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SEMANÁRIO

O exército de Bolsonaro, entre a retórica golpista e uma transição complexa

Thiago Flamé

O exército de Bolsonaro, entre a retórica golpista e uma transição complexa

Thiago Flamé

Têm crescido nos meios petistas e na grande imprensa, junto com a continuidade das disputas entre o bonapartismo judicial do STF e o bonapartismo militar, os alertas, os clamores e o vale tudo contra as ameaças golpistas do bolsonarismo e dos generais. Enquanto é agitado o fantasma do golpe em outubro, cresce a militarização da política e da vida em uma escala alarmante. A sucessão de chacinas, torturas e assassinatos policiais são parte dessa escalada que vai muito além da retórica em torno das urnas eletrônicas. Estariam os generais brasileiros preparando uma ação estilo capitólio, mas com objetivos mais amplos? Em nome de evitar essa suposta ameaça maior, o lulismo arrasta a maioria da esquerda para pactos e alianças com os neoliberais e os responsáveis por toda a obra do golpe institucional.

A preparação e a implementação do golpe institucional de 2016 foram um ponto de inflexão da volta dos generais ao primeiro plano da política nacional. Primeiro nos bastidores, apoiando a lava-jato, foram assumindo desde o fim do governo Temer e marcadamente após a vitória de Bolsonaro um papel de destaque cada vez maior no governo federal.

Dominam ministérios, empresas estatais, secretarias de todo tipo, conseguem todos os privilégios para os oficiais, de filé mignon e conhaque a viagra, aposentadorias especiais, salários acima do teto, tudo à luz do dia e sob a proteção da lei. Das partes da lei que lhes interessam, pisoteando princípios constitucionais elementares e até o próprio regulamento militar (lembremos que o estatuto militar permite que oficiais da reserva participem abertamente da política, mas nunca, por exemplo, usando suas patentes na sua apresentação pública, coisa que hoje é corriqueira, apesar de ilegal). Nos bastidores, aumentaram o seu controle sobre o lucrativo comércio de armas e no lobby para empresas de armas estrangeiras oficiais e amigos do presidente buscam fazer fortuna. Enquanto o país derrete, a fome, a precarização do trabalho, a precariedade das condições de moradia, o desmonte da saúde e da educação, enquanto as enchentes levam centenas de vidas, as cúpulas militares vivem num outro mundo, de luxos e privilégios. Esses mesmo senhores que até hoje têm orgulho de ostentar a visão de que o brasileiro é preguiçoso em função da origem indígena e africana do seu povo, como tantas vezes o general Mourão repetiu impunemente.

Nessa conduta da oficialidade, o que mais pesa não é um projeto de nação ou qualquer visão estratégica para o futuro do país, mas os interesses de um casta ávida por enriquecer às custas do povo e ressentida por ter sido deslocada durante três décadas do centro do poder e da boquinha estatal. Seu projeto, recentemente publicado, é uma obra prima da ignorância e obtusidade da caserna. Numa apresentação de power point em que desenvolveram sua visão de longo prazo para o país, mal conseguem esconder o seu desprezo pelo povo e sua intenção de cada vez mais transformar o Brasil no paraíso de mineradores, latifundiários e no inferno para a maioria trabalhadora, para os negros, os povos indígenas e todos que não sejam parte dessa classe dominante herdeira dos traficantes de escravos e senhores de engenho.

Piero Leirner, um dos mais comentados e citados estudiosos sobre os militares no país, teve o mérito de demonstrar por a mais b a permanência da vocação golpista das forças armadas brasileiras desde a proclamação da nova constituição, enquanto a maioria da intelectualidade tucano petista, fiadora do pacto de transição dos anos oitenta, se fazia de avestruz. No entanto, se perde ao dar uma força quase ilimitada para as maquinações do alto comando e ignorar que, se é verdade que Bolsonaro é apenas um instrumento da camarilha militar que governa o país junto com ele, da pompa e ar de superioridade, não passam por sua vez de instrumentos para os capitais imperialistas e o grandes empresários brasileiros, que são os senhores de fato do país. As raposas velhas da caserna viram uma oportunidade, na esteira do golpe institucional patrocinado pelos EUA, de retomar um papel que nunca ficaram completamente satisfeitas de terem perdido e aproveitaram. Agora vociferam, rugem, ameaçam, mas não nos enganemos, o que não querem é perder as posições conquistadas.

