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OPINIÃO | O judiciário como um poder inquestionável do Estado (comentário a artigo de Luís Nassif)

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

domingo 21 de fevereiro de 2016 | 22:53

Ritual secreto no filme "De Olhos bem fechados", de Stanley Kubrick

Quando novos fenômenos se desdobram, frequentemente faltam ferramentas teóricas para sua compreensão, e, portanto, mais ainda linhas para uma intervenção consciente sobre a realidade. A Lava Jato e a importância crescente do judiciário na política brasileira é um caso deste tipo. É uma importante esfinge a nos devorar.

Na terra da impunidade dos ricos e poderosos, o Mensalão e suas condenações de petistas e associados já constituía uma novidade em si. “Nunca antes na história” via-se condenações de gente tão graduada. A Lava Jato segue atingindo o PT como aquela operação, respingando em outros partidos políticos inclusive o PSDB mas fez mais que isto, inaugurou o impensável, a prisão de bilionários, tais como André Esteves e Odebrecht. Já buscamos tecer uma hipótese para alguns dos interesses envolvidos nesta operação no seguinte artigo. Além de confluências imediatas com o PSDB, segundo a hipótese que levantamos, há poderosos interesses monopolistas por trás da operação interessados em mais que o pré-sal, que de um jeito ou outro o PT nunca proibiu o acesso do imperialismo, mas também em conter as possibilidades de ascensão de competidores brasileiros em áreas estratégicas da acumulação capitalista (como os navio-sonda daí um aspecto importante da Lava Jato, a operação Delenda Sete Brasil).

Mas olhar a novidade somente pelo ângulo de seus beneficiários não esgota o problema. Há muitas novidades.

Novas jurisprudências, desde a “teoria do domínio dos fatos” até o uso e abuso de “delações premiadas”. A escala de novidades suscita questionamentos sobre a imparcialidade com que o MPF e STF tem atuado. Aí se centra um novo artigo de Nassif, intitulado “O MPF se tornou um partido político?”. Neste artigo ele oferece algumas interrogações relevantes sobre a disparidade do tratamento dado pelo STF e MPF em diferentes aspectos da Lava Jato e em caso da Fifa.

Por exemplo, ele cita as supostas incongruências de delações e depoimentos que foram utilizadas para arquivar inquérito contra Aécio, no entanto o mesmo tratamento não foi dado para petistas como Lindbergh ou para Collor e outros membros da base aliada. Agora a Lava Jato estaria adentrando um terreno da pequena política e até das antenas de celular, e omitindo grandes elementos (de nossa parte em artigo já citado levantamos a suspeita de porque a Lava Jato não conduziu nenhuma investigação na mais rica das diretorias da Petrobras, a de Exploração e Produção, a meu ver para blindar de investigação beneficiários da operação como Haliburton, Schlumberger, etc).

Seguindo a argumentação de Nassif, também concordamos que não faltam nos autos, nas delações, nos vídeos, elementos a incriminar os tucanos, e acrescento para condená-los tal como os petistas (não caindo no são todos culpados, então deixa tudo como está que é parte do argumento de uma parte da militância petista). Como argumentamos aqui há extensas provas contra os tucanos.

Dialogando com o artigo de Nassif, seu portal publicou um artigo de um leitor que argumenta que mais que um partido político tomando um lado (tucano), o MPF estaria entrando em searas que não seriam suas, matérias de Estado, como segredos da política nuclear, entre outros, o que converge também com o que eu aponto acima do ponto de vista dos beneficiários imperialistas.
Mas ver só quem se “dará bem” não ajuda a entender como veio a ser este poder e questionar seu funcionamento. Aí que reside parte do problema e da novidade.

O judiciário brasileiro como um poder blindado como nenhum outro

Seguindo a leitura tradicional da ciência política na maioria dos países haveria um sistema de pesos e contra-pesos (checks-and-balances) entre o executivo, legislativo e judiciário. Este conjunto serve, antes de mais nada para afastar do povo o controle pleno do poder, o que não poderia deixar de ser o caso em um Estado que existe para garantir os interesses de poucos proprietários dos meios de produção contra muitos explorados (o que até a percepção popular já está alcançando embrionariamente em alguns países como o “somos o 99%” dos EUA).

Esta divisão dos poderes com o objetivo de afastar o perigo das massas tomarem às rédeas da situação foi primeiro desenhada pelos escravocratas fundadores da República Estadunidense nos Federalist Papers, lá se argumentava o papel de um STF, do Senado, para conter as massas.

Esta fórmula que colocava os freios no STF e no Senado, no entanto, nunca é a mesma em todos lugares e todos tempos. O poder e a divisão dos poderes, vai passando de um lado para o outro.

