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O Brasil para além de 2022: a crise política e a resposta dos trabalhadores

Danilo Paris

O Brasil para além de 2022: a crise política e a resposta dos trabalhadores

Danilo Paris

O Brasil passa por um processo de transformação em seu regime, com mudanças sociais, políticas e econômicas, que são de extrema importância para a atuação da esquerda revolucionária. Nesse artigo, apresentamos uma caracterização da situação objetiva, as tendências subjetivas e o cenário político tendo em vista 2022, conectando com hipóteses do cenário estratégico do país, que vão para além do próximo ano.

Cenário internacional: tensões e incertezas

Do ponto de vista da economia internacional, o cenário é de fortes tensões e incertezas. A projeção é de que o crescimento mundial passará de 5,6% este ano para 4,5% em 2022 e continuará caindo para 3,2% em 2023, segundo a OCDE. A crise de 2008 segue deixando suas marcas, e uma permanente dificuldade de recuperação, na qual a burguesia não consegue recompor suas taxas de lucros prévios à pandemia.

A nova variante ômicron ameaça amplificar as tensões nas cadeias globais de abastecimento e reforçar a inflação, impactando a recuperação da economia mundial. Ainda que os estudos sejam muito recentes, e há muitas incertezas sobre ela, foi um sinal de alerta importante no mundo. Sobre isso é sintomática a declaração da OCDE: “Gargalos nas cadeias de abastecimento persistem, desencadeadas pela falta de mão de obra, fechamento intermitente de fábricas e atrasos de navios que afetam diretamente a disponibilidade e preços dos produtos do dia a dia. Os preços globais dos alimentos, por exemplo, continuaram a subir, atingindo a maior alta em dez anos.”

Nessa tortuosa tentativa de recuperação, os EUA e outros países imperialistas sofrem com várias interrupções na cadeia de suprimentos, provocada por uma série de falhas no modelo de internacionalização produtiva baseada no “just-in-time” (redução ao máximo possível dos estoques, inclusive dos insumos e matérias primas, para a maximização dos lucros e minimização de custos). É uma crise importante, de toda uma estrutura produtiva que o capitalismo havia conseguido impor em base a fortes ataques contra a classe trabalhadora, cujo modelo está em contradição diante das transformações econômicas provocadas pela pandemia e pela paralisação das cadeias de abastecimento [1].

Há falta de mão de obra em setores estratégicos de distribuição, como caminhoneiros, devido a um longo processo de diminuição dos salários e direitos, além de um fenômeno mais geral de recusa de uma parte dos trabalhadores em desempenharem funções com baixa remuneração [2] em países centrais, como os EUA, o que vem produzindo índices inflacionários que antes não existiam.

Foi muito sintomático o processo de greves que ocorreram no mês de outubro, conhecido como “Striketober” (a junção das palavras greve e outubro em inglês). Ainda que o Partido Democrata tenha conseguido desviar o BLM, há uma forte crise orgânica que pode gerar novos fenômenos políticos e na luta de classes.

A The Economist aponta como um dos fatores que pode impactar a recuperação econômica internacional uma política monetária mais restritiva para o ano que vem nos EUA, o que poderá afetar o dólar internacionalmente, produzindo novos aumentos em outras moedas, e uma diminuição do fluxo de capitais para outros países.

Outra ameaça, que poderia interromper a recuperação global já frágil, é uma possível desaceleração maior na China. A projeção é que o crescimento chinês passe de 8,1% neste ano para 5,1% nos próximos dois anos. Recentemente, ocorreram importantes sinais de crise no setor imobiliário e de energia, com a China tendo que fazer interrupção em sua produção para evitar uma situação descontrolada de falta de energia.

Antes da pandemia, a China representava cerca de um terço do crescimento global. A depender de como vão se dar os ritmos da desaceleração chinesa, haverá impactos em todo o mundo, em especial no Brasil. Esse impacto também poderá atingir outros países da América Latina. Além das baixas projeções de crescimento, a inflação é uma realidade em vários países do continente, como é o caso da Argentina, como um cenário inflacionário que chega a 52% ao ano.

Perspectivas na economia do Brasil

Como destaca a The Economist entre as “grandes economias emergentes”, o Brasil é mais vulnerável a esse cenário internacional: “O destino de alguns países está mais ligado a um dos gigantes do que a outro [em referência aos EUA e China]. Outros, como Brasil e Chile, parecem mais propensos a sofrer um golpe duplo. Apesar dos altos níveis de endividamento e do aumento da inflação, os altos preços das commodities permitiram ao Brasil praticamente manter a confiança dos investidores. Uma desaceleração da economia chinesa pode privar o Brasil desse benefício, levando a uma queda da moeda, inflação ainda mais alta e a possibilidade de crise econômica” [3].

