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Ministério da Milícia | O Ministério de Lula com Daniela Carneiro é o oposto do combate ao legado de Bolsonaro

Escândalo com ministra ligada a milícias dá o tom dos primeiros dias do governo Lula, e reedita a falência da estratégia de alianças que fortalece a extrema em troca da governabilidade.

domingo 8 de janeiro de 2023 | Edição do dia

Mal o governo Lula começou e já dá mostras de onde leva a estratégia de conciliação com o que há de mais podre da política nacional. Buscando incorporar quem antes era base do governo Bolsonaro, o Partido dos Trabalhadores ofertou à Daniela Carneiro (cujo nome nas urnas era "Daniela do Waguinho"), do partido de direita e cheio de golpistas, União Brasil, o ministério do Turismo. Daniela é esposa de Waguinho (Wagner dos Santos Carneiro), prefeito de Belford Roxo que mantém ligações explícitas e históricas com as milícias na baixada fluminense. Waguinho é líder do União Brasil Fluminense e possui um extenso currículo de ações em prol do que existe de mais reacionário na baixada fluminense, conforme detalhamos abaixo.

A escandalosa presença de sua esposa, Daniela Carneiro, no ministério do Turismo do governo Lula está se transformando num flanco de tensão há uma semana de sua posse, e é uma demonstração cabal do desastroso resultado da política de frente ampla irrestrita defendida pelo PT em prol de suas alianças com a direita sob o argumento de permitir "governabilidade". Apesar da operação que busca salvaguardar Lula do escândalo à qual aderiu parte da grande imprensa, é fato que se trata de um evento tão chocante que não é possível ser silenciado. Por enquanto, tanto Lula como o PT estão adotando a estratégia de olhar para o outro lado, minimizar o caso, e sustentar a nomeação da ministra vinda do União Brasil. Mas não está descartado que a tensão atual se aprofunde e se torne uma crise significativa.

Como já deveria ser sabido, a aliança com a direita abre caminho para a ultradireita ao invés de combatê-la. Ao contrário disso, o PT prefere se aliar a setores ligados à milícia e colocá-los no alto escalão do governo. Enquanto isso Luciano Bivar, presidente do União Brasil havia declarado que sequer fará parte da base de apoio do PT, mesmo tendo sido agraciado com dois ministérios para si (Turismo e Comunicações), e indicado um mais (Integração Nacional).

Quem são Daniela, Waguinho e "Jura"

Se nacionalmente as figuras de Daniela Carneiro e Waguinho podem ser relativamente desconhecidas, quem acompanha a política do Rio de Janeiro sabe que se trata de figuras completamente reacionárias e abjetas. Daniela Carneiro, ou "Daniela do Waguinho” faz a ponte direta entre o governo Lula e o miliciano Juracy Alves Prudência, o “Jura”, líder de uma milícia de Nova Iguaçu.

Jura é citado na CPI das Milícias realizada em 2008 como chefe de um grupo de cerca de 70 pessoas que atuava em Nova Iguaçu nos bairros Comendador Soares, Jardim Nova Era, Jardim Pernambuco, Palhada e Rosa dos Ventos. Desde então, os grupos em questão aterrorizavam os moradores com suas munições pesadas, e levaram adiante a famigerada prática de cobrar taxas de 30 a 40 reais para "segurança" dos comerciantes, além do monopólio dos serviços de gás, agua e "gatonet". E como se não bastasse, ainda coibia os moradores a votarem em seus aliados. Sua milícia é responsável por pelo menos 100 mortes de acordo com a investigação da DRACO, e ele próprio é condenado pelo assassinato de uma pessoa que se desentendeu com os milicianos.

Apesar de não ter sido indiciado pela CPI das Milícia, "Jura" foi condenado em 2009 a uma sentença de 26 anos por associação criminosa e homicídio. Mas recentemente recebeu o convite da prefeitura de Waguinho para exercer função em cargo público. Isso lhe rendeu a passagem ao regime semiaberto durante o horário de serviço, que seria pago com os serviços do miliciano para a prefeitura de Waguinho. Jura foi então para a Alerj onde passou a ser remunerado para atuar na segurança do deputado.

