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CULTURA | Mário Pedrosa: o “arauto das vanguardas"

terça-feira 23 de fevereiro de 2016 | 00:30

Exercer a crítica de arte não é um passatempo aliado ao humor do mercado, sempre pronto em lançar “a novidade da vez". Mário Pedrosa sabia que a profissão natural do crítico é ser revolucionário. Embora não concebesse o significado libertador da arte da mesma maneira ao longo de sua trajetória intelectual, Pedrosa via a criação artística como uma atividade que a exemplo da política, impulsiona a emancipação do homem. Somente aqueles que sofrem de miopia intelectual ignoram o significado estético revolucionário que as reflexões de Mário Pedrosa podem oferecer hoje para artistas militantes. Reler as ideias deste pensador brasileiro é uma tarefa que interessa a todos aqueles que pretendem superar juízos viciados na crítica de arte brasileira.

Enquanto alguns teóricos e artistas mergulham nas reflexões estrábicas e relativistas de autores conservadores, dando credibilidade a verdadeiros contos da carochinha, os escritos de Pedrosa oferecem uma importante contribuição para recolocarmos as artes visuais e a arquitetura no rumo que condena a civilização capitalista. Sem abrir mão da alavanca do marxismo para compreender os fenômenos artísticos, Pedrosa realiza uma crítica que analisa a arte moderna enquanto um amplo movimento que complementa no âmbito da cultura o processo político revolucionário. Este movimento diversificado, colocou o crítico brasileiro em sintonia intelectual com as mais diferenciadas concepções revolucionárias da arte: das relações do expressionismo alemão com a arte social, passando pelas lições artísticas libertárias do Surrealismo e chegando à defesa do chamado abstracionismo.

O fato de Mário Pedrosa ter sido durante os anos 30 um dos introdutores e organizadores da Oposição Internacional de Esquerda no Brasil, leva-nos a compreender que suas atividades como pensador político e crítico de arte nascem da experiência com o trotskismo. Ainda que não tenha sido trotskista durante toda a sua vida, é no debate estético enraizado no trotskismo que encontramos a base de sustentação do pensamento de Pedrosa: seu internacionalismo e sua compreensão quanto às qualidades utópicas da arte moderna o colocam como verdadeira exceção na vida cultural da esquerda brasileira; afinal a sua contribuição teórica batuta permite refletirmos sobre as relações progressistas entre arte e revolução sem cair naquela conversa fiada em torno de uma “cultura nacional-popular". Sem nunca perder de vista o socialismo, ele acercava-se das experiências estéticas que diagnosticavam o quanto a cultura burguesa ficou caduca.

O internacionalismo de Mário Pedrosa chacoalhou o provinciano ambiente cultural brasileiro. Em 1933 com a clássica conferência “As Tendências Sociais da Arte e Kathe Kollwitz" no CAM (Clube dos Artistas Modernos), Pedrosa oferece uma pioneira análise marxista da arte realizada em solo brasileiro. Entendendo a arte enquanto trabalho, portanto de acordo com os níveis de desenvolvimento técnico dos meios de produção, Pedrosa defende a necessidade de uma “arte proletária", cujo grande exemplo encontrava-se na obra da gravurista alemã Kaethe Kollwitz. Caberia ao proletariado resgatar a função social da arte. “Arte proletária ?! Como é que um trotskista pode dizer uma coisa dessas?!” Fiquemos tranquilos: em Mário Pedrosa a chamada arte social, que coloca o proletariado à frente da criação artística, tem os dois pés fincados nas técnicas artísticas de vanguarda e não tem nada a ver com os equívocos teóricos do Proletkult e com as lorotas do Realismo Socialista. Se Trotsky analisou corretamente na obra Literatura e Revolução que a missão histórica do proletariado não é criar uma cultura de classe e sim promover uma cultura voltada para toda a humanidade, Pedrosa não estava defendendo uma arte burocratizada que carrega o carimbo de “proletária". O que o autor brasileiro salienta é a necessidade de pensar as atividades artísticas revolucionárias realizadas pelos trabalhadores (e para os trabalhadores), fazendo inclusive uma ponte entre arte moderna e classe operária (os “artistas sociais” exprimem a vida coletiva e os sentimentos do proletariado).

As relações de amizade de Mário Pedrosa com surrealistas desde a década de vinte (notadamente com André Breton e Benjamin Péret) e seu crescente interesse por experiências vanguardistas como o Construtivismo russo, levaram o crítico a buscar na arte sua substância revolucionária para além da obviedade do assunto político imediato. Defensor obstinado da arte revolucionária independente, Pedrosa afastou-se dos perigos burocráticos em torno da “arte proletária" para encontrar, a partir do pós guerra, seu objeto de estudo na arte abstrata. O valor universal e aparentemente “desinteressado" da forma geométrica conferi-lhe um sentido político revolucionário, na medida em que não guarda semelhanças com a realidade, impedindo assim que a obra de arte torne-se instrumento ideológico de fascistas, stalinistas, liberais, etc. Pedrosa ajudou no preparo do bolo das vanguardas brasileiras do pós guerra, contribuindo com toda a onda concretista e neoconcretista. Quando este bolo foi atirado no rosto da burguesia, Pedrosa foi heroicamente um dos grandes responsáveis.

É claro que muitos aspectos do pensamento estético de Pedrosa não ficaram imunes diante da contra-revolução que abateu-se sobre a vida cultural durante os últimos cinquenta anos. “Arte proletária", Surrealismo, abstracionismo geométrico, a arte das crianças, dos indígenas e dos internos de instituições psiquiátricas, os movimentos culturais de contestação do pós-guerra e a própria contracultura envolvem um itinerário que seria cooptado por burocratas e comerciantes mesquinhos. Mas apesar dos pesares, ninguém que esteja interessado nos aspectos políticos revolucionários da arte, pode ignorar Pedrosa. Na hora de reorganizarmos as forças artísticas revolucionárias empenhadas no “exercício experimental de liberdade", temos tudo a ganhar com um sujeito que foi concunhado de Péret, brother de Calder e mentor de Hélio Oiticica.


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