Os generais oficiais de todos as armas, que se fazem de revoltados com a corrupção petista, foram quem de fato criou o centrão para controlar indiretamente a Constituinte de 1988 e impor um dique reacionário no parlamento contra qualquer anseio democrático das massas. A voracidade do centrão pelas “verbas” pública no Congresso apenas continuam, nesse ponto, a prática dos governos militares. Se fizéssemos um compêndio das intrigas nos governos militares, o que seria sem dúvida uma obra de humor macabro, veríamos que a maioria das disputas se dava em torno dos interesses mesquinhos por verbas, particularistas, localistas e paroquiais da oficialidade. E que muito das divergências entre a chamada linha dura e os moderados da época se dava em função do enorme aparato de repressão e espionagem que queria manter cargos e poder.

Duros e moderados, golpistas e legalistas: coesão e dispersão nas forças armadas

Seria ilusório acreditar que alto comando das três forças armadas componham um todo homogêneo, um único partido militar, que atua de maneira coordenada e alinhada em todas as esferas, maquinando e fabricando cada um dos seus passos. Ou, como defende Leirner, que existe um centro não oficial de comando, que coordena todas as ações, e inclusive simula as divergências e embates em função de um plano pré-concebido. Da mesma maneira que a oficialidade compartilha o mesmo modo de atuar do centrão, também as forças armadas não são alheias as contradições de classe e as crises políticas que polarizam o país e aos fracionamentos da classe dominante e as disputas interimperialistas, por mais que tentem se apresentar acima disso tudo.

Seus componentes são recrutados em classes sociais diferentes. Enquanto os praças, soldados, cabos e sargentos no exército, são recrutados entre os proletários e as massas da cidade e do campo, os oficiais são recrutados majoritariamente na pequena burguesia e nas elites tradicionais. Para os praças a carreira militar representa um emprego que de outra forma nunca teriam, e para um exército mais acostumado a prestar serviços como pavimentação de vias ou entrega de alimentos em localidades distantes, não é uma tarefa simples forjar uma tropa apta à repressão interna em larga escala. A missão no Haiti, que foi fundamental para oficialidade testar formas de tutela sobre governos civis, também foi para forjar tropas aptas a atuar nos morros cariocas e nas periferias das grandes cidades. Para os setores médios a entrada nas forças armadas é uma possibilidade de ascensão social, e especialmente para as classes médias rurais e das pequenas e médias cidades, a carreira militar ou a carreira judicial são das principais vias de ascensão social, o que explica em partes a avidez de novos ricos da oficialidade. O alto comando e o generalato são muito mais umbilicalmente ligados às classes dominantes, os empresários, ao agronegócio e ao mercado financeiro e representam um emaranhado de interesses particulares, patrimonialista, e específicos de um ou outro setor ao qual se ligam por diversos laços de parentesco parceria em negócios muitas vezes escusos.

Nunca deixou de ser hegemônica nas forças armadas, entre a casta militar, a reivindicação do golpe de 1964, assim como a defesa do papel do exército na garantia da ordem interna, da coesão nacional, tutor em última instância dos governos civis. O exército de Caxias, como se autodenominam, nunca abandonou os princípios do seu patrono fundador. Esses princípios estão assentados em alguns pilares, talvez o principal seja a visão de que o que veem como “povo miúdo”, cujos antepassados serviam como escravos nas plantações de cana e de açúcar, não são capazes de se autogovernar e precisam de uma tutela das elites e que eles, os militares, seriam os mais indicados a essa tutela, quase que protegendo os pobres da demagogia dos políticos que querem o seu voto. Junto com essa tese, outras duas conexões que nunca foram abandonadas. Que o principal inimigo da ordem interna não são potências estrangeiras, mas sim a revolta desse povo que eles desprezam, em especial quando essa revolta começa a se organizar. E que as elites empresariais, por sua fragilidade, não podem dar conta sozinhas de manter a ordem, e que o exército precisa entrar na política de forma unificada, como escreveu Goes Monteiro, o exército precisa fazer a sua política para não ser objeto das disputas entre os partidos políticos. No entanto, como mostra todo o período de 1945 até 1964, essa perspectiva é ilusória e o exército nas situação de crise social aguda tende a se dividir pelas linhas divisórias que atravessam o conjunto do tecido social.