O PIB brasileiro, de julho a setembro, teve uma contração de 0,1%. Ao longo de 12 meses, tinha avançado 3,9%. Ao final de 2021, terá aumentado o bastante para compensar as perdas do ano de maior impacto econômico da epidemia, que foi em 2020. A recuperação das perdas de 2020 teve fim no primeiro trimestre deste ano e já há algumas instituições financeiras, incluindo grandes bancos, como Itaú e Credit Suisse, prevendo recessão no próximo ano, com uma contração de 0,5%.

Segundo dados do IBGE a Agropecuária caiu 8% (após uma sequência de alta no início de 2021), a Indústria ficou estável e os Serviços aumentaram 1,1%. As exportações brasileiras de carne bovina fecharam novembro com mais um resultado negativo. No último mês, o Brasil negociou com o exterior 81,174 mil toneladas, muito abaixo das 167,736 mil toneladas negociadas em novembro de 2020, ou retração de 51,6% e ainda resultado do embargo imposto pela China devido a dois casos de vaca louca, pior resultado desde 2016. O tempo de sua duração foi chamativo, levantando possibilidades de ter sido um sinal político, em busca de aumentar seu poder de influência no Brasil, que segue muito importante.

Ainda, segundo o IBGE, o número de profissionais autônomos no Brasil voltou a bater recorde. A parcela de trabalhadores por conta própria foi estimada em 25,5 milhões de pessoas. Significa crescimento de 3,3% (817 mil a mais) na comparação com o trimestre anterior e de 18,4% (4 milhões a mais) no recorte anual. A taxa de desemprego (sem contar desalentados) que chegou a 14,9% no terceiro trimestre de 2020, agora está em 12,6%, segundo os dados da Pnad Contínua. No entanto, o aumento da ocupação está relacionado sobretudo ao setor informal. Em números absolutos esses índices representam 13,5 milhões de desempregados no país. Se considerada toda a mão de obra ainda subutilizada, está faltando trabalho para 30,743 milhões de brasileiros.

Das 3,6 milhões de pessoas a mais na população ocupada, em relação ao trimestre imediatamente anterior, cerca de 54% (1,9 milhão) atuavam sem carteira assinada ou eram CNPJ. Ou seja, a informalidade respondeu por mais da metade das novas vagas. A massa salarial no país também caiu. O rendimento real habitual foi estimado pelo IBGE em R$ 2.459. É a menor marca para o terceiro trimestre desde o começo da série histórica, em 2012. Significa baixa de 11,1% em relação a igual período do ano passado (R$ 2.766).

O Brasil acumula uma inflação de 10,7%, menor apenas do que a inflação da Venezuela e da Argentina na América Latina. Para os mais pobres, os efeitos são mais sentidos, devido à alta dos preços nos combustíveis, alimentos e energia. Segundo o Relatório de Segurança Alimentar e Nutricional, divulgado em outubro em apenas dois anos, o número de pessoas em situação de insegurança alimentar grave saltou de 10,3 milhões para 19,1 milhões. Nesse período, quase 9 milhões de brasileiros e brasileiras passaram a ter fome em seu dia a dia. Ainda segundo relatório dos 116,8 milhões de pessoas atualmente em situação de insegurança alimentar, 43,4 milhões (20,5% da população) não contam com alimentos em quantidades suficientes (insegurança alimentar moderada ou grave) e 19,1 milhões (9% da população) estão passando fome (insegurança alimentar grave).

A situação econômica internacional não permite um cenário mais ameno para os próximos anos. Há muitas incertezas internacionais, e tensões que podem desencadear crises maiores, como o cenário da China e dos EUA. Pela alta dependência da economia brasileira das exportações, em especial das commodities, desequilíbrios econômicos internacionais podem afetar o Brasil e produzir crises mais abruptas. O câmbio flutuante, com a perspectiva de alta do dólar, e a tendência internacional da manutenção de valores mais elevados no preço do petróleo (somado a atual política de preços da Petrobras), incluindo a tendência internacional inflacionária sobre alimentos, colocam, para o Brasil, um cenário em perspectiva de um quadro permanente de tensões, ao mesmo tempo, que não apresentam sinais de uma recuperação mais sustentada, capaz de construir uma correlação de forças mais favorável ao governo Bolsonaro.

Isso não significa que necessariamente irá se produzir algum processo mais abrupto de inflexão da crise econômica. É possível um cenário de uma estagnação, “retração técnica”, ou crescimento muito baixo, mantendo-se uma situação relativamente controlada. As reservas em dólares do Brasil, que giram por volta de 370 bilhões de dólares, dão margem para o governo implementar medidas de contenção anticíclicas que possam amenizar cenários com maiores tensões.

