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SEMANÁRIO

Mianmar, Colômbia e Palestina: tempos de internacionalismo e luta de classes

João De Regina

Ilustração: Silas Pereira

Mianmar, Colômbia e Palestina: tempos de internacionalismo e luta de classes

João De Regina

A tradição do trotskismo internacional legou um método para análise das dinâmicas, conjunturas e situações internacionais: relacionar a economia global, as políticas e conflitos entre os Estados e a luta de classes. A dinâmica entre esses três fatores não é uma simples somatória, mas uma integração dialética na qual os resultados e impactos da luta de classes adquirem um papel determinante.

Desse ponto de vista, podemos nos perguntar qual impacto as experiências de luta internacional recentes possuem na conjuntura internacional atual, marcada pela pandemia, competição entre os países em torno das vacinas e declínio das condições de vida dos trabalhadores.

Aqui consideraremos três eventos que tomaram recentemente atenção global, gerando politização e engajamento em diversos países. A continuidade das mobilizações contra o golpe em Mianmar, o levante popular colombiano contra o direitista Iván Duque, e a luta do povo palestino contra mais uma ofensiva de ocupação colonial por Israel.

Cada um desses processos possuem particularidades e naturezas muito distintas. Mas evidenciam que, neste segundo ano da pandemia, situações nacionais convulsivas, instabilidades políticas e a ação direta de massas são elementos incontornáveis da etapa atual do capitalismo. Esse cenário impõe às burguesias pelo mundo a dificuldade de se utilizar de mecanismos usuais de construção de consensos, tornando necessário o uso de métodos mais clássicos de repressão direta. Porém, a repressão não tem conseguido impedir que as experiências nacionais de luta circulem e gerem aprendizados, solidariedade e politização por todo o mundo.

No estourar da pandemia no começo de 2020 muitos analistas e intelectuais buscaram compreender qual o nível de inflexão que ela implicava nas tendências econômicas, políticas e sociais. Alguns otimistas consideraram que ela resultaria no fortalecimento de tendências harmônicas, colocariam freios nas extremas-direitas e reabilitariam os antigos ideais globalistas. Outros sintonizaram as antenas do criticismo distópico e imaginaram que rumávamos para uma nova ordem de controle, baseada em novas tecnologias de governo e de confinamentos dos corpos.

Certamente, a pandemia implicou em grandes dificuldades para as novas extremas direitas, tanto que a influência de Banon foi uma das primeiras tendências políticas golpeadas. Ao mesmo tempo, são inegáveis os autoritarismos e mecanismos de controle que acompanham as medidas de isolamento pelo mundo. Mas, de um lado ou outro, as análises subestimaram a incapacidade das burguesias darem passos sem gerar novas turbulências. Acima de tudo, essas análises ignoraram que a luta de classes, ainda que por vezes resulte em derrotas, do ponto de vista histórico, é implacável. Nesse sentido, a pandemia tornou ainda mais críticas as contradições do capitalismo pós-crise de 2008. E, em meio às tensões estruturais, os movimentos de massas e as tendências de ação direta emergem como um fator cada vez mais determinante.

O símbolo mais poderoso dessa tendência no cenário pandêmico apareceu já em 2020: a luta negra nos Estados Unidos que tornou o “Black Lives Matter” um símbolo mundial. Ela derrubou a esperança burguesa de que a pandemia e as medidas de isolamentos social gerariam sentimentos de unidade nacional e confiança no Estado. Mostrou o contrário, a demagogia do discurso de união da ONU e OMS, ao evidenciar que os trabalhadores precarizados, imensa parte negros e latinos, estavam em profunda vulnerabilidade frente a pandemia, sem direito ao isolamento, mas também sob violência racista sistêmica do Estado.

Os protestos impuseram temas incontornáveis: a relação entre exploração e racismo no capitalismo, a marca estruturalmente assassina da polícia e a importância da aliança da classe trabalhadora latina e da juventude. Internacionalmente, as mobilizações em torno do Black Lives Matter politizaram e incentivaram mobilizações na América Latina e África contra a violência policial racista, reascenderam o debate sobre o racismo e os símbolos colonialistas em países como Portugal, França e Inglaterra.

