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Depois de mais de três anos de um processo complexo, com sucessivas crises, esta noite se concretizou a saída do Reino Unido da União Européia. O Que podemos esperar do Brexit?

Josefina L. MartínezMadrid | @josefinamar14

sábado 1º de fevereiro de 2020 | Edição do dia

As 12 horas da noite de 31 de janeiro, as bandeiras do Reino Unido foram retiradas das praças de Bruxelas e de todos os lugares oficiais da UE. Se concretizou o Brexit, votado em referendo em 23 de junho de 2016. Os deputados britânicos deixaram seus escritórios e já não há autoridades do Reino Unido nas Cúpulas da União Europeia.

No imediato, abre-se um período de 11 meses nos quais a vida dos cidadãos comunitários a ambos lados do Canal da Mancha não mudará muito. Poderão manter sua residência ou se mudar até o determinado momento. O Reino Unido continuará sendo parte do mercado interior e da união alfandegária da UE até o dia 31 de dezembro de 2020 - um tempo que poderá ser esticado até dois anos a mais com o acordo de ambas partes.

Os jornais britânicos receberam a chegada do Brexit com manchetes muito diferentes. Enquanto The Daily Telegraph intitulava com otimismo: “Este não é o final, mas sim o começo”, o The Guardian deixa aberta a incerteza em sua capa: “Small island [Ilha pequena]. Depois de 47 anos, o Reino Unido abandona a UE na maior aposta [no sentido de um jogo de azar] de uma geração”.

Durante o próximo ano, Boris Johnson deverá chegar a um acordo com Bruxelas sobre a relação comercial com os ex-sócios europeus. As negociações não serão simples, já que a União Européia buscará impor estritas condições econômicas para evitar a competição dos produtos e empresas britânicas. Além disso, necessita demonstrar que não será tudo tão fácil para quem abandone a União, como medida de prevenção diante do desejo de novos “exit” por parte de outros países.

Johnson conseguiu reafirmar sua liderança depois do triunfo contundente sobre Corbyn nas últimas eleições, onde os conservadores superaram os trabalhistas por uma diferença de mais de 11 pontos. A maioria absoluta na Câmara dos Comuns o permitiu retomar a iniciativa, depois de vários anos de crise institucional aguda no Reino Unido - que levou três eleições gerais em cinco anos e a caída primeiramente de Cameron e Theresa May depois, incapazes de resolver o dilema do Brexit. Agora deverá enfrentar várias frentes de atrito, a nível interno e externo.

Nesta sexta-feira, o jornal escocês The National colocava na capa as estrelas da União Européia iluminadas por uma vela com a seguinte mensagem: “Querida Europa. Nós não votamos nisso. Lembre-se de deixar uma luz acesa para a Escócia”, enquanto que The Scotsman intitulava sua capa: “Uma despedida, não um adeus”.

“Decidida a que, em um futuro não muito distante, vamos voltar ao coração da Europa como páis independente” eram as palavras, esta semana, da primeira ministra da Escócia, Nicola Sturgeon diante de várias mídias européias. O parlamento da Escócia aprovou esta semana uma resolução que exige a realização de um segundo referendo pela independência, por 64 votos favoráveis e 54 contra.

A líder do Partido Nacional Escocês havia prometido em campanha a realização de um novo referendo sobre a independência da Escócia para 2020, ainda que esclareça que não será realizado se não for legal, ou seja, se não conseguir o aval de Boris Johnson. Outra tensão será com a Irlanda do Norte, onde a fronteira aberta com a Irlanda é permanece preferida, porém os parâmetros fronteiriços devem ser estabelecidos.

O Amigo americano e a incerteza européia

Ao mesmo tempo que negocia com Bruxelas, o governo do Reino Unido tentará avançar em estabelecer um novo estatuto de relações comerciais e geopolíticas com os EUA. Donald Trump celebrou com entusiasmo a vitória de Johson - como parte suas disputadas com a Europa e China - e o ministro britânico prometeu que um tratado bilateral com os Estados Unidos seria uma panacéia econômica.