A transição e a Constituinte de 1988 não alteraram nada disso, o pacto de impunidade preservou intactas não só a ideologia anticomunista, reforçada dentro das forças armadas depois do golpe de 1964, mas inclusive os arquivos e a estrutura dos serviços de inteligência e de repressão, nas forças armadas e na policia civil e militar (lembrando os que acreditam que desmilitarização da PM é alguma solução para isso, de que o DOI/Codi e a policia federal, ambos civis, forma também linha de frente na tortura e repressão). Mas a coesão ideológica, que converge em reafirmar o papel bonapartista das forças armadas, não leva diretamente à coesão política dos seus membros e, quanto mais intervém na política mais essa coesão pode se ver ameaçada. Vimos isso em escala ampliada no período entre 1945 e o golpe de 1964, primeiro com as disputas entre udenistas e getulistas, que dividiu as forças armadas e levou a golpes e contragolpes no período e depois, a partir de 1961, com os praças, em especial marinheiros e sargentos, desenvolvendo um novo protagonismo político e questionando o poder do alto comando do exército e do almirantado. Não à toa Mourão, e outros generais, gostam de repetir cinicamente que no quartel, quando a política entra por uma porta, a hierarquia sai pela outra. E por mais que repitam, não podem evitar esse processo, que pode se dar de forma lenta, mas que é inevitável.

A farsa dos generais “racionais” e a atuação dos partidos militares de 2015 até hoje

Em toda a crise política desde 2015, quando os generais iniciaram o movimento que lhes levaria de volta ao governo com Bolsonaro, essa dinâmica de diferenciação política tem operado. Muito mais na oficialidade, mas não estiveram ausentes também as manifestações de insatisfação dos praças com os privilégios de generais. Para entendê-las é preciso evitar dois erros simétricos, seja o de tratar as sinalizações contraditórias do alto comando como parte de uma guerra de contra-informação planejada milimetricamente, como fazem os defensores da tese da “guerra híbrida" e anulam com isso toda a possibilidade de divisão nas forças armadas, ou o de considerar que exista uma ala legalista e “racional”, que vai se necessário garantir a constituição, tese mais do que interessada defendida sistematicamente por toda a grande mídia e pelo petismo nas redes até o momento atual, em que ela já se tornou impossível de sustentar, pelo compromisso de toda a cúpula com o governo Bolsonaro ou da defesa, unânime e estridente, além de criminosa, do golpe de 1964 por parte de todo o generalato e a alta oficialidade das três armas, ao ponto de ser comemorado em ordens do dia, oficialmente, nos quartéis.

Em linhas gerais, desde que o general Mourão resolveu romper o silêncio da caserna e provocar sua ida para a reserva, temos visto duas posturas do alto comando militar, dentro do que na época Mourão e Villas Boas chamaram de “aproximações sucessivas”, ou seja, sucessivamente aumentar a tutela militar sobre a política. Dentro dessa dinâmica, alguns, como Villas Boas, procuravam manter o máximo possível as forças armadas como um ator de bastidor, dando sustentação à lava-jato e se expondo o mínimo possível, aumentando a influência militar no marco da postura que os comandos militares adotaram desde 1988. Mourão procurava acelerar o processo e abrir caminho para legitimar uma participação direta do generalato na política, um caminho que já havia sido trilhado pelo velho general Heleno, mas que pregava no deserto até então. No governo Temer, a entrada do general Etchegoyen e a recriação do GSI, abriram caminho para uma participação maior dos militares na política, mas ainda discreta. O pano de fundo dessas “aproximações sucessivas” foi a política de maior subordinação aos EUA, iniciando uma colaboração que talvez seja a maior da história, contando com generais subordinados ao Comando Sul das forças armadas dos EUA e com a realização do primeiro treinamento em comum com tropas americanas no território da Amazônia.