Os protestos atuais na Colômbia trazem ideias parecidas, quando vemos cartazes que dizem “um povo que sai a protestar no meio a uma pandemia, é porque o governo é mais perigoso que o vírus”. Muito além de tensões nacionais, o que os exemplos recentes de luta expressam é o potencial de se tornarem referências globais que evidenciam dilemas políticos, econômicos e sociais compartilhados em distintos lugares do globo.

Mianmar: mais de 100 dias de resistência

Em 1º de fevereiro, o exército de Mianmar, país no sudeste asiático, realizou um golpe contra o governo eleito da Liga Nacional pela Democracia (LND). A Junta Militar tentou, por meio do golpe, retomar privilégios históricos, limitados após a conturbada transição democrática iniciada em 2011.

O golpe rapidamente precisou enfrentaro protagonismo de trabalhadoras industriais têxteis, que perceberam que não eram apenas as promessas democráticas-liberais que estavam em jogo, mas suas condições de vida material e o aumento do poder dos patrões. No Dia Internacional da Mulher, uma greve geral contra o golpe unificou trabalhadores, movimentos sindicais que se organizaram na última década, movimentos feministas e LGBTs e etnias oprimidas.

A resposta da Junta Militar foi o terror, existindo inclusive orientação de tiros na cabeça de manifestantes. Uma semana após a greve geral protagonizada por operárias, o Sindicato Estudantil da Universidade Tecnológica de Yangon informava que ao menos 81 manifestantes teriam sido assassinados. Após protestos que incendiaram e saquearam fábricas de capital chinês em Yagon, a China, que possui influência e interesses estratégicos no país, exigiu o restabelecimento da ordem. O exército respondeu iniciando uma repressão que contou com mais de 30 mortos e ao menos 2000 detidos. Atualmente, o número de assassinados se aproxima da casa dos mil.

A resistência ao golpe militar confluiu uma radicalização grande de jovens que não viveram os piores anos da ditadura, o ativismo e organização crescente de uma concentrada classe trabalhadora, a organização e autodefesa de minorias étnicas. Essa articulação de resistências é o principal obstáculo à estabilização do governo da Junta Militar. Ainda que a oposição capitalista, liderada pela Liga Nacional pela Democracia (LND), busque canalizar os movimentos para uma via pragmática e negociada com a junta militar.

Com ritmos distintos, os protestos contra o governo militar continuam e a situação no país pode inclusive caminhar para uma guerra civil. No dia 16 de maio, a Junta Militar matou 5 militantes em um confronto com grupos armados de autodefesa resistentes ao golpe. Nacionalmente, há pelo menos uma década existe uma forte tendência de organização política e sindical de trabalhadores em Mianmar.

Os trabalhadores em Mianmar possuem uma longa tradição de luta e, na última década, estão experimentando processos de reorganização e de lutas. Essa reorganização não se limita aos trabalhadores em Mianmar, mas se expressa também em protestos, piquetes e ações de desobediência civil entre os mais de 25 mil trabalhadores migrantes na Coreia do Sul. Esses trabalhadores contribuem para a organização de manifestações e ações em solidariedade à luta em Mianmar e contra a repressão da Junta Militar em cidades importantes da Coreia do Sul, como Busan e Gyeongnam.

Outra tendência tem sido a radicalização de minorias étnicas oprimidas que se armam para autodefesa, lutando contra o exército. Esses processos podem confluir para derrotar a Junta Militar, garantir o direito à autodeterminação das minorias étnicas e as demandas sociais e econômicas da juventude e trabalhadores. Se isso ocorrer, não só o exército pode ser questionado, como a própria direção da oposição burguesa do LND.

