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LANÇAMENTO: MULHERES NEGRAS E MARXISMO | "Mulheres Negras e Marxismo", livro de combate em meio à pandemia: entrevista com Odete Assis

Entrevistamos Odete Assis, uma das organizadoras do livro “Mulheres Negras e Marxismo”, que está sendo lançado pelas Edições Iskra e se propõe a ser uma ferramenta para armar a luta anticapitalista, antirracista e feminista das mulheres negras e seus aliados.

sábado 20 de março de 2021 | Edição do dia

Esquerda Diário: Por que vocês decidiram organizar esse livro?

Odete Assis: A organização desse livro foi feita junto às minhas camaradas Letícia Parks e Carolina Cacau, sem falar em muitas outras companheiras e companheiros que contribuíram nessa trajetória. Esse livro quer ser uma modesta, mas esperamos que importante, contribuição com a tentativa de avançar em um debate fundamental – particularmente em nosso país – que é o da luta das mulheres negras, um dos setores mais atacados pelo sistema capitalista, posto que sofre as mais pesadas cargas de exploração e opressão. No Brasil, o maior país negro fora da África, em que contamos com imensos contingentes de trabalhadoras negras, como por exemplo a incrivelmente numerosa categoria das empregadas domésticas, ou as trabalhadoras terceirizadas do setor da limpeza – em grande parte negras, é absolutamente imprescindível pensar como se estrutura a combinação entre racismo e machismo que aflige essas mulheres para pensarmos como enfrentá-lo.

Esquerda Diário: Estas questões fundamentais que você apresentou fazem parte da história da formação de nosso país. E hoje, no contexto atual, como você vê que se apresentam esses debates e sua importância?

Odete Assis: A crise capitalista que se iniciou em 2008 nos EUA, e que se agravou muito no contexto da pandemia, reforçou imensamente os ataques ao conjunto da classe trabalhadora em todo o mundo. Sabemos que cada vez que os trabalhadores são atacados, são seus setores mais precarizados os que são mais duramente atingidos, e, no Brasil, isso quer dizer que são diretamente as mulheres negras aquelas que sentem na pele a ganância capitalista que luta para preservar suas taxas de lucro se transformar em uma nova ofensiva contra nossos direitos. Vemos isso com as reformas trabalhista, da previdência, a lei do teto de gastos, a terceirização irrestrita, o desemprego, a violência policial que só cresce e que mata os filhos dessas mulheres nas periferias, a proibição do aborto, o aumento da violência contra as mulheres e feminicídios, entre tantos outros exemplos. Isso reforça a atualidade desses debates e a necessidade de nos armarmos teórica, política e estrategicamente para as lutas que estão colocadas e que estão por vir. Por outro lado, também foi nessa pandemia que vimos multidões imensas tomarem as ruas dos EUA, depois em todo o mundo, com a força do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) após o assassinato de George Floyd por um policial. Vimos que a fúria do povo negro contra o racismo assassino do capitalismo possui um potencial imenso, explosivo, que pode desencadear a luta de milhões em todas as partes. É nesse potencial que nos apoiamos, e que queremos levar até o fim, para que das revoltas surjam as revoluções que poderão, enfim, construir um caminho para o fim do racismo e da exploração.

Esquerda Diário: No livro vocês também apresentam algumas lutadoras negras e trazem entrevistas, não é?

Odete Assis: Sim, para nós é fundamental resgatar a história das mulheres negras, das lutadoras que vieram antes de nós. A historiografia oficial, feita pelos intelectuais, acadêmicos, professores ligados à burguesia, faz questão de apagar qualquer rastro de nossa história de luta. Difundem mitos absurdos, como de que os negros teriam sido escravizados em lugar dos povos indígenas por sua “docilidade” e “aptidão para o trabalho”. Criam caricaturas grotescas de grandes guerreiros negros, como sobre Zumbi dos Palmares. No governo de Bolsonaro, esses absurdos cresceram muito, com o próprio presidente da Fundação Zumbi dos Palmares, Sérgio Camargo, servindo como porta-voz das falsificações históricas mais absurdas. A história de luta, de resistência, de insubmissão do povo negro e das mulheres é imensa, riquíssima. A luta revolucionária em nosso país começa com a história dos Quilombos. Assim, trouxemos um pouco da história de guerreiras como Dandara, Luiza Mahin, Aqualtune Palmares, para despertar essa chama de resgate dessas guerreiras que nos inspiram. Também relembramos Carolina Maria de Jesus, que foi uma potente voz de denúncia dos absurdos de nossa sociedade com seus escritos.

Resgatamos um pouco da história de luta do povo negro estadunidense com a entrevista a Ericka Huggins, que foi uma liderança do Partido dos Panteras Negras, uma organização de luta que foi caçada impiedosamente pelo Estado racista dos EUA, e teve quase todos os seus líderes presos ou assassinados. E, como nosso livro procura sempre trazer a história para preparar as lutas de hoje, também fizemos questão de entrevistar mulheres que hoje são vítimas do racismo assassino do Estado brasileiro e de sua polícia, e estão em luta por justiça. É o caso de Mirtes Renata, mãe do jovem Miguel, um menino de apenas cinco anos que foi vítima da negligência da patroa de Mirtes enquanto ela trabalhava como empregada. E também Vitória Guimarães, filha de Marcelo, trabalhador assassinado pela polícia do Rio a caminho do trabalho. São dois casos que ocorrem em plena pandemia, quando vemos recrudescer a violência racista e machista. A luta por justiça delas deve ecoar na voz e na luta de cada mulher negra e cada trabalhador desse país.

Esquerda Diário: E quais desafios vocês veem colocados para hoje, que lutas esse livro que ajudar a inflamar?

Odete Assis: Além dessas que já coloquei, é fundamental pensar que a pandemia que vivemos não tem como causa fundamental um vírus; ele é, digamos, um estopim “biológico”, mas sem dúvida os grandes responsáveis pelas milhões de mortes mundialmente são os representantes do capitalismo: os governos, as empresas, as agências imperialistas. No Brasil, Bolsonaro, os governadores e prefeitos são os testas-de-ferro de uma política assassina que segue, mesmo após um ano de mortes, enviando para a morte milhares. Por trás deles estão empresários, seja os que em cada local de trabalho submetem trabalhadores a condições de trabalho absurdas e inseguras – como as que desencadearam a revolta dos entregadores de aplicativos no ano passado – mas principalmente das grandes indústrias farmacêuticas, que em nome dos lucros bilionários que estão tendo na pandemia fazem de tudo para impedir que seja disponibilizado tratamento e imunização contra a COVID-19 para todos. E, por mais que se diga que estamos todos no mesmo barco, não é verdade: a pandemia atinge muito mais duramente os trabalhadores, o povo negro, as mulheres negras. São os que têm as piores condições de vida, de alimentação, moradia, saneamento, e isso em si já significa uma imunidade muito mais suscetível ao vírus. As medidas de lockdown, uma pura demagogia para encobrir as políticas de morte dos governos, não apenas servem como pretexto para aumentar a repressão policial contra os negros nas periferias, como jogam na miséria tantos trabalhadores, e ainda ridiculamente os confinam muitas vezes a “quarentenas” de fome e miséria, em casas pequenas e apertadas onde o contágio só pode ser mais rápido. Lutar contra a política de morte que vem sendo colocada pelos governos nessa pandemia é a luta mais fundamental, é hoje a principal luta para afirmar que as vidas negras importam.




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