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A história de Rachid não é um caso isolado, sua história é a de milhões de trabalhadores e trabalhadoras na obscuridade. Assumir a sexualidade, quando esta não corresponde à norma heterossexual, é um combate em todas as classes sociais.

quinta-feira 11 de fevereiro de 2016 | 00:46

Assumir a sexualidade não heterossexual é ainda mais difícil quando se é operário e os patrões a usam para nos humilhar e manter sob sua dominação. Infelizmente, a história das pessoas LGBTI na classe operária tem sido também a da marginalização de suas lutas nas organizações do movimento operário.

Por exemplo, a homossexualidade foi, para os partidos stalinistas até os anos 1970, uma “tradição estranha à classe operária”. No entanto, como a história de Rachid mostra, a classe operária também é gay, lésbica, bissexual, trans, intersexo, etc.

Esta é uma história de vida e de luta de um trabalhador imigrante na França, contra um sistema que explora, que oprime, mas também que da confiança à todos os trabalhadores e trabalhadoras em sua luta de todos os dias:

Meu pai veio da Argélia em 1947. Primeiro trabalhou nas minas do Norte de 1947 à 1951, e depois na fábrica Faure Electroménager. Casou-se com minha mãe em 1959, com quem teve quatro filhos. Eu sou o segundo, nascido em 1961, um ano antes da guerra da Argélia. Aos 16 já sabia que era diferente dos demais.

Aos 14 anos tinha amigos na vizinhança com quem nos deitávamos na grama durante o verão, pois não tínhamos dinheiro para sair de férias. Todo mundo pensa que aos 14 anos você se interessa pelas meninas, mas eu olhava para os meninos. Enquanto meu irmão mais velho olhava sob as saias das meninas, eu me perguntava: “Sou normal?”. Na minha cabeça eu dizia que tinha um problema...

Nessa época eu era aprendiz de padeiro. Ia à escola três semanas, depois trabalhava três semanas. Começávamos o trabalho às quatro da manhã, ao invés de às seis. O patrão dizia que devíamos fechar a boca e os outros empregados também eram muito desagradáveis. No final das contas, era tratado como um escravo, trabalhava seis dias da semana e nem sequer recebia um salário!

Depois de três semanas de trabalho, me davam como “salário” dois pastéis e um brioche. Quando voltava pra casa, meu pai estava muito desgostoso porque via que seu filho, um filho de imigrante, deixava-se humilhar no trabalho.

Durante esses anos eu não mostrava nenhum sinal de quem eu era no fundo, mesmo quando me atraí por um menino da vizinhança. Cada vez que o via eu vibrava, mas não podia expressá-lo pelo medo “do que diriam”. As coisas complicaram-se quando comecei a trabalhar na fábrica. Meu pai me levou para a Porcher em 1979, tinha 18 anos.

Aos sábados saíamos às discotecas com os meninos da vizinhança e, para mostrar que eu era como eles, dançava com as meninas e inclusive chegava a beijar algumas! Mas vivia mal, porque sabia que era diferente. Um dia me olhei no espelho e me disse: “Sou viado, como é que vou fazer?”. Eu tinha muito medo sobre os outros, você tem 18 anos, tem medo do seu futuro.

Na fábrica, cada vez que abria meu armário, me perguntavam por que não tinha fotos de mulheres nuas, como todos os outros. Na classe operária temos muitas dessas fotos. Um companheiro de trabalho me dizia: “viu esta xota?”, eu não dizia nada, não me interessava, era totalmente indiferente. Perguntavam-se no trabalho: “Como foi a discoteca no final de semana? Fodeu muito?”. Eu dizia que sim, que flertei muito. Era impossível dizer que era gay, sobretudo quando vinha de uma pequena cidade como a minha.

As coisas pioraram quando um colega começou a dizer-me todas as segundas: “Como está, artaïl?”. Artaïl quer dizer viado em árabe. Eu respondia “cale a boca!”, mas me doía, porque era verdade e tentava me proteger.

Fui fazer meu serviço militar na Argélia de 1984 à 1986 e ali foi bem complicado. No quartel estava rodeado de homens muito bonitos, e eu resistia! Eu sabia que no quartel passavam coisas, sabia que a homossexualidade estava presente. Estava a todo tempo dividido entre o desejo e a abstinência.

Durante o Ramadã, cheguei a rejeitar um cara porque não queria que soubesse mas, no entanto, ele era muito bonito! Uma vez que voltei à França tive muitos empregos. Trabalhei alguns anos em um centro de fast food de Paris, e depois fui à Savoie para trabalhar na construção de instalações olímpicas durante dois anos.

Finalmente, em 1993, conheci alguém, um africano bissexual, e foi nesse momento que comecei a me assumir. É aqui que minha vida sexual começou realmente.

Eu penso que os operários também têm direito a uma sexualidade e direito à felicidade. A classe operária também tem que ser feliz! Olhando ao passado, lamento não ter me assumido mais cedo, mas a situação não me permitia, sobretudo em uma pequena cidade.

Na minha família começavam a se perguntar por que eu não estava casado, quando todo mundo já estava e tinha filho, queriam que eu fizesse como eles. Começava a ficar asfixiado pelas perguntas e histórias de casamento, então decidi fazer minha “saída do armário”. Primeiro contei aos meus irmãos. Nessa época eu era muito magro, parecia doente, é por isso que meu irmão teve medo quando lhe disse que tinha algo para contar, pensou que eu ia dizer que tinha uma doença.

Meu outro irmão, que é ferroviário, que é alguém muito sentimental, começou a chorar me dizendo que eu sempre seria seu pequeno irmão, mas que tinha medo das possíveis agressões (que eram recorrentes nessa época) e das consequências com a família e a vizinhança. Meu pai faleceu antes da minha “saída do armário”. Foi muito doloroso, mas estou contente de não ter lhe dito, não queria feri-lo. Meus irmãos estavam de acordo, não sei como haveria reagido.

Em 2005 cheguei às cozinhas de uma universidade. O chefe parecia boa pessoa no princípio e os colegas também. Em 2007 todos sabiam que eu era gay e o chefe dizia que não me incomodava, mas no fundo não era verdade, o que passou depois confirmou isso. Me convidava ao seu escritório onde me mostrava imagens pornográficas no seu computador para ver minha reação, ou às vezes me empurrava sobre um colega dizendo “aproveita!”. Mas eu não dizia nada porque era um trabalhador precário. Era o viado do serviço e todos me conheciam assim. Tudo isso porque era precário. Se não tivesse sido precário, não teria deixado me tratar assim! E a direção da Universidade nada fez durante anos. Era pior que na fábrica.

Um dia, depois da primeira assembleia geral, desata uma greve. Encontro-me com o chefe e lhe digo: “Bom dia chefe, tudo bem?” e ele me responde “Como está, viado?”. As máscaras haviam caído... Servia-se da minha precariedade e da minha orientação sexual para me humilhar. Me atacava porque havia decidido fazer greve. Esta greve contra a precarização também serviu para denunciar esta hierarquia.

Muitas pessoas sofriam no serviço porque o chefe também era racista e sexista, tinha que ir. No final, ganhamos a greve, obtivemos os contratos que pedíamos e o chefe se foi. Infelizmente apenas o mudaram de serviço, ainda está por ali, em algum lugar.

A classe operária tem direito à felicidade. Temos que defender a diversidade entre os trabalhadores, e ser feliz é importante. Há muito que fazer nesse sentido.

Traduzido do francês ao espanhol por Claude Scorza, Révolution Permanente, França.
Tradução do espanhol: Iaci Maria




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