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ELITISMO DA USP | O Ranqueamento da Letras e a afirmação do elitismo na USP

Depois de terem passado pelo vestibular mais excludente do país, os estudantes de Letras são submetidos ainda ao Ranqueamento – onde devem eleger suas habilitações em línguas diversas ou Linguística concorrendo pela média ponderada com seus outros colegas. Apesar de a lógica da competitividade parecer natural, este artigo tenta desvendar a afirmação do elitismo por trás desse “ritual”.

quarta-feira 7 de outubro de 2015 | 00:00

O que é e de onde vem o Ranqueamento?

Em seu site, a Universidade de São Paulo explica: “Após sua aprovação no Ano Básico, o aluno define a habilitação pretendida de acordo com a sua classificação pela média das notas semestrais em cada disciplina no primeiro ano. Cada habilitação oferece um número limitado de vagas, que são distribuídas prioritariamente por ordem de classificação do aluno. Habilitações: latim, grego, alemão, espanhol, francês, inglês, italiano, árabe, armênio, chinês, hebraico, japonês, russo, linguística e português. É facultada ao aluno a escolha de uma ou duas habilitações, nas formas adiante mencionadas, respeitados os limites de vagas e a classificação obtida.”

Simples, né? Só que não!

O texto da própria USP mostra claramente que para que o aluno possa cursar a habilitação dos seus sonhos, precisa ter conquistado uma média em notas que atenda aos critérios da concorrência. Parece MasterChef, mas é um curso de graduação.

A classificação de estudantes a partir do critério de sua média (como se ela significasse de alguma maneira aproveitamento do curso ou justo interesse em um campo do conhecimento) baseia-se no mais retrógrado conjunto de ideias que já viveu dentro da universidade, a meritocracia.

De acordo com a meritocracia, as conquistas alcançadas por uma pessoa no curso de seus estudos (seus méritos) denotam a ela valor superior ou inferior em relação a outras pessoas. Fruto de uma sociedade que vê homens e mulheres como números e coisas, a meritocracia considera correto avaliar direitos a partir de qualificações numéricas.

A meritocracia não poderia deixar de ter inclusive um caráter de classe. É muito mais fácil conseguir alcançar bons números, diplomas, certificados, idiomas e etc quando se tem mais meios materiais de financiar seus estudos independentemente dos recursos da Universidade. Aqueles que como eu carregam em suas rotinas uma carga de trabalho, quando chegam à sala de aula durante a noite já estão com corpos e mentes cansadas, muito mais fragilizadas para um processo de ensino. A meritocracia é, portanto, o método da elite para se autoavaliar e manter seus altos postos de comando e de poder. Ela mesma decide os meios de avaliação que empregará para que possa seguir selecionando os seus mesmos para aqueles postos.

Obviamente que eleger habilitações num curso de Letras nada tem que ver com altos postos de comando, mas a maneira utilizada para que isso seja feito em nosso curso espelha a maneira como é feito em toda a comunidade acadêmica, principalmente nos seus altos postos de comando. Quando a Reitoria, a Direção e os Departamentos implementam ou são coniventes com esses métodos, estão querendo nos educar desde nosso primeiro ano: para fazer o que quer aqui, é preciso que tenha recursos para um histórico impecável.

Entretanto, no discurso de muitos dos nossos docentes (enquanto o nosso Centro Acadêmico não trava uma luta contra), o Ranqueamento é uma forma justa de selecionar “os mais interessados”, ou “os mais esforçados”. Partem do princípio de que todos temos as mesmas oportunidades, escolhas e recursos, quando não temos. Sendo assim, a única maneira justa de lidar com a existência de várias Habilitações e várias vontades distintas é a existência de vagas e professores necessários para cada habilitação. E é aqui que reside o verdadeiro problema.

O ser oculto por trás do Ranqueamento: a falta de salas, professores e de vontade mesmo

A meritocracia é o conjunto de ideias que falseiam a realidade para que o Ranqueamento possa, de alguma maneira, fazer sentido para uma boa quantidade de pessoas. Mas antes das ideias vem sempre uma realidade material que elas tentam justificar, e no caso do Ranqueamento, a verdade é esta: só é preciso haver concorrência quando há escassez.