Seja um cenário de crescimento muito baixo, ou de leve retração, do ponto de vista político-eleitoral, será um obstáculo importante para Bolsonaro recompor uma fatia maior do eleitorado, ou expandir sua base social. Do ponto de vista político, é importante considerar essa base não apenas como base eleitoral, mas uma parte dela (não o total de intenções de voto) como base política de extrema-direita, que seguirá sendo um fator da dinâmica político-social do país. Ainda é apenas uma hipótese, uma parte desse eleitorado migrar para outra variante política, como Moro, que teria de estar condicionada a novos acontecimentos que possam impactar com mais força a base de Bolsonaro.

A perspectiva de desaceleração da China pode gerar maiores contradições na Agropecuária, e a perspectiva de contração no fluxo de capitais internacionalmente pode afetar as taxas de juros nacionais, e os níveis de investimento de outros setores, o que coloca em alguma medida a permanência do que os economistas estão chamando de “estagflação”. Quais novos arranjos políticos e deslocamento de forças isso irá produzir é uma questão importante, com alguns ensaios públicos, como já vimos nos manifestos de setores do mercado financeiro e industrial mais críticos a Bolsonaro.

Do ponto de vista social, em um cenário de uma retomada maior da pandemia, contradições ainda mais profundas podem se colocar. Novas medidas de lockdown, mesmo que parcial, seriam mais difíceis diante do quadro econômico e social do país. Ao mesmo tempo, esse contexto, permite a possibilidade de viradas abruptas no clima social e político, inclusive sendo um elemento de preocupações burguesas não só com o Brasil, mas com a América Latina.

Governo Bolsonaro e bonapartismo institucional

O ano de 2021 foi marcado por fortes abalos no interior do regime, com disputas intra burguesas agudas. Nos momentos antecedentes ao 7 de setembro, vimos uma forte escalada de tensão entre projetos bonapartistas, que tiveram como resultante uma degradação ainda maior do regime. Foram inúmeras as declarações golpistas de generais aliados a Bolsonaro, e respostas de vários tipos do bonapartismo institucional.

O ponto culminante dessas tensões foi o 7 de setembro, quando se protagonizou um momento de impasse, em especial no conflito entre Bolsonaro e o STF. As manifestações reacionárias bolsonaristas foram fortes o suficiente para lhe garantir uma sustentação maior, no entanto, não conseguiram impor uma correlação de forças que lhe garantisse melhores posições no regime político. Após reações do capital financeiro, com a oscilação nas bolsas e ameaças de nota de grande bancos, para que o impasse se resolvesse, Temer entrou em cena e articulou um pacto, que para ser firmado teve que contar com um recuo importante de Bolsonaro, que naquele momento, gerou uma quebra de expectativas de sua própria base.

De lá pra cá o “protagonismo político” dos generais da reserva aliados de Bolsonaro reduziu consideravelmente no último período. Ainda que tenha vazado uma declaração de Heleno dizendo que tomava lexotan para não aconselhar Bolsonaro a tomar medidas mais drásticas contra o STF, esse fato teve uma repercussão muito menor que os anteriores. Braga Netto, por exemplo, que vinha tendo um destaque político no governo, reduziu suas declarações políticas e aparições públicas. Como hipótese, isso pode estar relacionado a alguns fatores, ou a combinação de vários deles: 1- ser parte do pacto que se construiu após o 7 de setembro, de diminuição da retórica golpista, e a ameaça a outras instituições do regime. 2 - Preparação frente a eventual novo governo Lula, onde as FA terão que cumprir um papel de tutela e para isso precisam aparecer menos como instituição bolsonarista, e mais como “instituição de Estado”. 3 - Que o imperialismo dos EUA, no momento em que fez consecutivas “visitas” ao governo brasileiro, tenha exercido um papel maior de contenção, através de suas influências nas FA’s.

Isso marcou um cenário que até agora se mantém, marcado por uma crise política com mais moderação pelas distintas alas, e menos enfrentamentos diretos entre atores do regime. A interrogante que fica é se algum dos setores poderá construir uma correlação de forças capaz de romper esse “equilíbrio instável.” Nada aponta nesse sentido, e a falta de unidade burguesa em torno de um projeto único (que nas eleições de 2018 se transferiu para Bolsonaro, após a unidade inicial em torno de Alckmin), dificulta muito que isso ocorra.

O bonapartismo institucional segue fortalecido, e levando adiante medidas arbitrárias, agora contra bolsonaristas, como foi o caso do impedimento preventivo do deputado Daniel Silveira para declarações públicas sem prévia autorização, ou a retirada do comando de Roberto Jefferson do PTB.