Em 2018, o miliciano pôde ser visto distribuindo santinhos junto a Daniela Carneiro, a recém nomeada Ministra do Turismo de Lula:

Também vale lembrar que em 2018, Daniela e Waguinho faziam campanha explícita por Bolsonaro. Em 2020, o PT apoiou Waguinho em sua reeleição. Mesmo assim, o casal seguiu sendo fiel suporte do governo Bolsonaro:

E o que não faltou foram fotos de Daniela do Waguinho durante todo o mandato de Bolsonaro, ao lado do presidente defensor das milícias derrotado nas urnas em 2022:

O distanciamento político de Bolsonaro só foi ocorrer mesmo em outubro de 2022, quando o Waguinho anunciou o apoio à Lula nas eleições:

Na foto, Washington Reis, prefeito de Duque de Caxias, Marcio Canella e Waguinho, o vice e o prefeito de Belford Roxo, e Flávio Bolsonaro, selando o momento da divisão entre prefeitos da baixada nas eleições de 2022..

Desde então, o casal Waguinho que passou a ver a possibilidade de recuperação do PT anuncia o apoio à essa sigla para as eleições de 2022, após a participação de uma reunião articulada por Quaquá. Em 2020 o Esquerda Diário já denunciava a aliança formal entre o PT e Waguinho. 2 anos transcorreram desta aliança durante o mandato de Bolsonaro. Waguinho declarou apoio à Lula apenas às vésperas das eleições em outubro, em uma operação que teve como pivô as figuras de Quaquá, e André Ceciliano e até Cláudio Castro.

Na época, a disputa pela coligação com Waguinho chegou a abrir uma divisão no Partido dos Trabalhadores nas eleições municipais de 2020, com 29 votos a favor da aliança, 25 contra e 11 abstenções. Naquela ocasião o notório organizador dessas alianças espúrias, Washington Quaquá, vice presidente do PT, fez de tudo para impor esta coligação e conseguiu. À época, ex-presidentes do PT chegaram a lançar uma carta aberta contra a aliança com os bolsonaristas para a prefeitura municipal de Belford Roxo. A carta não só foi solenemente ignorada, como o casal ainda ganhou mais que apoio para uma eleição municipal, levando também um Ministério no seu governo.

Daniela Carneiro, deputada federal mais votada do Rio de Janeiro ao assumir o Ministério do Turismo deixará a vaga no Congresso ao seu suplente: Ricardo Abrão, deputado estadual do Rio, que de acordo com a revista Veja é ligado a bicheiros da Baixada Fluminense. Gente da pior espécie, que passa a ter seu lugar assegurado na política nacional com a benção do PT.

Gestão Waguinho em Belford Roxo como exemplo da política bolsonarista

Waguinho passou por dois mandatos na Alerj como deputado, e assumiu a prefeitura de Belford Roxo em 2016, quando seu antigo adversário, o prefeito Dennis Dautman (PCdoB) decidiu não concorrer à reeleição, deixando também 4 meses de salário atrasado para os funcionários públicos da cidade. Sua reeleição em 2020 já contou diretamente com o apoio formal do Partido dos Trabalhadores, preparando o terreno das alianças com o bolsonarismo raiz.

Agora, em meio ao escândalo, Waguinho decidiu simplesmente exonerar todos os funcionários públicos que ocupavam cargos temporários na prefeitura de Belford Roxo. Segundo o jornal Extra cerca de 10 mil perderam o emprego da noite para o dia, em uma operação de “queima de arquivo”, visando blindar o casal Waguinho. O tiro pode ter saído pela culatra, pois muitos funcionários que realmente trabalham para a prefeitura passaram a denunciar que eram obrigados a cumprir dupla jornada: no cargo ocupado e, depois, durante as eleições fazendo campanha para o casal.