Assim, o Executivo que sempre desempenhou um papel iminentemente bonapartista e reacionário na Europa, nas terras latino-americanas muitas vezes cedeu ou compartilhou este posto com o legislativo, abrigo por excelência de Lacerda ou da direita que clamava pelo golpe no Chile. O legislativo dista, em todos países de representar as massas, há distorções causadas pelo poder econômico nas eleições, mas também no desenho dos distritos eleitorais e suas representações (como na sub-representação dos estados mais populosos, e portanto, mais proletários do país), nas regras de coligação e um longo etc.

Porém há algo diferente no executivo e legislativo em relação ao judiciário. Algum nível de escrutínio popular, distorcido, refém de manipulações da Rede Globo, de máfias locais, e um interminável etc, mas algum nível de sufrágio. O judiciário não.
Sob os anos de governo petista algumas mudanças no judiciário o libertaram ainda mais de qualquer controle. Está aí uma hipótese de investigação para entender alguns aspectos da conjuntura atual. E mais, daí fazer o que o petismo não pode fazer abraçado por eternos laços com Sarneys, Jobins, Cabral, Collors e Renans, elaborar um começo de questionamento e militância que vise desbancar este poder de seu Olimpo e devolvê-lo à materialidade da vida dos mortais (não à toda uma mulher foi condenada por desacato ao falar que um juiz achava que era “deus”.)

Breves anotações sobre mudanças recentes no judiciário para uma linha de investigação

Até 2004 não havia no país a instituição da súmula vinculante, isto fazia que o STF e STJ estivessem interminavelmente julgando e re-julgando matérias similares. Instituída a súmula vinculante sua decisão fez com que assumissem seu posto de primus inter pares. Todos juízes deveriam se submeter finalmente a um supremo digno de seu nome.

O julgamento televisionado do Mensalão, a inovação jurídica com a “teoria do domínio dos fatos”, seu recorrente papel legislativo (como na união civil), o tem carimbado como um poder de fato que não se alçava a ser na mesma proporção décadas atrás.

A celebridade alcançada por seus membros está diretamente ligada a sua nova posição na divisão de poderes dentro do Estado brasileiro.

O MPF é outro poder emergente. E pior, um poder “secreto” que ninguém lembra que existe até Janot lhe morder o calcanhar.

Pela constituição brasileira além do judiciário propriamente dito e do legislativo há um outro poder com autonomia orçamentária e de controle sobre suas próprias ações: o MPF. E mais o MPF segundo a constituição brasileira tem um poder de “colonizar” outros órgãos, por exemplo, uma parte dos membros do TCU (aquele órgão que aceita ou rejeita contas) devem ser nomeados pela Presidência da República de dentro das fileiras do MPF (Paragráfo segundo do artigo 73 da Constituição Federal).

Poderosos, legisladores em causa própria até de seus orçamentos, quem os elege e quem os controla? No caso do Supremo são nomeados para cargo vitalícios (até a idade de aposentadoria compulsória) pela Presidência da República mediante aprovação por maioria no Senado. Teoricamente, ao STF seria elegível qualquer brasileiro mas imaginemos o escândalo que seria eleger um operário para tal?

Para o MPF as regras são as mesmas, porém o chefe do MPF, o Procurador-Geral da República deve ser eleito dentre os membros do MPF, concursados (membros de uma elite intelectual e material no país). E por costume recente, os membros do MPF votam entre si quem deveria ser o procurador geral e o presidente e o senado só os confirmam. Este é o verdadeiro primus inter pares.

E quem controla o STF e o MPF? Existem conselhos, com seus pares, alguns apontados pelo próprio órgão e também, minoritariamente, pelo executivo e pelo legislativo (senado).

(Des)controlam-se a si mesmos. Aí está parte do problema. A gritaria do PT contra o ministro Cardozo, que não pretendo defender, nem nenhum petista, todos aplicadores de terríveis ajustes contra a classe trabalhadora, aliados de sempre com o mais retrogrado e reacionário do país, esconde o problema real. Já não cabe a nenhum ministro controlar a PF, MPF: o gênio saiu da lâmpada.

Decifrar e trazer abaixo a esfinge atual passa em algum sentido por despir os juízes e o MPF de sua aura de divindade. Trazer suas tarefas ao “reino dos homens”, acabar com a divisão entre quem pensa, quem executa, quem julga: unir os trabalhadores e o poder, acabando com todos privilégios.

Isto não é possível neste Estado. Enquanto perdurar as polícias, o exército, o próprio judiciário, e a propriedade privada dos meios de produção. Como a maioria dos trabalhadores ainda não concordam com esta perspectiva revolucionária o mínimo que se poderia fazer hoje se não se quiser avançar dia a dia em mais e mais poderes aos “doutores” é tornar questionar o judiciário como um poder dos “inquestionáveis”, começando por fazer qualquer brasileiro poder votar nos juízes e ser elegível como tal.


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