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OPINIÃO | No aniversário da morte de Lênin, The Intercept solta artigo que agrada a direita

sexta-feira 24 de janeiro de 2020 | Edição do dia

O portal The Intercept Brasil decidiu fazer um agrado para a direita no dia do aniversário de 96 anos morte de Lênin. Com o retrato de uma estátua de Lênin vandalizada na capa, um artigo publicado no site é uma coleção de pérolas políticas, além de conter uma reedição da velha ladainha anticomunista liberal e pró-capitalista. Repudiamos a arbitariedade do Ministério Público Federal, braço direito do bonapartiso judiciário, que contra Glenn Greenwald quer calar a liberdade de expressão e de imprensa.

#Tabatou

Mesmo com Glenn Greenwald sendo perseguido pelo Ministério Público, o braço do bonapartismo judiciário, única e exclusivamente por ter exercido a profissão de jornalista – perseguições arbitrários contra as quais toda a esquerda, inclusive nós, somos veemente contra - ainda assim o site The Intercept mantém-se como fiel defensor das instituições da democracia capitalista, e se coloca a serviço destas propondo uma espécie de sermão em defesa da moderação e da aliança com setores da direita. E contra a esquerda que segundo eles, seria “elogiadora de ditadores”. Logo que publicado, o artigo recebeu a simpatia de ninguém menos do que a própria extrema-direita: o próprio Allan dos Santos saiu a publicar em seu blog ultra direitista o artigo Talíria Petrone toma cala-boca de Intercept.

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Quando você é capaz de agradar Allan dos Santos com suas opiniões, pode ser que tenha chegado o momento de reconsiderá-las... Mas a verdade é que o artigo publicado no Intercept Brasil não só distancia-se desta hipótese, pelo contrário, faz uma defesa de alianças com grupos da direita “contra o fascismo”. Diz o artigo:

A democracia pressupõe conviver com o diferente e até, em certos casos, fazer alianças com ele. “Quando nós concordamos com os nossos rivais políticos em pelo menos parte do tempo, estamos menos propensos a vê-los como inimigos mortais, escreveu o cientista político Steven Levintsy (...)

Pode parecer surreal, mas esta mesma citação veio logo em seguida à uma passagem no texto em que o The Intercept aconselha não a esquerda, mas o próprio PSDB à se ‘centro-esquerdizar’ e procurar alianças com o PT.

The Intercept brada sua exigência ao PSDB:

(...)os social-democratas (eles ainda existem no PSDB?) quem sabe constrangessem a turma de Lula a finalmente sair da covarde – mas até certo ponto compreensível – e eterna negação dos escândalos em série de mensalão e petrolão rumo à necessária autocrítica.

Chega a ser engraçada a exigência por social-democratas tão cheios de consciência no PSDB. Soa como se os autores do texto tivessem acabado de chegar no Brasil, e considerassem que o nome dos partidos realmente teria alguma coisa a ver com o programa dos partidos, que sabemos ser falso.

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Mas por trás disso existe a realidade que é a construção de uma ampla aliança de setores da esquerda com partidos burgueses que pode incluir, no mesmo barco, PSDB, Rodrigo Maia, PCdoB, com convite para figuras do PSOL como Marcelo Freixo e Boulos. Freixo é, aliás, bastante defendido pelo artigo na lógica de que sua atuação pela aprovação do pacote anti-crime teria de alguma maneira representado aqui que “dá para fazer” na conjuntura atual. Ou seja, basicamente, na lógica do artigo à esquerda, para continuar existindo, deveria deixar de ser a esquerda – conselho que, aliás, parte da esquerda como Freixo já estão seguindo.

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(...) é preciso que exista gente disposta a abrir mão de certos valores e divergências irreconciliáveis em favor de (muitos) pontos em comum e dar a mão pro amiguinho que não pensa exatamente como nós para disputar o pouco espaço democrático que ainda nos resta.

Este é o programa defendido pelo The Intercept. Seguramente ignora que não foi a decisão, por exemplo do PT, em não abrir mão dos princípios o que levou a que tenhamos chegado onde estamos. Pelo contrário, foi justamente sua disposição em negociar e ceder, e em nome disso paralisar a iniciativa da classe trabalhadora, que fez com que o golpe institucional passasse em 2016, abrindo caminho para a ultradireita.

Mas apesar de conter inúmeros absurdos e citações direitistas, a que mais se destaca e que dá o tom de todo o artigo não é nenhuma novidade: a equiparação entre bolchevismo e stalinismo. O sinal de igual entre Lênin e Stalin, ou a ideia de que o período do Stalinismo na URSS seria apenas uma mera continuação de Lênin e do marxismo – uma ideologia avessa à “democracia” capitalista defendida pelos autores do artigo. E em segundo lugar há também a bastante bizarra a equiparação entre nazismo e socialismo – fazendo coro, aliás, com ninguém menos que o próprio Jair Bolsonaro, que afirmou reprovar “ideologias totalitárias” ao demitir o secretário da Cultura Roberto Alvim depois de forte pressão.

