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SARTRE | O SARTRE DE ISTVÁN MÉSZÁROS. NOTAS

É sempre bom termos obras sobre Sartre e seu pensamento no Brasil. Como é público e notório, a obra de Sartre ganhou notoriedade entre os anos 40 e 70, sendo levada ao ostracismo já no final dos anos 70 e em todo o “período de ouro” do neoliberalismo (décadas de 80 e 90). É difícil encontrar obra tão multifacetada a altura do pensador francês no século XX. Jornalismo, crítica literária, teatro, cinema, romance, filosofia, aqui está uma amostra do alcance do “filósofo do existencialismo”.

Romero Venâncio Aracajú (SE)

terça-feira 25 de outubro de 2016 | Edição do dia

Marcou toda uma geração em grande parte do mundo e tem um feito raro: tornou a filosofia algo “popular”. Este tipo de pensamento que no Ocidente nasceu nas colônias gregas por volta do século VI a.C. teve na pena de Sartre uma popularidade pouco vista na sua história. Sartre levou a filosofia aos cafés, bares, cozinhas, aos encontros amorosos, às conversas informais, etc.

De um saber meramente acadêmico, o pensador francês deu à filosofia uma conotação existencial nunca vista e fê-la ser importante para a vida cotidiana. Só este feito já o tornava “imortal” em termos de história da filosofia.

Sartre foi bem mais: defendeu causas de pessoas e povos oprimidos com uma generosidade sem tamanho. Lutou ao lado de estudantes, homossexuais, feministas, negros, operários e tantos grupos massacrados pela lógica do Capital ou pelo poder das armas. Foi uma espécie de constrangimento para os meios acadêmicos franceses por seu comportamento nada convencional.

Noitadas em bares, onde escreveu parte de suas obras, polemista de primeira hora, brigou com muita gente e enfrentou governos com uma coragem fora do comum. Sartre passou a ser mau exemplo para famílias burguesas e teve seus livros proibidos pelo papa Pio XII (homem de confiança do Nazismo quando foi núncio apostólico na Alemanha durante a ascensão de Hitler).

Viveu uma relação difícil com os marxistas de sua época, apesar de lutar muitas vezes ao lado deles. Criticou violentamente o PC Francês e esteve em suas fileiras por diversas vezes. Essa figura polêmica, contraditória e compulsiva na escrita, foi Jean-Paul Sartre. Diria que cumpriu a risca um dito de Rousseau: “prefiro ser Homem de paradoxo a ser Homem de preconceito”. Por onde passou, atraiu multidões.

No Brasil em 1960, foi um verdadeiro acontecimento. Encontrou-se com intelectuais, operários, artistas, estudantes, visitou Jorge Amado e foi a um terreiro de candomblé conhecer a já famosa mãe menininha. Porém, este grande pensador foi levado, diante de uma conjuntura cada vez mais reacionária, ao esquecimento e ao escárnio por uma série de “pensadores nanicos” e sem expressão fora do conservador mundo acadêmico.

No final doas 70, o filósofo marxista István Mészáros lançou um trabalho de fôlego sobre a obra de Sartre onde destacava o tema central de toda a filosofia do pensador francês, a saber, o tema da liberdade. Obra intitulada: A obra de Sartre: busca da liberdade, teve repercussão imediata em vários lugares do mundo, a começar pela Inglaterra.

Obviamente, o trabalho do filósofo húngaro não era apenas um trabalho de elogio e Mészáros sempre teve divergências profundas com o existencialismo sartreano. Como se sabe, Mészáros foi aluno e discípulo de Lukács e este escreveu nos anos 50 um livro em que caracterizava os escritos de Sartre naquele momento de “filosofia burguesa”. Porém, é com grande respeito e uma ponta de admiração, que o filósofo húngaro vasculha cuidadosamente a obra do autor de O Ser e o Nada.

No Brasil, a obra foi lançada em 1992 pela saudosa editora Ensaio e agora, sai numa nova e acrescida edição pela Boitempo Editorial, intitulada: A obra de Sartre: busca da liberdade e desafio da história. A edição atual esta dividida em três longos e articulados capítulos.

No primeiro temos um percurso biográfico-filosófico da vida de Sartre ou como define Mészáros é “O escritor e sua situação”. Tem numa palavra-chave do discurso sartreano o itinerário do pensador francês bem ao gosto existencial. Como costumava afirmar Sartre: “O homem é sempre um ser em situações” e a palavra passou a configurar a sua concepção de dramaturgia.

Capítulo muito importante para quem nunca leu uma linha da obra de Sartre. No segundo capítulo temos uma análise da Náusea e de O Ser e o Nada, na busca de uma melhor definição do conceito de liberdade sartreano.

É neste capítulo que Mészáros fará uma observação marcante sobre o destino do pensador Sartre: “Tendo conseguido libertar-se das algemas da filosofia acadêmica, Sartre esta decidido a não se deixar envolver em alguma outra espécie de operação acadêmica que acabaria sendo meramente um método intelectual, um complicado procedimento metodológico erudito reservado para uns poucos”, procedimento original e recomendável para aqueles e aquelas que não se contentam com uma “filosofia miúda” reduzida ao mundinho vaidoso das academias e congressos.

Com uma frase destas, Mészáros nos coloca diante de uma frase do próprio Sartre cita numa epigrafe: “Seja na fúria, no ódio, no orgulho, na vergonha, na recusa desalentada ou na demanda feliz, é necessário que eu escolha ser aquilo que sou”. Aqui estaria em síntese o tema que perseguiu a obra e a vida de Sartre: estou sempre condenado à liberdade e as situações da vida me colocam isto.

A nova edição vem com um novo capítulo (que por si só, justificaria o livro) intitulado: “O desafio da história”, onde Mészáros faz uma espécie de acerto de contas com a concepção sartreana de história. A divergência é de método (tema caro a qualquer lukacsiano).

Sendo bem simplificador por razões de se tratar de uma breve resenha, Mészáros critica a visão de História sartreana no seguinte aspecto: “O dedo acusador de Sartre, como vemos, não está apontado para a sociedade em geral, mas para cada indivíduo”. Sendo assim, Sartre não teria resolvido dialeticamente a questão individuo/sociedade a contento na sobre obra “Crítica da razão dialética”.

Independente de qualquer divergência entre Mészáros e Sartre, a obra do pensador húngaro vem em boa hora. A leitura da obra de Sartre em momentos tão conservadores como os nosso, onde a maioria da juventude tornou-se bem comportada e bem aplicada para entrar nos negócios do mercado, onde o pragmatismo desarvegonhado passou a ser a prática política de algumas esquerdas e onde a universidade tem como destino ser parceira do mercado, voltar a ler a obra de Sartre passa a ter caráter libertário.




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