Piñera ". Ou seja, a queda do presidente de direita sob métodos revolucionários. Onde as massas irrompem.

Esses dias abriram um longo processo de rebelião popular que durou vários meses. E no meio dela houve um ponto de maior concentração de forças da classe trabalhadora: a greve nacional de 12 de novembro, que teve características de uma greve geral política de massas. Isto significa que se continuasse, poderia perfeitamente questionar o poder político em vigor no país.

Vamos reanalisar aquela jornada de lutas. As direções dos maiores sindicatos, liderados pelo PC e pela Frente Ampla, convocaram uma paralização nacional de 24 horas. A adesão tornou-se a maior em 30 anos. Em Arica, 10 mil trabalhadores marcharam, com destaque para as associações das áreas de saúde, trabalhadores municipais, professores, portuários, pescadores artesanais e ensino superior. Em Antofagasta 50 mil marcharam e se concentraram na "praça da revolução", paralisou-se o setor público, portuário, industrial, correios.

Um Comitê de Emergência e Resguardo organizado pelos sindicatos da cidade uniram as ações, conseguindo o bloqueio das vias. Isso permitiu a paralização nos setores de mineração que aderiram ao descer dos ônibus de chegada. Em Valparaíso marcharam 70.000, paralisaram-se portuários, funcionários públicos, trabalhadores da saúde e da educação em todos os níveis. A massividade fez com que todo o centro tivesse que fechar suas atividades.

Em Santiago, mais de 400 mil trabalhadores e manifestantes marcharam durante a manhã. Destacando a participação dos trabalhadores da saúde, educação e transporte. Novamente, a massividade das ações obrigou à redução da produção em todo o setor privado. Em Temuco 30 mil pessoas marcharam, convocadas pelas paralizações do setor público, organizações mapuche. Em Concepción, surpreendentemente, mais de 200 mil pessoas se reuniram, os trabalhadores portuários de Talcahuano paralisaram, o setor público e os transportes aderiram a paralização, que aderiram à greve novamente devido à massividade da convocatória.

Nesse mesmo dia, intensificaram-se os ataques às delegacias de Carabineiros e edifícios de poder. Uma vanguarda permaneceu disputando as ruas até o final da tarde. Nessa data, as "primeiras linhas" em vários lugares do país já haviam sido estabelecidas. Durante a noite, continuaram os cortes e barricadas nos bairros populares. Ou seja, foi uma paralização de trabalhadores, deliberada, de quase todos os ramos produtivos do país, convocada pelos maiores sindicatos, que exigiu a figura presidencial a atender a uma lista de demandas. Esta convocatória permitiu o maior desdobramento de forças durante a rebelião, igualando as jornadas revolucionários de 18 e 19 de outubro como atividade nas ruas. [4] [5] [6]

Embora a rebelião tenha sido mais "popular" do que estritamente "operária", isto é, a classe trabalhadora aparece como movimento até várias semanas após a eclosão da rebelião, ela desempenhou um papel importante na concentração das forças em um único ponto sob a exigência de pressionar o presidente por reformas, enquanto nas ruas se populariza a consigna “Fora com Piñera” e “Assembleia Constituinte”.

Tanto que durante a noite de 12 de novembro o governo vivia seu pior momento e os demais poderes do Estado começaram a mover suas peças para salvá-lo e dar uma fórmula de processo constitucional. É de conhecimento público que naquele dia se pensou que o presidente poderia cair. No entanto, as lideranças da Mesa de Unidade Social, principalmente Bárbara Figueroa do PC, censuraram a "violência" no dia e suspenderam a greve enquanto esperavam serem chamados pelo próprio presidente. Ao mesmo tempo, foi a paralização do dia 12 que levou os partidos tradicionais e a FA a assinarem o “pacto pela paz e uma nova Constituição”. Salvar a figura do presidente e desviar o processo para um organismo constitucional controlado pelos partidos do mesmo regime.

Rosa Luxemburgo: Quando o conflito trabalhista entra no afluente das lutas políticas de massas revolucionárias

No estudo das greves gerais, os autores descreveram três tipos: econômicas, políticas e revolucionárias. Estas últimas buscam destruir o governo para facilitar a implementação de uma nova ordem social. [7] A paralização nacional de 12 de novembro, chamada de "greve geral", foi uma "greve geral" como entendida pelos marxistas do século XX? Ou seja, como estratégia para impor seu poder aos capitalistas e abrir caminho para uma nova ordem social.