Apesar da distância geográfica e cultural de Mianmar, a resistência ao golpe tem gerado atenção e simpatia não só na região, como têm surgido focos de solidariedade pelo mundo. Internamente, a mobilização em Mianmar também está atenta e solidária a outras lutas no mundo. No dia 6 de maio, o Left Voice (periódico membro da rede internacional que faz parte o Esquerda Diário) recebeu inúmeras mensagens de apoio de manifestantes de Mianmar aos protestos na colômbia.

É provável que a situação do país asiático esteja longe de se estabilizar. A Junta Militar tem avançado no controle, com muita repressão, nas cidades principais. Mas existe muita iniciativa de resistência nas periferias e aldeias. As manifestações são diárias, e o exército elegeu os grupos étnicos em luta por autonomia como um dos inimigos principais. Também não está claro se a direção da LND conseguirá uma saída pactuada ou qual será os próximos passos da China. Porém, a heróica resistência popular mostrou dificuldades para saídas puramente militares e repressivas se estabilizarem e um imenso potencial da articulação entre trabalhadoras, juventude e minorias étnicas.

Colômbia: uma vez mais o neoliberalismo questionado pelas ruas

A Colômbia vive um mês de mobilizações. Um verdadeiro levante popular que já é comparado por analistas com as greves e mobilizações dos anos 70. O governo direitista de Iván Duque foi obrigado a recuar em sua proposta de reforma tributária regressiva. Os protestos continuaram com paralisações operárias, marchas indígenas, camponeses e revoltas da juventude precarizada nos bairros da periferia.
O governo Duque está combinando repressão violenta e militarização das cidades com uma proposta de diálogo chamando as burocracias e a oposição política a negociarem. Por um lado, tenta realizar promessas de resolução de demandas parciais, fragmentando o movimento e buscando os compromissos com as burocracias para desarticular os protestos. Uma peça chave nesse propósito foi a tentativa de Ivan Duque de negociar pautas estudantis com representes de algumas entidades.

O objetivo estratégico dessas mesas de negociação é isolar os ativistas protagonistas do processo, especialmente a juventude radicalizada, para facilitar a repressão. Apesar do interesse das burocracias sindicais e da oposição burguesa em estabelecer uma negociação que estabilize o país até as próximas eleições, as mesas de negociação parecem estar fracassando. Na sexta-feira, dia 14, ficou evidente a hipocrisia das “mesas de diálogo”, quando em Cali, ao mesmo tempo em que ocorriam as negociações, inúmeras emboscadas da polícia e do esquadrão ESMAD – Esquadrão Móvel Anti Distúrbios - aconteciam pela capital. O prefeito foi expulso da mesa de negociação rompida.

No momento, a mesa de negociação, este “suposto diálogo”, está estagnada e, como resposta, o Comitê Nacional de Paralisação convocou para sexta-feira, dia 28, um novo dia de mobilização e paralisações. A resposta do governo foi de repressão brutal e reacionária. Utilizou bandos paramilitares, que ativaram junto a polícia contra manifestantes. Esse método fascista de repressão às manifestações, que é historicamente utilizado contra as marchas e mobilizações indígenas, esteve presente na cidade de Cali. A repressão em Madrid, próxima de Bogotá, também ocorreu de forma sangrenta contra manifestantes e, também, jornalistas. Os protestos do 28M colombiano mostraram que a luta continua mesmo com os recursos combinados do “diálogo” e repressão sangrenta.

Do ponto de vista do levante, formas potentes de organização estão sendo experimentadas na Colômbia. Algumas delas foram herdadas das mobilizações de 2019, como as assembleias por bairros. Nos últimos dias, as paralisações das rodovias causaram o impedimento dos embarques de café, o que gerou bastante entusiasmo nos manifestantes e indicou tendências de que as mobilizações caminhem para atacar setores estratégicos da burguesia. Os indígenas aparecem como um sujeito fundamental da resistência, organizando-se em grandes marchas, mas também realizando experimentos de autodefesa com as chamadas Guardas.