No governo, arrastou o exército, contra a vontade inicial de Villas Boas e os comandantes a ele ligados, como Braga Netto e Fernando Azevedo, para uma intervenção militar direta no Rio de Janeiro. Naquele momento inclusive surgiram vozes na caserna que pediam a intervenção não só na secretaria de segurança, mas no próprio governo carioca e, posição defendida por todos, clamavam pelo “excludente de ilicitude”, verdadeira autorização às tropas para matar. Dentro das hipóteses de “aproximações sucessivas”, cada general jogava seu jogo. Na intervenção no Rio de Janeiro se testou uma possibilidade de tutela muito parecida com a que o Brasil exerceu sobre o governo do Haiti no comando das tropas da ONU, impondo pela via da presença militar a supremacia política sobre o governo civil e o controle ditatorial sobre a população civil. A dinâmica da crise política e o sucesso da candidatura de Bolsonaro, deixaram o comedimento de Villas Boas no passado e em bloco os generais aderiram ao governo Bolsonaro. Expressando aí divisões entre os que mostravam uma adesão mais integral ao governo e os que buscavam conter e controlar Bolsonaro em função de garantir os ataques exigidos pelo capital financeiro.

Hoje, esse processo tomou novo curso e todas as alas do alto comando parecem aderir ao governo e em bloco sustentar sua candidatura a reeleição, incluindo as declarações do Ministro da Defesa, o general Paulo Sergio (ele, que já foi tido como expoente dos “racionais” e “moderados” quando assumiu o comando do exército), sucessivamente levantando dúvidas sobre as urnas eletrônicas e sobre o STF, repetindo todo o discurso bolsonarista, ficando apenas o general Santos Cruz como crítico isolado do governo entre o generalato. Não consideramos tudo isso, como a situação de crise aguda por que passou a relação de Bolsonaro com a oficialidade quando da demissão coletiva dos três comandantes militares ano passado, como dissemos, parte de um grande teatro. São parte das disputas mais gerais. A polarização política nos EUA trouxe aqui um grande fator de instabilidade, pois é muito mais complexo servir a dois amos, Trump e Democratas. Porém não podemos aumentar a gravidade da diferença e ignorar a grande coesão de casta do exército, muito maior, pelas suas próprias características, que a dos partidos tradicionais ou mesmo da casta judicial.

Afinal, vai ter golpe?

A última crise do governo com o STF mostrou uma coesão muito grande das cúpulas militares em torno do governo Bolsonaro e inclusive no questionamento às próprias urnas eletrônicas, confirmada pelas recentes declarações de Paulo Sérgio. Essa coesão não significa, no entanto, compromisso inabalável com o bolsonarismo e menos ainda que estão se preparando para se impor militarmente ao TSE em caso de derrota de Bolsonaro. O recente documento de “projeto de país” soltado recentemente por institutos com ligação umbilical aos militares de diferentes matizes, com diretrizes para o ano de 2035 é bastante revelador das intenções militares e serviu como uma dupla sinalização para os EUA e, em especial, para a administração Biden. Por um lado, apontam que a intenção do exército é buscar manter uma certa margem de autonomia nas disputas entre EUA e China, e que vão regatear o máximo possível um alinhamento com os EUA nessa disputa. por outro, ao manifestar um projeto para o ano de 2035, indicam que não vão atuar como força de desestabilização do país em tentativas aventureiras, o que seria catastrófico do ponto de vista do governo Biden, não em função das disputas com o trumpismo, mas tendo em vista a estabilidade de todo o subcontinente, fundamental no momento em que toda a atenção dos EUA está concentrada na guerra da Ucrânia. Com esse documento, assinado por institutos representantes de todas as alas das cúpulas militares, as forças armadas se postulam para a burguesia interna e para os EUA, como força da ordem, responsável e conhecedora do papel que lhe cabe cumprir, garantidores em última instância dos ataques neoliberais e da política econômica guedista.