Contudo, essas negociações tão pouco serão um caminho de rosas. No verão passado, o embaixador britânico nos EUA, Kim Darroch, acabou renunciando depois que um memorando vazou onde ele definia o governo Trump como “desajeitado e inépto”. Trump twittou mais tarde que ele não iria mais trabalhar com esse embaixador.

Além disso,Darroch denunciou que os Estados Unidos queriam impor que a NHS (sistema nacional de saúde) pagasse preços mais altos por produtos farmacêuticos norte americanos, junto a outras condições pesadas. Mesmo que Trump esteja interessado em promover um acordo bilateral com Reino Unido, deseja impor suas próprias condições.

No geral, como coloca Claudia Cinatti no La Izquierda Diario (versão argentina do Esquerda Diário) depois da vitória de Johnson: “As consequências geopolíticas e econômicas desta reafirmação do Brexit excedem e muito as fronteiras britânicas e até européias. Se trata da manifestação mais eloquente da crise da globalização e a emergência de tendências nacionalistas nos países centrais”.

O Brexit chega em um situação internacional marcada por fortes polarizações. A emergência de tendências nacionalistas em vários países imperialistas e da periferia- desde Trump a Salvini, Orban e Bolsonaro -, crises orgânicas sem resolução, e, como elemento novo, o desenvolvimento de um novo ciclo da luta de classes na América Latina, em vários países do Oriente Médio e com um epicentro na França, onde a greve geral do transporte completa já dois meses.

Na Europa, em particular, a incerteza se agrava pelo fato de que o eixo franco alemão atravessa uma crise - Macron possui níveis muito baixos de popularidade e Angela Merkel passa por sua última etapa como Chanceler da Alemanha. O contexto econômico também é sombrio: os países da UE vem tendo um magro crescimento de 0,1% no último trimestre, a taxa mais baixa desde 2014. A economia francesa e italiana está em números vermelhos, somadas também pela instabilidade social e política, enquanto que a Alemanha cresceu um débil 0,6%, um estancamento que vem se estendendo pelo tempo.

Como um artigo do El País apontou: “Além de haver ou não uma recessão no horizonte próximo, o problema enfrentando pela Europa é acabar presa em uma armadilha de baixos crescimentos enquanto sobe o gasto com o envelhecimento”. Neste contexto, a saída da economia britânica, que represetava 13% do PIB da União Européia, não traz otimismo ao panorama geral europeu.
“El Brexit é também um fracasso da União, um fracasso nosso”, apontava um deputado europeu liberal essa semana. E tem toda razão. Segundo o último inquérito do Eurobarómetro da Comissão europeia (novembro de 2019), a desconfiança frente a UE é maior na França e Grécia do que no Reino Unido.

A desilusão com o projeto da União Européia neoliberal - gerido em comum pelos partidos conservadores, liberais e sociais democratas - e várias décadas de aplicação de polítcas neoliberais deram lugar ao crescimento de correntes populistas de direita e eurocêntricos, que promovem saídas reacionárias com políticas ainda mais nacionalistas e xenófobas nos países imperialistas.

Como contratendência, a luta de classes na França, dos coletes amarelos até a greve geral em curso, mostra a potencialidade da luta combativa sa classe trabalhadora com o conjunto dos setores oprimidos contra os capitalistas. Os contornos de duas saídas possíveis para a crise da UE estão esboçados: ou a regressão mais nacionalistas do imperialismo, que levou a catástrofes no século XX, ou pôr em prática a luta da classe trabalhadora, nativa e estrangeira, junto aos povos oprimidos contra o imperialismo europeu. Diante da falsa alternativa de eleger entre a União Européia do capital, ou o retorno ao nacionalismo imperialista, opomos uma estratégia de hegemonia operária e a luta pelo Estados Unidos Socialistas da Europa.




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