A radicalidade e espontaneidade dos processos mostram a dificuldade das direções organizadas no Comitê Nacional de Paralisação dirigirem todo o movimento. Existe uma contradição entre os interesses desses setores burocráticos com o conjunto dos ativistas e manifestantes. Cada vez ficam mais evidentes os limites dos dias pontuais de paralisação e a necessidade de uma verdadeira greve geral, dirigida de forma auto-organizada para derrubar o governo Duque.

A Colômbia, assim como o Chile e Peru, foram por muitos anos exemplos de um falacioso êxito neoliberal. Não é por acaso que as mobilizações tenham sido tão intensas nesses países. Na atual conjuntura da América Latina, esse processo é mais um alerta de perigo para o reacionário governo brasileiro de Bolsonaro, aumentando as tendências explosivas na região. Ontem, dia 29, a juventude e todos os setores que tomaram as ruas no Brasil também se inspiravam nos lutadores colombianos.

O processo colombiano também questiona a influência estadunidense como um todo, e não só a variante trumpista. O atual presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, foi um arquiteto e entusiasta do chamado “Plano Colômia”, que destinou bilhões de dólares para o financiamento militar, no contexto das “Guerras às Drogas”. Tal financiamento armou a ESMAD, que reprime as manifestações atuais.

Novamente, a Palestina é símbolo internacional contra imperialismo

Neste mês de maio, Israel voltou a bombardear a Faixa de Gaza. Misseis sionistas derrubaram prédios que abrigavam sedes da Imprensa Internacional, como a Al Jazeera e Associated Press. No dia 16, bombardeios sionistas sobre Gaza assassinaram 42 palestinos. Seguindo um histórico argumento hipócrita, o governo israelense justifica os ataques dizendo que os alvos são fachadas que escondem o Hamas e outros grupos supostamente “terroristas”. Assim, seguem destruindo escolas, hospitais e prédios residenciais.

Benjamin Netanyahu pode utilizar a ofensiva contra Jerusalém Oriental para conter certos desgastes que veio adquirindo, apelando à base mais à direita. O retorno do apoio de seu antigo aliado, Naftali Bennett, é um indício disso. O sionismo utiliza do ataque indiscriminado que assassinou, em apenas uma semana, mais de 200 pessoas, como sucesso na luta contra o Hamas. Assim, Benjamin Netanyahu tentou transformar a ofensiva militar colonial aberta – inclusive, com incursões terrestres - em êxito político.

Mas tais vitórias possuem mais contradições do que aparentam. Do ponto de vista do imperialismo estadunidense, a ofensiva militar impõe algumas complexidades políticas. O posicionamento aliado de Biden com a direita sionista é um dos empecilhos - junto à política migratória - para manutenção da retórica “progressista” de Biden, nestes primeiros meses de governo. O brutal ataque israelense gera questionamentos domésticos à Casa Branca.Especialmente, na juventude que expressou um repúdio imenso aos ataques sionistas. Por outro lado, obriga que, na política internacional, os Estados Unidos voltem a dedicar atenção ao Oriente Médio, quando o objetivo de Biden era diminuir a exposição no Oriente Médio para se concentrar na competição com a China.
Mas acima de tudo, a ofensiva de Israel abriu um novo ciclo da luta de classes palestina. Internamente, onde existe um questionamento muito grande à Autoridade Nacional Palestina, jovens e mulheres são protagonistas na resistência nas ruas contra o projeto de ocupação colonial sionista.

Regionalmente, o conflito pode se alastrar devido à influência da resistência palestina pode ter na população árabe, não só em países como Líbano, mas dentro de próprio Israel. Não por acaso, alguns analistas discutem se pode estar em curso uma terceira Intifada. Uma forte tendência em jogo é um aumento intenso de variados métodos de luta contra a agressão sionista. Os protestos pró-Palestina no interior de Israel foram bastante potentes e unificaram também judeus contrários às ações colonialistas israelenses.