Rosa Lexumburgo, dirigente revolucionária polonesa do Partido Social-Democrata Alemão, a maior organização política dos trabalhadores da Europa, dedicou parte de sua vida à organização dos trabalhadores, mas também compreendeu os processos de luta realizados pelos trabalhadores. Ela estudou a "greve geral revolucionária" da Rússia em 1905 [8]. Desenvolvida durante um longo processo revolucionário que começou com greves em Baku, que mais tarde passou por São Petersburgo, a cidade industrial mais importante da atrasada Rússia. A repressão exercida pelo czarismo gerou indignação em todo o país e uma onda de greves econômicas que rapidamente se uniram em uma greve geral política contra o regime. Esse processo gerou sovietes (conselhos operários) que transformaram as jornadas revolucionárias de dezembro em uma insurreição, passando das barricadas à luta armada de rua. Um processo que foi derrotado pela repressão militar, mas que deu conta do método de luta dos trabalhadores por excelência.

De acordo com Luxemburgo, certos ensinamentos da Rússia poderiam ser aplicados na Alemanha. Principalmente a lógica de entender como e quando o conflito trabalhista entra no afluente da luta das massas, isto é, quando os trabalhadores fazem suas as lutas políticas de todos os oprimidos e as defendem com seus métodos de luta. Ou seja, quando os trabalhadores decidem intervir e dar um golpe certeiro no poder constituído. Por isso, utiliza-se a categoria “greve geral de massas revolucionária”, entendendo que o que prevalece é uma aliança entre os trabalhadores e “todo o povo”. Mas, nesse processo, apenas a classe trabalhadora poderia cumprir o papel de organizadora. E ocorre em um momento em que as massas “não podem mais confiar nos aliados burgueses e na ação parlamentar”, mas só podem contar consigo mesmas, com sua própria ação decidida de classe. Nelas, inicialmente prevalece um fator “espontâneo” e isso acontece como resultado histórico, e muitas vezes não surge de convocatórias anteriores. E nesse processo, quando os trabalhadores intervêm, fica demonstrada sua "centralidade" como sujeito revolucionário.

Sob essa análise, a greve geral de 12 de novembro teve tendências ao fenômeno desenvolvendo-se que descreve Rosa Luxemburgo. Em outras palavras, não amadureceu seu fator organizador, as organizações democráticas de trabalhadores (como os conselhos), nem avançou seu caráter insurrecional. No Chile, isso se deve principalmente ao papel da burocracia sindical que dirige a Mesa de Unidade Social, que decidiu suspender a medida de greve e suspender as convocatórias. Estratégia que se mantêm até hoje.

O que é interessante e útil na análise de Luxemburgo é que, apesar de as greves gerais tenderem a ser fruto de uma luta em que a espontaneidade desempenha um papel muito importante, ela considerou que os partidos e organizações da classe trabalhadora podiam assumir a liderança da sua extensão e organização, para que as suas tendências amadureçam e ocupem assim toda a força física para um objetivo estratégico. Na Rússia, ela destacou o papel dos sovietes e de seus dirigentes como forma de marcar uma hegemonia do movimento operário em relação a outras classes sociais ou outros setores não organizados da classe trabalhadora: “não se pode esperar com fatalismo, de braços cruzados, que produzia uma "situação revolucionária", ou que o movimento popular caia espontaneamente do céu. Pelo contrário, temos o dever de sempre antecipar o curso dos acontecimentos, de procurar precipitá-los.”

Sobre isso, os tempos preparatórios e a correta localização das consignas teriam um papel preponderante para Rosa. O papel dos partidos revolucionários foi lutar contra as tendências burocráticas dos grandes sindicatos que impedem a convocatória ou que rapidamente chamam a sua suspensão devido às pressões que exercem sobre eles os poderes do Estado e da economia. Na Alemanha, um setor de seu partido rechaçava a ideia de convocar uma greve geral para unir as greves econômicas ao movimento político que se chocava com o Estado imperial alemão.