Sinais de novos pactos entre atores que antes eram rivais se mostram também em algumas movimentações. Enfim, André Mendonça foi indicado ao STF (com uma baixa de votos histórica), figura que já foi lavajatista, e representava a promessa de Bolsonaro aos evangélicos. Gilmar Mendes, um dos expoentes da “ala opositora” no STF, saudou com entusiasmo a indicação (atitude que não teve com Nunes Marques), além de comentários positivos de Barroso e Dias Toffoli. O peso dos evangélicos no regime é um elemento importante e vêm sendo uma característica que está ganhando cada vez mais força. Esse setor avançou em conquistar não só mais peso social, mas também peso no regime, e é um fator político nacional, inclusive com impacto eleitoral. Não à toa, Lula também vem dando consecutivos sinais para os evangélicos. A separação da Igreja com o Estado, o direito ao aborto, a educação sexual e distribuição de contraceptivos, a defesa da laicidade na educação pública, são programas fundamentais para questionar esse avanço.

Ao mesmo tempo, do ponto de vista dos temas democráticos, um fato importante para analisarmos foi a sanção presidencial da Lei Mari Ferrer [4]. Viemos vendo durante o governo Bolsonaro o nível de demagogia que Damares vem fazendo em relação ao tema da mulher em geral e da da violência contra as mulheres em particular, sempre apontando num sentido de fortalecer a instituição familiar conservadora. Agora, com a sanção da Lei Mari Ferrer vemos que o que estava mais reduzido ao gabinete de Damares, justamente por que Bolsonaro sempre seguiu proferindo frases misóginas, pode estar indicando uma correlação de forças que indica algum desgaste inclusive eleitoral para Bolsonaro, e ao mesmo tempo mostra que o regime, através do bonapartismo institucional, está mantendo seu disciplinamento a Bolsonaro, e que ele também está evitando temas sensíveis que possa desencadear movimentações e atos que coloquem novos ingredientes no cenário nacional.

A previsão de novos ataques é algo ainda que não está claro, e que pode sofrer interferências pela entrada em cena da conjuntura eleitoral. A PEC dos precatórios e o drible no teto de gastos provocaram desconforto no mercado financeiro, ainda que longe de provocar uma crise maior. Vimos mais “alarde” do que movimentações mais concretas (como, por exemplo, com alguma saída de capitais). Vale destacar que grandes agências do imperialismo internacional vêm reiteradamente criticando o governo por falta de novas reformas e busca de equilíbrio fiscal, pressionando por mais ajustes. Vários analistas e lideranças no Congresso consideram que é muito difícil uma nova reforma ser aprovada em ano eleitoral. Outras formas de ataques, que não necessitem da aprovação do Congresso, como a entrega da refinaria da Bahia, podem seguir acontecendo. Existe a possibilidade de uma nova reforma trabalhista e sindical que tem um conteúdo forte de ataque, encomendada por Bolsonaro e Guedes.

Tendências para outubro: as intenções de voto em Lula e a possibilidade do PT voltar ao governo

A nova pesquisa IPEC (ex-Ibope), divulgada em 14/12, com resultados muito semelhantes ao DataFolha, confirma um cenário que já vinha sendo apresentado por outras pesquisas que Lula é o franco favorito para as eleições de outubro. Lula tem 48%, Bolsonaro, 21%, e Moro, 6%, empatado tecnicamente com Ciro, que tem 5%. Se considerarmos votos válidos, Lula teria 56% dos votos. Há uma chance de que Lula seja eleito no primeiro turno, mas, mais importante do que isso é ver que estaremos diante, caso esse cenário se confirme, de um arranjo político completamente novo no país.

Em primeiro lugar, a possibilidade de que haja uma reviravolta nessa tendência, estaria condicionada a grandes acontecimentos com força para provocar uma mudança no conjunto das forças políticas e econômicas do país. Isso não se daria por fora, por exemplo, de uma intervenção bonapartista, um realinhamento de forças burguesas ou uma maior intervenção do imperialismo, tal como se desenvolveu e culminou com os resultados de 2018. Ao mesmo tempo, medidas como essa, não ocorreriam sem imensos riscos, inclusive para a própria burguesia, já que poderia desatar uma dinâmica de crise política e no regime muito forte. A possibilidade de novamente se iniciar uma nova investida jurídica-parlamentar contra Lula e o PT, contraria até mesmo os objetivos de poderosas alas do regime político, que reabilitou os direitos políticos de Lula, para que ele fosse um salvaguardas da obra do golpe institucional, diante da possibilidade de novas revoltas sociais, na busca por canalizar toda insatisfação para via institucional e eleitoral.

