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Louise era colega de faculdade de Vinícius. Vinícius queria um relacionamento. Louise não queria. Vinícius chama Louise para uma conversa. Louise aceita. Vinícius diz que vai se suicidar. Louise o abraça. Vinícius a mata. Dopa, afoga, intoxica, põe fogo. Feminicídio, pensado, calculado, qualificado, cruel.

quarta-feira 16 de março de 2016 | 02:00

A introdução acima poderia ser o enredo de uma novela, o início do roteiro de um filme, de uma peça, de um musical pitoresco e sanguinário, estilo O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet. Mas é o triste fim da vida de Louise, 20 anos, estudante de Biologia da UnB. Foi assassinada por um homem que, assim como em tantos outros assassinatos de mulheres, não soube lidar com o não.

A jovem foi até um laboratório da UnB, onde havia combinado de se encontrar com seu assassino, e lá foi dopada com clorofórmio, forçada a ingerir o líquido tóxico, que depois foi utilizado por Vinícius para atear fogo em seu corpo. O assassino ainda utilizou o carro da vítima para se desfazer do corpo, devolveu o carro aonde estava estacionado antes e voltou para casa tranquilamente. No dia seguinte, confessou calmamente o crime, levou a polícia ao local onde estava o corpo e, com tranquilidade e entre sorrisos, contou os detalhes de como acabou com a vida da jovem estudante.

Infelizmente, Louise foi apenas mais uma a menos

O Brasil é o quinto colocado no ranking dos países com maior número de assassinatos de mulheres. É uma média de 13 assassinatos por dia, o que da perto de um assassinato a cada 2 horas. Nada a se orgulhar desse “belo” posicionamento no ranking. Logo na semana do 8 de março, o caso de Louise ganhou notoriedade por ter acontecido dentro de uma grande universidade federal, e também pela assustadora tranquilidade do assassino em confessar e detalhar todo o ocorrido, dizendo ainda que foi tomado por um “ataque de fúria” e não sabe por que a matou, apenas que não foi por amor. Obviamente não foi por amor, mas muitos homens utilizam essa desculpa para justificar o injustificável, e a própria polícia e mídias nomeiam esses feminicídios como “crime passional”, motivado pela paixão.

Pesquisas ainda mostram que mesmo após a criação da Lei Maria da Penha, mulheres seguem sendo agredidas, violentadas e assassinadas por seus companheiros. Ainda que a criação de uma lei para proteger mulheres da violência conjugal seja uma conquista, no país de uma mulher na presidência, as mulheres continuam violentadas e assassinadas, o que mostra que além da lei ser falha, sua aplicação não se da em muitos casos. Mulheres são desencorajadas nas delegacias a denunciarem a violência, são orientadas a aguardar que o marido “esfrie a cabeça”, a “resolver problemas do casal entre o casal”, levando ao limite o velho ditado “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Faltam casas-abrigo para todas as que conseguem denunciar e seus filhos, o que as obriga a voltar pra casa e correr o risco de uma nova violência.

O feminicídio chegou à universidade

Sabe-se que a maioria das mulheres agredidas e assassinadas por seus companheiros e ex-companheiros são trabalhadoras, moram nas periferias, são em sua maioria negras, e enfrentam obstáculos enormes para conseguir denunciar e acabar com sua violência. Mas isso não significa, por exemplo, que jovens universitárias não estejam sujeitas a serem a próxima vítima. Louise e Vinícius eram estudantes de uma das mais importantes universidades federais do país, que foi também palco deste crime.

Após o ocorrido, a reitoria da UnB decretou 3 dias de luto por Louise. Houveram homenagens, minutos de silêncio, depoimentos de professores, colegas, tudo em atividades onde todos os estudantes foram liberados de suas aulas para poder participar. Porém, após fazer um discurso sobre a necessidade de se debater o feminicídio, a Universidade de Brasília diz que vai analisar o pedido de expulsão de Vinícius. A reitoria também declarou que vai aumentar a segurança e iluminação do campus. Mas qual o real significado de “mais segurança”, ainda mais para uma universidade que precisa analisar se vai expulsar um assassino?

Nos últimos anos, alguns casos de estupro e violências diversas aconteceram na UnB. Além desses casos, alguns anos atrás foi criada uma página no facebook que recebia denúncias anônimas de assédio na UnB, e em pouco tempo houve um “boom” de denúncias de assédio que acontecem dentro do campus, por alunos e por professores. Foi na UnB também que surgiu o grotesco site que dava um guia completo de “como estuprar uma estudante da UnB”. No ano passado, com a campanha #meuamigosecreto, surgiram várias denúncias e foi montado um dossiê contra um professor da universidade e entregue na reitoria. Em todos esses casos, a resposta da reitoria foi quase que o total silêncio. Com relação ao professor, que possui um dossiê de denúncias, cerca de 3 meses após as denúncias ele foi ouvido e não se sabe mais o andamento do caso.

Essas situações são da UnB, mas são recorrentes em várias universidades. Assim como o silêncio das reitorias, que se calam frente as violências, aos trotes, aos casos de machismo, racismo e LGBTfobia, enquanto mantém trabalho terceirizado, praticamente semi-escravo, com mulheres negras, na maioria, ganhando salários de miséria e correndo riscos diariamente ao ter que sair de casa ainda de madrugada para pegar ônibus e ir limpar a universidade. Como em todas as universidades, sabemos o que a reitoria quer dizer com “mais segurança”: mais polícia dentro do campus. Assim como também sabemos que a polícia no campus não diminui a violência – a USP tem um acordo com a PM e isso não evitou que um jovem fosse baleado no prédio da FFLCH ano passado. Basta puxarmos na memória – ou no google – e encontramos o papel que a polícia cumpre dentro das universidades: traz segurança apenas ao patrimônio, aos burocratas e aos interesses dos governos e empresários. Para isso, garante repressão aos que se levantam e se colocam contra a lógica de funcionamento da universidade.

É urgente que se garanta mais iluminação e poda de árvores nos campus. Mas a segurança nas universidades públicas, para garantir que mais nenhuma mulher seja assassinada, que mais nenhuma mulher seja estuprada ou agredida, está diretamente ligada à ocupação do espaço público. Vai se dar quando a universidade for aberta, deixar de ser um local elitizado e passar a ser público de fato, com a população ocupando e utilizando aquele espaço, circulando lá dentro, e não com suas ruas desertas a noite, já que a população não pode frequentar o espaço.

Além disso, no último período temos visto as mulheres questionarem muito mais as opressões, e vários movimentos de mulheres vem se formando nas universidades. É urgente que frente a esse escândalo, as mulheres se organizem e se mobilizem para deixar claro que não aceitarão mais essa violência. Não basta a reitoria falar que é necessário que a sociedade debata a violência contra as mulheres, mas é preciso que a reitoria garanta espaço para que as estudantes possam discutir suas opressões e também se organizar contra elas. As entidades estudantis, enquanto espaços de luta do estudantes, devem ser ferramenta de organização das mulheres e devem estar na linha de frente do combate às opressões, inclusive aquelas que acontecem silenciosamente, dentro e fora de sala de aula, com o aval das diretorias e reitorias.

Justiça para Louise!

Basta de mulheres assassinadas diariamente! Louise infelizmente foi mais uma. Gritaremos por sua justiça, por punição para seu assassino, e não vamos retroceder: não aceitaremos mais nem uma menos, nem dentro nem fora das universidades. Hoje, somos todas Louise.




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