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Nos seus três primeiros parágrafos, os jornalistas Rafael Moro e Tatiana Dias repetem a ladainha que equipara bolchevismo e stalinismo ao citar indiscriminadamente, de um lado, um vídeo do influencer Jones Manoel – ligado ao Partido Comunista Brasileiro e defensor do stalinismo – e, de outro lado, a homenagem feita pela deputada Talíria Petrone, do PSOL, aos 96 anos do aniversário de morte de Vladimir Lênin, o grande dirigente do partido bolchevique.

Com isso buscam colocar Lênin como um ditador, e apagar sua trajetória a frente da agrupação política que liderou a tomada do poder pelos trabalhadores na Rússia, encerrando a participação russa na guerra, expropriando fábricas, distribuindo a terra e acabando com a autocracia czarista. Ou ignoram, ou deliberadamente escondem, que Stalin representa o oposto de Lênin em aspectos cruciais. Para citar apenas algumas questões, Lênin era um ferrenho defensor do internacionalismo revolucionário, enquanto Stalin defendeu a "revolução num só país" em nome da qual ajudou a derrotar processos revolucionários mundo afora para se manter no poder. Lênin defendida que todos os partidos dos trabalhadores atuassem nos soviets, e que isso deveria ser o embrião de um Estado que criasse as condições para deixar de existir. Stalin na antípoda do que Lênin defendeu tornou as medidas de exceção centralizadoras tomadas durante a guerra civil em norma, e burocratizou a URSS instaurando um Estado policial, em nome do qual perseguiu e assassinou todos que se opunham a ele dentro do partido. Stalin buscava enterrar as conquistas que Lênin havia obtido, e não aprofundá-las ou segui-las. Lênin conduziu os trabalhadores à vitória. Stalin foi o grande organizador de derrotas.

Pobre Czar...

O artigo em questão demonstra empatia ao czar russo, enquanto censura a violência da revolução. Nenhum palavra de represália ao assassinato de milhares de trabalhadores em 1905 pelas mãos do czar. Como acreditam que seria possível retirar do poder uma das mais brutais autocracias da história? Provavelmente os autores aconselhariam pedir educadamente... ou talvez se fossem russos em 1917 pediriam para os Bolcheviques moderarem aquele discurso radical, afinal de contas “ficar elogiando ditadores como Robespierre é se entregar à polarização em fazer o jogo da direita”.

De fato é no mínimo tendencioso que citem a Revolução Russa e não façam justiça histórica – como, por exemplo, ao citar a fome na Ucrânia sem citar o bloqueio e o boicote mundial feito pelas potências contra a URSS. Desta forma colaboram com as mentiras fabricadas pelos livros de história capitalistas. O que esperar de quem sente pena do czar.

Aliás, este artigo ’vai bem’ em sintonia com recentes falsificações como as mentiras inventadas pela Netflix sobre Leon Trotski, e outra série de uma Tv russa como mentiras sobre o próprio Lênin. Coincidências?

O artigo possui muitas contradições em si, mas talvez a pior delas seja que, ao mesmo tempo em que ele não fornece base para defender nenhuma das suas propostas, ainda assim tenta se auto-justificar através de uma posição pedante e exclusivista da autoridade intelectual da pequena-burguesia frente ao direito de exercer o debate político.

Segundo os autores, “só 30% dos brasileiros não conseguem ler e compreender um texto”. Se o Intercept considera este suposto fato (que não consta de fonte) como uma barreira, isto diz muito da concepção política do jornal – uma concepção de que os "incultos" ou marcados pelo “analfabetismo funcional” (citação literal do Intercept), não estão convidados à arena política. E quando esta classe adentra a arena, apesar da proibição expressa pela pequena burguesia, então o resultado é o “autoritarismo” e o “totalitarismo”.

Não à toa a revolução russa causa ojeriza aos autores: a grande revolução de 1917 foi feita por operários super explorados com baixíssima ou nenhuma formação e uma imensa massa camponesa - em grande parte analfabeta - que vivia num dos campos mais atrasados da Europa, e tinha sido liberta da escravidão apenas algumas décadas antes. A revolução Russa, é claro, iniciou um importante processo de educação em seus primeiros anos, muito mais avançado que qualquer outra potência mundial.

Porém esta não é a questão em discussão. A questão é quem faz a história: a pequena burguesia, seja a fascista, ou seja, a “civilizada e alfabetizada”, asceta que se enoja com a violência que é parteira da história. A polarização, que tanto os assusta é apenas resultado de uma sociedade construída e antagonismos irreconciliáveis. Os que a temem, temem a luta de classes – temem os passos largos da história. Procuram soluções mágicas. Falsificam o passado, afirmam que o stalinismo e a revolução dos trabalhadores são tudo uma mesma coisa – escondem que as primeiras vítimas de Stalin foram aqueles que fizeram a revolução de outubro, e que o grande fiel da balança pela manutenção das democracias liberais no ocidente foram as contrarrevoluções dirigidas pelo stalinismo.




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