No dia 18 de maio, ocorreu uma greve geral que unificou árabes de Israel e dos territórios ocupados. A greve convocada pela organização extraparlamentar “Alto Comitê de Monitoramento para Cidadãos Árabes de Israel” foi abertamente contrária aos bombardeios de Israel. A jornada de paralisações ocorreu na Cisjordânia, Jerusalém e em cidades de Israel. Alguns analistas afirmaram que a ação possuía referências históricas claras com a greve geral de 1936 contra a ocupação britânica. Cidades inteiras amanheceram desertas em uma mobilização histórica que anunciou ao mundo a união do povo palestino.

Além do ódio à ocupação sionista, as péssimas condições de vida dos palestinos, especialmente na bloqueada Gaza, aumentam os potenciais explosivos da situação. O desemprego no ano de 2020 em Gaza, em algumas regiões chegou a 50%. Nesse contexto, um dos principais alertas para Israel é o aparecimento de um jovem movimento que não responde às direções tradicionais do movimento palestino. Isso se agrava em um contexto em que a Autoridade Nacional Palestina, que governa a Cisjordânia, está desacreditada, devido à sua colaboração com Israel, e o Hamas também não é visto como uma direção que pode trazer resultados positivos aos palestinos.

As características totalmente assimétricas do conflito geram revoltas e afloram o sentimento pró-autodeterminação nacional palestina no mundo todo. Não podemos esquecer que os ataques de Israel ocorreram na semana do 15 de maio. Um dia que historicamente árabes relembram, com atos e protestos, a chamada Nakba. Essa palavra significa catástrofe e remete aos acontecimentos que obrigaram o êxodo palestino, com a fundação do Estado de Israel em 1948. Em muitas cidades pelo mundo, milhares de pessoas saíram às ruas em solidariedade ao povo palestino. Em Paris, as manifestações foram reprimidas pelo polícia. Muitas cidades no Brasil também realizaram atos em repúdio a Israel.

A solidariedade internacional à causa palestina se transformou rapidamente em uma pauta global. Em Londres, Madri e Paris, as manifestações solidárias contaram com milhares de pessoas e, algumas delas, enfrentaram a repressão da polícia. No porto de Livorno, na Itália, um grupo de estivadores se organizou e bloqueou o envio de um navio com armas para Israel. De acordo com um operário que participou da ação, ao saberem que o navio Asiatic Islande havia sido carregado com armas e estaria a caminho do porto de Ashdod, em Israel, "imediatamente entendemos que o material de guerra seria utilizado na guerra de agressão do Estado de Israel contra os palestinos.”

Não estão definidos os novos caminhos da revolta palestina, ou ainda qual será o aumento da investida militar de Israel. Nem se a ONU e Joe Biden conseguirão impor um novo pacto de paz para a região. Mas o que já podemos dizer é que a luta palestina contra a ocupação colonial sionista volta ser um centro de atenção global. Ela gera solidariedade internacional e repúdio ao Estado de Israel e ao imperialismo estadunidense, além de tensões internas no coração do Império.

Instabilidade, tendências à radicalização e solidariedade internacional

O objetivo deste artigo não é diminuir as diferenças de cada um dos eventos aqui tratados de forma panorâmica. Ainda que Mianmar, Palestina e América do Sul possam ser as principais dinâmicas da luta de classes na atualidade, o objetivo aqui é apenas destacar o caráter explosivo e internacionalista crescente desses conflitos. Isso porque eles expressam tendências importantes da conjuntura internacional e contradições que o capitalismo contemporâneo não pode resolver de forma harmônica.

Como conclusão, gostaríamos de identificar algumas dessas tendências: a emergência da classe operária, com tendências à greves de massas e de experiência de aliança com a luta de minorias étnicas e de juventude; a importância das questões étnicas e dos direitos dos povos como um fator de explosividade nacional e solidariedade internacional; por último, a tendência à ação direta e autodefesa.

Esses eventos se inserem no que podemos considerar um segundo ciclo da luta de classes pós-crise de 2008. A partir de 2018, começamos a assistir certo retorno das lutas de massas e dos trabalhadores. Na França, a radicalização dos trabalhadores precários, que se tornaram conhecidos como Coletes Amarelos, abriram caminho para um conjunto de lutas, com destaque à jornada de greves contra a reforma da previdência de Macron. Na África, países como Argélia e Sudão vivenciaram ondas de protesto. Na Ásia, Hong Kong, Líbano e Iraque vivenciaram mobilizações massivas. Na América Latina, vimos as revoltas e levantes populares no Equador, Haiti e Chile, alguns desses países com tendências à greves de massas.