Freixo, de relator da CPI das Milícias à subordinado ao ministério miliciano

E como se não bastasse tudo isso, a estratégia de conciliação com a direita ainda tem mais um exemplo de decadência na posição de Marcelo Freixo. Após sair do PSOL, ir para o PSB em nome da ampliação de alianças e realizar uma das suas piores eleições, Freixo agora anuncia sua entrada no PT e no governo Lula. Mas, vejam só, agora Freixo terá que se reportar diretamente à Ministra Daniela “do Waguinho”. Isso porque enquanto ela ficou com o Ministério do Turismo, Freixo ficará como presidente da Embratur. O desconforto de Freixo é inexistente. Enquanto estes escândalos aparecem em toda a mídia, Freixo que ganhou destaque nacional sendo relator da CPI das Milícias de 2008 parece não ver qualquer problema em atuar num posto subordinado à uma conhecida amiga de milicianos.

Freixo, que no passado foi denunciante das milícias, esteve mais de uma década de sua carreira política vivendo com escolta policial, recebendo ameaças de morte dos milicianos citados na CPI. Sua campanha para governador em 2022 resumiu-se, literalmente, a denunciar a "máfia" que governava o Rio de Janeiro. Mas naquele momento, com Cesar Maia como vice, já estava bem claro que as denúncias já não passavam mais de meros slogans de efeito eleitoral, e que as máfias não seriam combatidas. A imagem da falência da estratégia política de Freixo para o combate às milícias está no aperto de mãos com a Ministra eleita com ajuda de milicianos:

Freixo foi de defensor da "ética na política", tendo passado até por episódios vergonhosos como o apoio velado à Lava Jato, tendo depois votado a favor do pacote Anticrime de Sérgio Moro, passando agora à colocar em prática sua frente ampla "com deus e (principalmente) o diabo".

“Sem Anistia” significa derrubar todo o legado de Bolsonaro, e isso só se dará nas ruas

Os primeiros dias do governo Lula já mostraram um pouco do teremos pela frente. Em busca de ganhar apoio de um racha do União Brasil, Lula concedeu um ministério a ninguém menos do que representantes da milícia. De outro lado, revela uma operação de perdão e “anistia” para pelo menos grande parte da base do governo Bolsonaro, ao contrário do clamor ouvido pelo público presente em sua posse que gritava “sem anistia”.

Leia mais: Ministério Lula: retorno do presidencialismo de coalizão?

Com estes acenos demonstra-se que apesar de muita demagogia, inclusive de Flávio Dino, dificilmente se terá qualquer resposta à pergunta “quem mandou matar Marielle?”. Não dá para fechar os olhos também de que essa primeira crise questiona a crença de que a eleição de Lula traria melhores condições para quem luta nas ruas, se enfrentando com a extrema direita. Como se vê, a aliança com a direita abre o caminho para a ultradireita. É um absurdo que esses mesmos bandos milicianos, que ameaçam fisicamente a esquerda e os movimentos sociais ganhem representantes diretos no novo governo.

Com essa crise no governo Lula, os acordos regionais do PT-RJ tomaram outra proporção. O recado dado é de que, ao contrário de combater as milícias como esperaram muitos dos milhões de eleitores de Lula, os milicianos que porventura venham a apoiar o PT serão acolhidos, ganhando até Ministério. Isso vai totalmente na contramão de investigar e punir quem foram os mandantes do assassinato de Marielle, bandeira que é levantada por setores progressistas e de esquerda em todo o país, e que, pelo visto, para o PT não passa de discurso eleitoreiro, promessas de campanha esquecidas no dia seguinte ao pleito. O "Ministério Waguinho" mostra que o PT abriu mão de fazer um combate sério às milícias. Como é possível combater as milícias que assassinaram Marielle, ou investigar os mandantes do seu assassinato, dando passe garantido para apoiadores de milicianos dentro do governo?

A luta contra o legado deixado pelo bolsonarismo deve ser feita nas ruas, e com total independência deste novo governo Lula. Uma saída de fundo deve passar não por questionar esse ou aquele nome da direita que compõe o governo do PT, mas o conjunto da estratégia de conciliação com a burguesia e a direita, e a traição da confiança nele depositada por amplos setores que almejam uma perspectiva de futuro melhor após os anos de bolsonarismo. É somente a unidade da classe trabalhadora, setores oprimidos e movimentos sociais a que pode dar uma saída de fundo.




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