Por fora de uma movimentação desse tipo é um cenário muito difícil que se opere uma mudança qualitativa nas intenções de voto, que tire Lula ao menos do segundo turno, ou mesmo seu favoritismo. Como estamos há muito tempo de outubro, não podemos descartar nenhum cenário, como um maior fôlego para alguma candidatura da terceira via, ou uma recomposição um pouco maior de Bolsonaro. No entanto, o que queremos destacar, é que do ponto de vista das possibilidades, vai se apontando um cenário estratégico para o país, onde a chance de o PT voltar ao governo é cada vez mais concreta.

Muitos fatores estão em aberto, e ao longo de 2022 teremos que analisar como irão se comportar os atores políticos, econômicos e as forças do regime. Como irá se comportar a cúpula dos militares que foi e é base fundamental do governo Bolsonaro, o judiciário, as igrejas, a base social de Bolsonaro e ainda, como serão as ações do imperialismo diante dessa possibilidade, serão elementos importantes para novos desdobramentos políticos. Ao mesmo tempo, existe em um setor de massas um sentimento nostálgico em relação a Lula, como uma expressão da situação objetiva, que é a base que permite manter suas intenções de voto nos atuais patamares, e que dá os contornos para essa tendência para as eleições de outubro.

Para as hipóteses de construção de partido no Brasil, ter ou não o PT novamente administrando o Estado, após todos os ataques e reformas desde o golpe institucional, é uma questão que tem grande impacto político e estratégico na orientação. Uma mudança de rota nos caminhos políticos do país, que tem potencial para produzir importantes inflexões de vários pontos de vista, inclusive no movimento operário, na juventude, na esquerda e em setores da vanguarda.

O “fator Alckmin” na chapa com Lula, a sinalização para Biden e para o capital financeiro dos EUA

Cada vez mais a possibilidade de consolidar essa aliança aumenta. O que começou com uma nota jornalística, depois ganhou elogios recíprocos, apoio de diversos setores do próprio PT, e agora, Alckmin, enfim, se desfiliou do PSDB. No interior do PT se fortalece cada vez mais a possibilidade de chapa Lula-Alckmin, com muitos setores se declarando favoráveis. Fernando Haddad em entrevista para Breno Altman, disse entre outras questões, que a articulação Lula-Alckmin se deu em primeiro lugar buscando evitar um cenário igual a 2018 onde o PT não teve apoio do PSDB e outras figuras com Ciro (PDT), citando 5 candidatos a governadores desses partidos que poderiam ter feito essa aliança e subido no palanque com ele, deixando claro que depois avançaram as conversas para novas possibilidades. Agora Wellington Dias [5] , um governador em exercício, deu declarações favoráveis à chapa.

Força Sindical, UGT e CTB se reuniram com Alckmin para fazer parte da articulação da chapa. É preciso ver que esses setores da burocracia sindical podem estar vendo nessa possibilidade eleitoral uma via para conseguir uma localização melhor no regime, depois do revés sofrido a partir do golpe institucional. Vejamos se isso pode indicar um movimento no qual os sindicatos busquem retomar mais protagonismo como interlocutores políticos, questão que esteve quase ausente nos últimos anos com as crises e disputas concentradas na direita e extrema direita.

Se é verdade que é parte da história do PT a conciliação de classes, que levou a alianças com os setores mais reacionários desse regime burguês, como Maluf e Sarney, não ajuda a encarar a profundidade dessa movimentação, considerar que esse é apenas uma das alianças espúrias a mais que o PT pode fazer. A conformação com cada setor, e em que momento histórico está inserido é fundamental para analisar os objetivos de cada aliança. Caso a chapa se efetive, e para isso há outras variantes em aberto como o próprio partido no qual Alckmin irá se filiar, estará se configurando uma mudança de maior envergadura na política nacional. Ainda que isso não ocorra, o sinal entre ambos revela questões importantes não só da política do PT, mas de frações de classe e do regime.

Alckmin era a primeira alternativa da burguesia após o golpe institucional. Foi o candidato da grande maioria dos partidos burgueses, do capital financeiro e do imperialismo. O coroamento perfeito do golpe de 2016, idealizado por vários setores burgueses, era sua eleição em 2018. No entanto, Bolsonaro apareceu como filho ilegítimo do golpe, e conseguiu angariar com mais força a tendência de polarização social e radicalização burguesa que se expressou em diversos setores nacionalmente, frustrando aqueles planos originais.