Se vivemos em uma Universidade onde os recursos são a cada dia mais restritos, o que acontece é que os órgãos de gestão universitária fazem o caminho oposto do que seria um ensino de qualidade: quantos professores haverão, quantas salas serão abertas, quantas vagas abriremos. E então, é o que já sabemos: passamos um ano inteiro de sufoco para poder alcançar uma média para a habilitação sonhada.

Em um ensino de qualidade, o caminho é oposto pois considera o interesse do estudante ingressante, que mais verdadeiramente espelhará a necessidade de produção de conhecimento que dialogue com a comunidade que financia a Universidade (no caso os trabalhadores pelo Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, o ICMS). Quando os órgãos de gestão decidem quais habilitações serão oferecidas e em qual quantidade, o interesse da comunidade e dos estudantes não é preservado, mas apenas o que é possível ser financiado e o que é de interesse das corporações que participam – com alto grau de representação inclusive – dos espaços de deliberação mais altos da Universidade, como o Conselho Universitário (CO).

No ano passado, por exemplo, foram oferecidas as seguintes habilitações:

Habilitação Vagas Matutino Vagas Noturno

Espanhol 55 55

Inglês 55 55

Francês 40 40

Alemão 40 40

Italiano 40 40

Linguística 35 35

Hebraico 0 30

Latim 29 28

Japonês 27 28

Russo 20 20

Árabe 20 0

Grego 15 15

Chinês 15 0

Coreano 10 0

Armênio 10 0

Impossível não notar que hajam, por exemplo, mais vagas nos cursos de maior demanda de mercado, como Espanhol e Inglês, e menos em cursos com baixo interesse de mercado, como Armênio. Sabe-se, entretanto, que apesar de serem oferecidas mais vagas em Espanhol do que em Francês, são muito mais alunos que se candidatam à segunda, fazendo com que a nota necessária para conquistar a vaga seja muito mais alta, excluindo, assim como no vestibular, muitos dos que desejariam cursar aquela Habilitação.

Todas as Habilitações acima, inclusive, só conseguem existir pois para cada uma delas há um país falante com o qual o Brasil estabelece algum tipo de relação comercial. A representação imagética composta pelos números comparados das vagas de Árabe e Hebraico, inclusive, é incrível. Tão incrível quanto as espúrias relações que a USP estabelece com o Estado de Israel, que faz com que os que elegem essa Habilitação possam, por exemplo, a estudar em Universidades Israelenses localizadas em territórios ocupados da Palestina, enquanto os que estudam Árabe (10 a menos), são impedidos de visitar a única Universidade com a qual a USP faz convênio pois Israel impede a retirada de visto (a Universidade fica na Palestina).

Curioso também que, apesar de haverem centenas de alunos interessados em estudar especificamente literatura, não haja uma Habilitação para isso, ou que todos aqueles jovens negros que conseguiram furar o filtro social do Vestibular, além de verem os únicos espaços da Literatura Africana serem ocupados por disciplinas optativas, não tem sequer o direito de verem a história e cultura de seu povo merecer a atenção de uma Habilitação específica. Bastante necessária, inclusive, para aqueles que trabalharão nas escolas públicas com uma imensa camada da juventude negra roubada de sua história e de sua cultura.

No título mencionei a questão da “vontade”… Apesar de não concordar com esse termo em absoluto, pois ele aparenta a não existência de interesses econômicos e políticos envolvidos, mas é de se chocar que frente a toda essa situação que circunda o Ranqueamento – desde da escolha problemática de recursos e temas da USP até a meritocracia como discurso predominante – a atual gestão de nosso Centro Acadêmico organize com um sorriso no rosto a semana das habilitações na semana que vem, sem propor aos estudantes previamente e durante todo o ano espaços de debate e luta contra a elitização da universidade em todas as suas esferas, inclusive no 2o vestibular que é o ranqueamento.

A princípio já está dada uma luta para que o Ranqueamento deixe de existir e, no seu lugar, seja inserida como prática o oferecimento de vagas para a totalidade de inscritos em cada disciplina. É preciso também que se reúnam estudantes para que deliberem juntos qual deve ser o currículo e mais especificamente as habilitações às quais o curso de Letras se dedicará.




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