Os acontecimentos revolucionários com greves gerais revolucionárias e insurreições que encerraram a Primeira Guerra Mundial confirmaram sua hipótese. No sentido de como se desenrolou a dinâmica histórica, mas também dos desafios que os revolucionários tiveram que enfrentar. Outro elemento importante é o papel "cultural" da greve geral, pois permite à classe trabalhadora, a mais explorada, acabar com as barbáries do sistema capitalista. Por exemplo, em 1905 os conselhos de trabalhadores decidiram se defender de ataques policiais e militares constituindo seu próprio organismo armado com o trabalho de proteger a mobilização e a ordem pública.

Como mencionamos acima, os acontecimentos de 12 de novembro mostram uma paralização nacional, convocada mas posteriormente suspensa por sua burocracia sindical. Mas tinha certas características de uma greve geral de tipo revolucionário. No entanto, ainda é o acontecimento mais significativo em termos de luta coordenada dos trabalhadores nas rua e que poderia ter amadurecido se continuasse de pé. Utilizamos a opinião do sociólogo Carlos Ruiz para debater justamente com uma visão que dissolve subjetivamente a classe trabalhadora sob a desculpa de sua transformação objetiva. Este sujeito também exercita suas musculatura, desenvolve lutas de vários tipos e continuará desenvolvendo-se. E também escolhemos Ruiz com a desculpa de poder debater com outra visão: que o movimento só tem que limitar-se à pressão políticas. Ou seja, pressionar por reformas mas não para superar este regime e Estado com métodos revolucionários. Se isso acontecesse, é provável que o pacto constitucional explodisse pelos ares. Todavia, essa possibilidade é remota devido às expectativas de mudança geradas pelo plebiscito e pelo ciclo eleitoral. No Chile, não está descartado que outros eventos deste tipo ocorram e que sejam mais potentes e que desenvolvam ainda mais suas tendências de coordenação e confronto com o Estado capitalista chileno, e que desta forma a classe operária não atue diluída durante os períodos de mobilizações de massa como os de outubro.

Há ainda em curso um processo de longa duração e convulsivo, marcado por um desvio constitucional cheio de armadilhas e com a maior crise econômica desde os anos 1980 acelerada pela pandemia global. E embora não se desenvolva à imagem e semelhança das greves gerais ou lutas de classes do século XIX ou XX, os sinais deixados por esses eventos em 2019 são auspiciosos no sentido de que um novo movimento dos trabalhadores está se formando.


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FOOTNOTES

[1Carlos Ruiz: En Chile se está gestando un gran histórico cambio, Página 12, 18 de novembro de 2019, em: https://www.pagina12.com.ar/231555-carlos-ruiz-encina-en-chile-se-esta-gestando-un-gran-cambio-

[2Natalia Mesías e Miguel Urrutia, “Pasión por la clase media y omisión de la clase trabajadora”, 2 de agosto de 2020, Radio UChile: https://radio.uchile.cl/2020/08/02/cifras-del-fracaso-en-la-ultima-modernizacion-capitalista/

[3Todos os dados foram extraídos de: Gutierrez, Medel, Pérez e Velásquez: Relatório de Greves Trabalhistas 2019, OHL Universidad Alberto Hurtado, setembro de 2020

[4Uma greve geral mantém o protesto aceso no Chile, 13 de novembro de 2019,
France24.com, em: https://www.france24.com/es/20191112-huelga-general-protestas-chile-constitucion

[5"Huelga 12N: Contundente respuesta en las calles frente a un gobierno acorralado", 13 de novembro de 2019, em: https://www.laizquierdadiario.cl/Huelga-12N-Contundente-respuesta-en-las-calles-frente-a-un-gobierno-acorralado

[6"Paro nacional en Chile: barricadas y cortes de ruta en distintos puntos del país", 12 de novembro de 2019, em: https://www.izquierdadiario.es/Paro-nacional-en-Chile-barricadas-y-cortes-de-ruta-en-distintos-puntos-del-pais

[7Hamann, Johnston & Kelly, Unions against governments: Explaining general strikes, SAGE Journals, 2012: https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0010414012463894

[8Rosa Luxemburgo, Greve de massas, partido e sindicatos, em: https://www.marxists.org/espanol/luxem/06Huelgademasaspartidoysindicatos_0.pdf
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