Como já apontamos, a luta negra nos Estados Unidos mostrou que a pandemia poderia mudar os ritmos, mas não interrompia os processos de luta de classes. Em alguns casos aumentou a explosividade e politização dos setores mais precarizados. Essa politização conflui com os elementos estruturais do capitalismo, como o racismo contra a população negra, a violência policial, a xenofobia e a utilização de povos oprimidos como força de trabalho precarizada. No final do ano passado, vimos também massivas mobilizações e greves urbanas e rurais na Índia.

Assim, os eventos recentes discutidos panoramicamente neste artigo se inserem neste contexto crescente de luta de classes e são conflitos que estão muito além de questões nacionais. A princípio, eles representam cadeias explosivas do ponto de vista regional. Mas apresentam também potenciais de identificação entre os trabalhadores no mundo todo. Assim como a luta negra dos Estados Unidos expressava as relações evidentes entre racismo e capitalismo e contagiava negros em todo o mundo. A luta palestina, por exemplo, além de já ser um símbolo histórico de internacionalismo e anti-imperialismo, pode contagiar populações árabes pelo mundo, especialmente, na Europa que sofrem com a xenofobia.

Para países com interesses de influência global esses conflitos trazem preocupações especiais. A China já demonstrou precisar que a situação em Mianmar seja estabilizada. A Palestina, como apontamos, traz dificuldades para a política externa de Biden, e a Colômbia pode aprofundar o ciclo explosivo de luta de classes que atravessa a América Latina. Todas as influências dessas lutas sociais no jogo de xadrez das políticas externas mostram a dificuldade que os conflitos entre potências se limitem a competições comerciais e diplomáticas e, cada vez mais, possuam consequências políticas e na luta de classes.

Do ponto de vista interno, esses eventos expressam uma articulação íntima entre demandas sociais, econômicas e conflitos relacionados aos direitos dos povos e minorias étnicas. Nem o universalismo burguês clássico, nem as promessas do multiculturalismo puderam, nas últimas décadas, resolver esses dilemas no interior da fronteira nacional. Tal questão se relaciona ainda a um problema explosivo nos países centrais, uma vez que a classe trabalhadora desses países é cada vez mais negra, indígena, latina e árabe. Fazendo com que as lutas do chamado “sul global” possa contagiar a luta de classes de países como Estados Unidos, França, Alemanha, entre outros. Não suficiente, os enfrentamentos contra a brutalidade policial dessas lutas nacionais facilmente circulam o mundo gerando solidariedade e entusiasmo na juventude, fazendo com que os próximos eventos da luta de classes possuam cada vez mais tendências não só à ação direta como autodefesa como já se expressou na Palestina, Mianmar e Colômbia.

Para nós da Fração Trostskista - Quarta Internacional, esses eventos retomam a importância de resgatar a tradição internacionalista do movimento operário e colocam a importância de encontrarmos formas de fusão entre o marxismo revolucionário e as vanguardas da luta dos trabalhadores. Eles expressam também um alerta sobre a importância do debate estratégico entre a esquerda frente aos acontecimentos internacionais. Pois, o que estamos vendo, na insurgência de novos ciclos da luta de classes, é que saídas institucionais, reformistas e pactuadas são cada vez mais infrutíferas e até mesmo utópicas frente às contradições agudas do capitalismo contemporâneo. A luta dos oprimidos tem apresentado tendências à radicalização que tornam urgente aos socialistas acelerarem as reflexões e iniciativas sobre como se construir partidos revolucionários. Com esse intuito, lançamos o manifesto “O desastre capitalista e a luta por uma Internacional da Revolução Socialista e convidamos a todos para debater essas ideias no calor das solidariedade ativas às lutas globais em curso.


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