Desse ponto de vista, a imagem da possibilidade dessa chapa é representativa sobre a “repactuação” que Lula e diversos atores do regime estão operando, para tentar dar mais estabilidade ao novo regime político. Lula, que foi preso e prescrito pelo regime do golpe, e depois também reabilitado por ele, pode se candidatar justamente com a figura que iria substituir o PT após o impeachment. Vários analistas consideram que essa chapa teria um impacto maior do que a Carta ao povo brasileiro de 2001. De fato, aqui se trata da composição com um político burguês que foi a cabeça da implementação do neoliberalismo no principal estado do país, e não uma “carta de intenções” (que em seu momento teve um conteúdo muito forte), junto a um empresário mais desconhecido como Alencar em 2002.

É uma figura muito forte para esses objetivos, e esse sinal que o PT quer transmitir, que transcende os próprios setores da burguesia nacional. Alckmin encarna um projeto que agrada o capital financeiro, em especial o capital financeiro dos EUA e para o próprio Biden. Não é apenas uma garantia que a “herança” do golpe ficará preservada, mas também de que os interesses de grandes setores do capital também continuarão encontrando muito espaço na economia nacional.

Ainda que Lula venha sinalizando para outros imperialismo e para própria China, o peso da influência do imperialismo dos EUA é muito forte no país, e isso está entre as preocupações estratégicas do PT. Trazer uma forte figura neoliberal para o coração da sua chapa, representa um movimento do PT em emitir um sinal para os EUA, ao mesmo tempo, tentar enviar que se desenvolva uma unidade burguesa em torno de outro candidato, como Moro. O realinhamento de vários setores e frações burguesas por trás de Bolsonaro em 2018, foi um fator decisivo para que ele tivesse chegado ao poder. Ao trazer Alckmin para sua própria chapa, Lula, ao mesmo tempo que antecipa como pretende governar o país, provoca uma dificuldade maior para que essa rearticulação de forças entre a burguesia possa se dar com tanta força, como ocorreu na última eleição.

De um ponto de vista de setores amplos, ainda não se expressou um forte rechaço à essa possibilidade, devido por um lado, ao peso que uma eleição com a extrema direita ainda exerce, com amplos setores considerando votar em “qualquer um” para tirar Bolsonaro, e por outro, de uma bem sucedida política do PT, que se apoia e fomenta esse sentimento para disseminar um conteúdo “frente amplista” e “mal menorista”.

Movimentações políticas internacionais

A visita de Lula a vários países Europeus, e seus sinais para a China não são contraditórios com buscar uma aproximação maior do imperialismo dos EUA. Ao contrário, Lula se utiliza de relações históricas que desenvolveu enquanto presidente, para ser uma fator de negociação e localização internacional. Por isso, foi muito importante os sinais recíprocos que também recebeu do imperialismo Europeu. A reunião de Lula com Macron, e as constantes referências que faz a Olaf Scholz da Alemanha são mostras dessas movimentações e aproximações. Sobre a França em especial, recentemente houve um atrito mais forte com os EUA em função das vendas de submarinos para a Austrália. Há relações históricas do PT como o imperialismo francês, Lula faz sempre questão de lembrar sua relação com Sarkozy, e foram os caças franceses Mirage que foram substituídos pelos suecos Gripen depois da Lava Jato, que o PT comprou para a força aérea brasileira, o que no período causou um importante desconforto com o imperialismo dos EUA. Além disso, sinalizações de Lula para a China são constantes, que inclusive não começam agora, mas também são relações históricas que o PT teve com esse país em seus anos de governo, e que por isso, também vai seguir sendo uma aposta de Lula em sua costura com aliados internacionais.

Na América Latina, Lula também busca sempre querer se apresentar como um articulador que possa unificar e fortalecer os países da região. Importante ver suas relações com o governo argentino, que segue aprofundando laços e recentemente Lula esteve no palanque junto a ele em um ato público na Argentina. Como desenvolvemos [6] , Fernandes e Kirchner se elegeram prometendo reverter a herança macrista, frente a uma situação de piora das condições de vida e inúmeros ataques. No entanto, essas promessas não só não foram cumpridas, como o que está sendo feito é uma administração dessa herança, e a manutenção das negociações e acordo com o FMI. A expressão maior eleitoral da FIT e da extrema-esquerda na Argentina, está relacionada com essa quebra de expectativas, que não produz apenas suas expressões à esquerda, mas também se expressa no aumento de figuras da extrema-direita, que recentemente também tem buscado ter maior protagonismo político.

Lula se utiliza dessa localização internacional, e faz política sempre querendo se apresentar como um governante que pode mudar o isolamento do Brasil, em referência ao atual momento de Bolsonaro que sofreu fortes impactos com a derrota de Trump, além da perda de outros governos aliados na América Latina nos últimos anos. Uma eventual eleição de Kast pode dar a ele um aliado local, ainda que o cenário chileno segue muito indefinido, e algumas pesquisas apontam Boric à frente [7].