O encontro de Bolsonaro com Biden, o primeiro desde que Biden assumiu o governo, também foi um indicador de que o próprio Bolsonaro, apesar de toda a bravata e retórica, mantém o compromisso com a postura do alto comando e que não vai se jogar em aventuras não autorizadas pelo atual governo dos EUA, como analisamos aqui. Perante Biden, Bolsonaro foi obrigado a baixar o tom e fazer um discurso muito mais próximo da realidade da correlação de forças, que não dá espaço para aventuras golpistas no Brasil. Se ajoelhando perante Biden, Bolsonaro e seus generais, ou melhor, os generais e seu ex-capitão, ficam livres para elevar o tom da retórica nas disputas internas.

Se o pensamento das cúpulas militares não é exatamente, como mostramos, um exemplo de profundo refinamento, não significa que são loucos e irracionais, movidos pela ideologia golpista que defendem. Ideologia à parte, a grande arte da casta militar brasileira, treinada na mentalidade dos senhores de escravos, é sentir o perigo a seus interesses de longe, como bons cães farejadores, e atuar a cada momento com máxima racionalidade em sua defesa. Em toda a história os militares deram mostra dessa inteligência de pequenos comerciantes e, a cada pequena ameaça a seus privilégios vociferam como se tudo estivesse em jogo.

Então, descartemos que a gritaria de generais contra o STF e as urnas eletrônicas sejam a conclusão de um plano traçado e executado com visão de longo prazo desde 2015 ou antes, e que culminaria com um golpe militar. Movidos pelo compromisso com o seu ou qualquer outro projeto de país. Qualquer análise séria mostra que um auto golpe de Bolsonaro, apoiado pelos militares, mas sem contar com o apoio da maioria da burguesia brasileira, sem apoio dos EUA, isolado na América do Sul e a nível internacional, seria a via mais certa de um fracasso retumbante e o maior risco de perderem todas as posições conquistadas desde 2015 e, talvez o maior temor, que isso poderia agudizar num nível sem precedentes a disputa entre setores burgueses e entre as instituições e, dessa forma, abrir espaço para que a revolta popular e da classe trabalhadora entre em cena. Se todos podem ver isso, estariam então os generais cegos no seu compromisso com Bolsonaro? Não vamos subestimar dessa forma o faro político dos cães de 4 estrelas. Duas hipóteses explicam muito mais os conflitos atuais do que um surto de insanidade e uma ação suicida por parte dos fardados. Falam grosso e ameaçam uma ruptura para, frente a ameaça, conseguirem a aceitação do seu protagonismo num futuro governo Lula/Alckmin. Como quem diz, se roubarem meu doce, vou chutar o pau da barraca. No entanto, como é pouco crível que isso se efetive, podem jogar outra carta. A de deixar correr e até estimular as hordas bolsonaristas, que eles mesmos veem como um bando de idiotas úteis, ao ponto até de ações de tipo do capitólio, para ao fim atuarem eles como garantidores da ordem, como defensores das instituições contra ações que eles mesmos estimularam, se tornam assim sua tutela parte necessária do equilíbrio político de um novo governo Lula. Muitas hipóteses podem ser ventiladas, e certamente, dentro da tática de esticar o máximo a corda para depois se tornarem atores fundamentais da transição governamental, os próprios militares estão considerando todas as possibilidades. O agravamento da violência policial e a intensificação de ataques violentos de grupos bolsonaristas estão inclusos como parte desse marco estratégico, de ameaçar negociar. Claro, gostariam de uma vitória do seu capitão nas urnas, mas isso a cada semana que passa, com o aumento da inflação, do preço da gasolina, da fome e da miséria, apesar da pequena melhora econômica, parece mais improvável. O candidato militar ao governo de São Paulo, por exemplo, já deixou bem evidenciada essa postura, ao declarar recentemente que trabalharia bem com Bolsonaro, mas também com Lula.

A possibilidade de pacto nesta natureza se dá pela aceitação por parte de Lula, arrastando com ele as direções sindicais e dos movimentos sociais, o PSOL e boa parte da esquerda, de toda a obra do golpe institucional. Não é para a possibilidade de golpe que temos que nos preparar no momento, mas para a possibilidade de um governo Lula/Alckmin assentado em um pacto entre as elites que tenha como fiador o próprio exército e a tutela militar, ficando a direita bolsonarista como uma força política atuante, que pode se tornar um grupo de choque fascista contra as manifestações populares e greves, se falhar a contenção petista. Um governo muito mais conservador do que foram os primeiros governos petistas.

