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DANÇA | Morre Maya Plisetskaya, a rainha do ar

Morreu no dia 2 de maio, aos 89 anos, na Alemanha vítima de ataque cardíaco, a bailarina russa Maya Plisetskaya. Nascida em 20 de novembro de 1925 em Moscou era e ainda será, mesmo após a sua morte, um dos maiores ícones da dança no século XX.

Gabriela FarrabrásSão Paulo | @gabriela_eagle

quinta-feira 7 de maio de 2015 | 00:00

A notícia de sua morte foi dada por Vladmir Urin, diretor do teatro Bolshoi; segundo ele: "Ela morreu de um grave ataque cardíaco. Os médicos lutaram por sua vida, mas não puderam salvá-la". O mundo da dança lamentou a morte da lenda do Ballet Bolshoi (escola russa e a mais renomada escola de Ballet do mundo), que tinha como alcunha "rainha do ar".

Maya começou a dançar aos 3 anos e se formou na Escola de Dança de Moscou em 1943; tornou-se a primeira bailarina do Bolshoi no mesmo ano, quando tinha apenas 18 anos. Era filha de pais artistas, sendo a mãe dela a atriz Rachel Messerer, uma atriz dramática estrela do cinema mudo. A bailarina teve o pai, Mikhail Plisetski, executado por ordem de Stalin em 1938 por ser um artista judeu; já sua mãe, também judia, foi deportada com seu irmão para um gulag (campos de trabalho forçado para os prisioneiros do stalinismo, onde foram presos bailarinas, escritores, jornalistas, trotskistas, anarquistas e outros opositores ao stalinismo).

Plisetskaya sofreu dez anos de veto na união soviética, o que a levou a buscar uma carreira internacional dançando nos Estados Unidos, França, Inglaterra, Itália (onde foi um quadro importante em uma das maiores companhias de dança de Roma), Argentina e Espanha (onde foi diretora do Ballet Clássico Nacional da Espanha).

A consolidação da carreira internacional permitiu que Maya voltasse para a Rússia e se atrevesse a romper com a rotina que o stalinismo impunha ao Ballet de obediência às convenções acadêmicas, incorporando a dança moderna ao ballet russo junto a importantes coreógrafos da época. Esse rompimento com a imposição stalinista livrou a dança russa de um atraso a que ela ficou presa devido ao regime autoritário, que ditava como deveria ser a arte e não aceitava mudanças no que considerava ser o belo e clássico; devido a isso a dança russa foi uma das últimas a absorver a dança contemporânea quando ela já atingia seu ápice em outros países, como França e Inglaterra.

Esse rompimento com as convenções acadêmicas a levou a contribuir muito para a evolução do ballet e para importantes mudanças coreográficas e interpretativas da dança; até hoje a maneira enérgica de dançar, seu caráter forte e ao mesmo tempo a leveza de seus movimentos ainda são modernos e fora do padrão academicista.

Em 1947 subiu pela primeira vez no palco para interpretar "O lago dos cisnes", obra que dançou até 1977 mais de 800 vezes. A obra que conta a história da princesa Odette, que amaldiçoada foi transformada em cisne e morre ao fim da peça junto de seu amado, é até hoje um dos ballets mais populares e conhecidos - é também a peça de fundo do filme "Cisne negro", que popularizou novamente o ballet. Em sua autobiografia "Eu, Maya Plisetskaya", a bailarina fala sobre esse espetáculo da seguinte forma: "Sempre acreditei e sigo acreditando que ’O lago dos cisnes’ é uma prova para qualquer bailarina. Nesse ballet não se pode esconder nada. Tudo está na palma da mão: dos personagens, o negro e o branco, toda a paleta de cores e provas técnicas, a arte da transformação, o drama do final."

"A morte do cisne", a cena final do ballet "O lago dos cisnes", é a expressão máxima da brilhante interpretação de Maya. Ela surge no palco de costas ao público, ao som da canção de Tchaykovski, os braços batendo como se fosse asas e como se não existisse ossos que os preenchessem por dentro; os braços em asas se debatendo desesperadamente. Sempre nas pontas dos pés, Odette agoniza seu último instante de vida morrendo por amor enquanto suas asas, seus braços, batem desordenadamente até que sua dor cessa e a bailarina estanca no meio do palco, um dos braços erguidos em convulsão.

Plisetskaya foi uma bailarina muito versátil conseguindo interpretar diferentes personagens sem confundir as características delas. Interpretou desde a perturbada Zarina em "A fonte de Bakhchisarai", a malvada Kitri de "Dom Quixote", até as personagens principais de "Carmen" e "Anna Karenina"

A bailarina foi reconhecida pela crítica e agraciada com diversas premiações como os prêmios "Artista do povo da URSS", "Prêmio de Lenin", "Ordem pelo ’mérito pela pátria’", "Herói do trabalho socialista" e o mais importante entre esses o prêmio "Príncipe de Astúrias das artes", em 2005. À época dessa premiação o júri declarou que Plisetskaya tinha "convertido a dança em uma forma de poesia em movimento, ao combinar qualidade técnica com sensibilidade artística e humana". Mas, para além das premiações, o maior reconhecimento em relação a Maya foi a quantidade de bailarinos brilhantes que surgiram após ela e a reivindicam como principal influência.

Maya Plisetskaya foi uma das mais belas bailarinas e sua Odette ficará para sempre registrada como a maior entre todas. Mas sua coragem de romper com a imposição stalinista e fazer avançar a dança para além das regras vigentes, em busca de uma arte emancipada de ordens, será o seu legado mais importante ao mundo do ballet - que perde uma de suas maiores bailarinas - aos bailarinos - que ainda a buscarão como inspiração - e aos espectadores, que choraram, e ainda chorarão com a sua brilhante interpretação da morte do cisne - e que hoje se emocionam com as danças no palco, que são o que são hoje porque um dia Maya existiu sobre os palcos.




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