Maiores definições na “terceira via”

Já começa a se expressar um cenário menos “pulverizado” eleitoralmente, como antes parecia se desenhar, em particular dos candidatos da chamada “terceira via”. Mandetta e Datena já renunciaram à candidatura, e Pacheco ainda que indicado pode também se retirar, e caso se mantenha será uma candidatura de pouco peso, para não se comprometer nem com Bolsonaro, nem com Lula. Isto é, uma eleição que não será tanto o cenário de 88, e que tendencialmente pode afunilar ainda mais.

Há uma aglutinação de alguns setores militares com a candidatura de Moro, em especial Santos Cruz, mas não é descartado que Mourão possa indicar um apoio mais aberto. É muito difícil saber qual o nível de impacto que isso tem em outros setores do generalato, que por ora parece se manter unido, inclusive para manter posições no Estado. Uma expressão disso é que o ex-ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva vai assumir a direção-geral do TSE, tendo um posto importante para a condução das eleições.

Moro é um candidato que agrada muitos setores, e está recebendo ajuda da grande mídia, como por exemplo a Globo. Está em campanha, e não está descartado que possa ter maior expressão eleitoral, e inclusive ameaçar Bolsonaro. Além disso, a Lava Jato, por mais que tenha se debilitado muito, não desapareceu, e inclusive são grandes as possibilidades [8] de que tenham atuado na ação arbitrária e política que a PF promoveu contra Ciro e Cid Gomes, ao mesmo tempo que indicam sinais de que os métodos da Lava Jato podem continuar sendo usados em meio à disputa eleitoral.

O PSDB segue em uma crise profunda, uma expressão aguda do colapso daquele arranjo constituído em 88, e da permanente crise orgânica no país. A extrema-direita ocupou o espaço dessa direita tradicional, que está em uma deslocalização para tentar de algum modo uma reestruturação do seu projeto. As baixas intenções de voto em Doria podem desencadear crises ainda maiores. Não é descartado que a ala opositora interna do partido espere a derrota presidencial para tentar voltar a ocupar posições internas. Mas também não está descartado que Doria possa tentar alguma manobra para minimizar os danos. Alguns analistas apontam que caso ele mantenha uma intenção de votos muito baixa, poderá tentar compor uma chapa com Moro, ainda que isso seja difícil, inclusive pelo próprio projeto de Moro que pode não querer se vincular a ele.

A pressão lulista e eleitoral

Já vimos se antecipar características do que denominamos “vendaval” lulista, e que vai aumentar ano que vem. Uma pequena expressão da força lulista, foi o fenômeno Lula no Podepah, e antes no Mano a mano. É preciso levar em conta, que no cenário de um novo governo Lula, experiência que teve com o PT nos 2000 (e que mesmo assim também teve como produto novos arranjos na esquerda), não vai ser reproduzida por todos os elementos econômicos, políticos e sociais apontados nesse documento. Ainda que não exista as condições econômicas para a reprodução do que se convencionou chamar de “lulismo” (uma política de conciliação, com expansão econômica e algumas concessões sociais, sem qualquer radicalização), é importante ver que outras contradições que não existiam nos anos 2000, agora são fatores da realidade nacional. A continuidade da existência de uma corrente social de extrema-direita, por exemplo, pode ser um fator que pode pressionar para que se mantenha uma “lua de mel” prolongada com Lula, em uma eventual vitória eleitoral. São muito os novos fatores que dificultam definir de antemão se a experiência de massas com o governo Lula será mais ou menos prolongada, seus ritmos e intensidade.

A “preservação” que o próprio golpe produziu sobre o PT, impediu que a experiência com esse partido se desenvolvesse, bloqueando o desenvolvimento de um espaço maior para construção de partido revolucionário.

Do ponto de vista da luta de classes, ela segue em baixa e a entrada de elementos cada vez mais fortes de conjuntura eleitoral (e expectativa de melhora com o eventual novo governo Lula), são fatores que apontam para que não haja uma mudança qualitativa nesse cenário. O PT pode seguir levantando o “fantasma de Junho”, para defender que nada “atrapalhe” sua volta ao governo. No entanto, começamos a ver sinais de recomposição, no último período visto na movimentação de Aeroviários, mas que são elementos que vem e ocorrendo pontualmente de lutas isoladas sem ainda representar nenhuma inflexão. Também temos que levar em consideração a situação do trabalho e da miséria social no país, que são fatores que sempre empurram à instabilidade, e podem desencadear novos fenômenos.

Do ponto de vista do PSOL, a possibilidade da chapa Lula-Alckmin, já começa a se expressar em diversos debates. Em entrevista, Juliano Medeiros, presidente do PSOL, quando questionado se a chapa com Alckmin poderia inviabilizar a aliança com PSOL, respondeu que isso criaria um “elemento dificultador”. Ele mesmo depois fez um tuíte, afirmando que acredita que Lula não pretende isso, ignorando as próprias declarações que Lula vem dando. Nas correntes mais lulistas, como a Resistência, a “crise existencial” [9], é evidente.