Daí a necessidade imperiosa de constituir uma força independente do petismo e do lulismo, que aglutine a esquerda revolucionaria e classista e a vanguarda do movimento operário, do movimento negro, de mulheres e LGBTs, para se enfrentar a extrema direita que mesmo em caso de derrota vai se manter ativa, mas também para se opor ao pacto reacionário que visa estabilizar o regime do golpe de 2016. Só a mobilização da classe trabalhadora e do povo vai varrer a extrema direita do mapa e colocar abaixo todas as reformas e medidas antipopulares que hoje são a causa da inflação, do aumento da fome e da miséria. Ceder em tudo para os golpistas não é exatamente a melhor opção de resistir a um golpe, ainda mais um imaginário. Pois é isso que está em curso mais uma vez. O PT e Lula agitam e se apoiam no temor de um golpe, ou de um fechamento do regime caso Bolsonaro vença, para justificar tudo, todas as alianças atuais, que vão se materializar em um governo ajustador e repressor caso vença. Em nome de defender a democracia hoje nos pedem que aceitemos o neoliberalismo de Alckmin - que foi o de Temer e hoje é o de Guedes - amanhã vão querer nos convencer que não podemos lutar contra esses ataques. E é se preparando para manter e aprofundar seus privilégios e os dos seus, para se conservar como força da ordem, que hoje o exército alimenta e estimula o bolsonarismo mais ensandecido e legitima tanto a participação política dos oficiais (não dos praças, dos praças nunca!), quanto o papel de tutela militar sobre o conjunto das instituições.

Para que seja o povo realmente a decidir o futuro do país, para colocar em questão todos os privilégios de casta de políticos, juízes e generais, para acabar com a impunidade que é a base que permite as torturas e chacinas por parte das polícias, para acabar com essas instituições reacionais, lutamos por uma assembleia constituinte livre e soberana, não tutelada e controlada como a de 1988 e imposta pela força da mobilização contra todas essas instituições que são cúmplices do golpe de 2016, que nos trouxe até o atual estado de coisas. Não são os falsos intelectuais militares, nem os playboys da Faria Lima, nem os políticos do centrão, muito mesmo a casta judicial encabeçada pelo STF, quem deve comandar o pais e ditar as leis. Até outubro todas as disputas políticas estarão concentradas nas eleições. Por fora dos holofotes a extrema direita vai ganhando terreno, não só nos rincões amazônicos, mas nas grandes cidades e dentro das polícias. Todos os setores da juventude e da classe trabalhadora que vem a possibilidade, e a necessidade imperiosa de buscar um terceiro caminho, precisam se aglutinar construir um polo que some forças e se dirigir ao conjunto do povo para lutarmos numa verdadeira frente ampla de todos os explorados, para impor uma assembleia constituinte controlada pelas maiorias e a varrer da política os burgueses herdeiros dos escravocratas e todos os seus serviçais, de farda ou de terno.

Para defender efetivamente a democracia, a vanguarda da juventude e da classe trabalhadora não pode se manter na defesa da constituição de 1988, que ao fim e ao cabo, foi a constituinte e o pacto que abriram caminho para o neoliberalismo tucano dos anos 90. Os militares e Bolsonaro desfraldaram suas bandeiras mais abertamente que nunca com o documento de projeto de país: converter o Brasil numa gigantesca plantação, e se necessários for, fazer isso pela força. Cabe a nós desfraldar apontar abertamente nossos objetivos, de uma luta intransigente por um novo tipo de sociedade, uma sociedade sem exploração, o que chamamos de comunismo, que pode começara a ser erguida quando um governo da classe trabalhadora tomar para si o poder das mãos das elites empresariais. Esse governo, se apoiando da auto organização das grandes massas exploradas, vai acabar com o latifúndio com uma reforma agrária radical, vai defender a floresta e todos os biomas brasileiros e, principalmente, defender o direito a terra dos povos originários, vai colocar um fim fim a odiada polícia e terminar com o domínio dos bancos e dos especuladores sobre a economia e os recursos naturais de um país que produz comida para alimentar uma parte da população mundial, mas que convive com a fome de milhões diariamente.


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Thiago Flamé

São Paulo
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