É muito difícil que Boulos abandone o projeto de governo do estado para sair à presidência, como alguns setores aventam. Isso contraria seu projeto “histórico” de atuar sempre à sombra do PT, deixando muitas portas abertas. Ao mesmo tempo, se o cenário com Alckmin pelo PSB se confirmar, e o PT renunciar à disputa estadual para apoiar França, seria um sinal forte para o PSOL, porém contraditório aos interesses de Boulos, porque disputar São Paulo sem Haddad seria o melhor dos mundos para Boulos, que poderia novamente tentar disputar o eleitorado petista como fez nas eleições municipais de 2020, e é provável que consiga ter uma boa expressão. No entanto, não estar alinhado com Lula presidencialmente é algo que nenhum desses setores quer, como vieram se posicionando até agora, resultando em uma diluição cada vez maior do PSOL na política do PT. Por outro lado, o setor que se opõe a esse curso do PSOL, através da candidatura de Glauber Braga, apresenta uma candidatura e um programa, muito distantes do anticapitalismo, e mais próximos das concepções do petismo [10] .

O debate sobre as federações partidárias também irão exercer uma influência muito grande para os rumos da esquerda. Essas negociações ainda estão se iniciando e o que há de mais concreto foi uma nota do PSOL, afirmando que está em negociação com o PCdoB e Rede, e que depois irão avaliar outras “legendas de esquerda”. Se o PSOL irá estar em um federação com o PT ou não, se nessa federação irão estar incluídos partidos burgueses, ou mais à direita, são diversas variantes, de uma questão nova no regime político e que irá entrar em vigor em 2022, impactando bastante na configuração da esquerda. Outras organizações como PSTU, PCB e UP estão apresentando a possibilidade de ter candidaturas presidenciais, com algumas pré-candidaturas já anunciadas.

Nós do MRT, impulsionamos junto a outros setores e o PSTU, o Pólo Socialista e Revolucionário, com a perspectiva de atuar em conjunto nos processos de luta de classes, e desde já batalhar por uma saída política de independência de classe no Brasil.

Um cenário de instabilidade e intensa politização em 2022

Em síntese, o que está desenvolvido nesse documento, é que entraremos em um ano muito marcado pela política, em especial pela conjuntura eleitoral, e estaremos diante de novos acontecimentos políticos, rearranjo de forças, descolamento de forças e novas experiências com vários tipos de variantes políticas. A dinâmica de uma situação reacionária é um traço que perpassa essa conjuntura, e a atuação de distintos atores do regime busca garantir de alguma forma estabilidade política para outubro. No entanto, pela própria dinâmica que está colocada no país, isso está longe de ser uma garantia, e a existência do bolsonarismo, e choques com as aspirações lulistas, podem provocar um clima político mais quente que temos que ver como pode se desenvolver. Na economia são inúmeros os sinais que colocam perspectivas turbulentas, e são fatores objetivos que impedem uma estabilização mais a longo prazo no cenário político. Socialmente a situação segue muito difícil, com o alto número de desempregados, trabalhadores autônomos e o avanço da fome. Esse sempre será um elemento que pode provocar mudança rápida da situação política, somado a outros rebotes na pandemia, e que podem embaralhar os cenários.

O decorrer do ano de 2022 será muito importante para os novos contornos que irão assumir o regime, e a concretização de cenários que podem mudar as perspectivas estratégicas do país para a construção de partido revolucionário. As eleições, e todas as movimentações prévias a ela, irão compor alguns desses contornos, e a perspectiva da construção de uma saída de independência de classe, a exemplo do que faz a Fração Trotskista internacionalmente. Não só o próximo ano, mas o desenvolvimento dessas tendências que apresentamos, serão muito importantes para a tarefa da construção de um partido revolucionário no Brasil.


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FOOTNOTES

[5Importante essas declarações do governadores, porque é justamente os estado onde o PT administra os impactos do golpe institucional, como com a Reforma da Previdência, deixando intactos os pilares da precarização como mostra hoje o alagamento no Sul da Bahia e fortalecendo as forças repressivas em aliança com a direita e oligarquias locais. O limite das quase inexistentes concessões são um balão de ensaio do que pode ser um futuro governo Lula, onde a terceirização de avanços recordes nos anos de governo, se vê avançado a passos largos com Fátima Bezerra na saúde e ataques à UEPI com Wellington Dias no Piauí
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Danilo Paris

Editor de política nacional e professor de Sociologia
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