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VITÓRIA DE MACRI NAS ELEIÇÕES ARGENTINAS | Macri e seus fantasmas

As primeiras horas após o segundo turno de eleições na Argentina revelam as tensões que vão rodear o novo governo. Fragilidade política e necessidade de ajuste na agenda central do governo.

terça-feira 24 de novembro de 2015 | 23:45

Após vencer por um triz, Mauricio Macri chega a Casa Rosada, sede do governo argentino. Tanto o resultado como o caráter do mecanismo eleitoral, impõe condições à futura governabilidade do presidente eleito. Condições essas que não são exatamente promissoras. Os problemas residem não apenas no campo da política, mas acima de tudo, nos quadros de esgotamento do "modelo" econômico.

Número que enganam

Os resultados das eleições presidenciais em outubro de 2011 criaram a falsa ilusão de uma hegemonia do kirchnerismo quase ilimitada. Os bem-lembrados 54% de votos foram erguidos como uma espada afiada a ser usada contra tudo e todos. Mas essa porcentagem se baseava, primordialmente, na melhora relativa dos indicadores econômicos. Era um número que refletia um passado em retirada, e não um futuro de hegemonia política completa. A eleição de 2011 foi o inicio de um lento e oscilante declive do kirchnerismo.

Os 52% alcançados por Macri também são, em parte, ilusão de ótica. A dinâmica política eleitoral deixa esse fato bem evidente.Durante as eleições primárias abertas, simultâneas e obrigatórias (também conhecida como PASO), o candidato do PRO (Partido Proposta Republicana) concentrou 24,5% dos votos. Eleições PASO é um mecanismo eleitoral para pré-selecionar o candidato que um partido irá apresentar em uma determinada futura eleição. Em outubro, Macri conseguiu pouco mais de 34% de votos, apoderando-se dos votos da coalizão Cambiemos e assim somando mais alguns pontos. Isso expressava a tendência de polarização. E em 48 horas, essa soma subiu para 17 pontos e mais de 4 milhões de votos.

A lógica do segundo turno determina o voto pelo candidato “menos pior”. Uma porcentagem importante desses votos não representa um reconhecimento explícito de Macri, mas sim uma rejeição aberta ao kirchnerismo. Isso implica um apoio condicionado, desde o inicio de seu mandato. Para ganhar o “poder próprio”, Macri deverá mediar a política, manter constantes negociações e, essencialmente, alcançar resultados de gestão que impliquem certo nível de melhorias parciais para amplos setores das massas.

Em 2003 Néstor Kirchner conseguiu em pouco tempo converter 22% em um apoio significativo. Mas as condições em que Macri chega ao poder diferem radicalmente do antecessor de Cristina. Os ventos da economia internacional, longe de serem favoráveis, sopram contra; o super-ciclo das commodities bate em retirada; os problemas estruturais que surgem do caráter dependente do capitalismo argentino pesam sobre o país como a espada de Dâmocles, ou seja, um perigo terrível, próximo e permanente. São essas condições que impõe ao presidente eleito uma agenda de ajustes, que está mais além de sua própria ideologia (neo)liberal. Se Daniel Scioli tivesse triunfado, teria seguido o mesmo caminho. Como afirmou Miguel Bein (economista da Universidade de Buenos Aires e funcionário da presidência de La Rúa): o triunfo de Macri “não muda a agenda econômica”

Nos limites impostos pelo esgotamento do “modelo” econômico, estão as principais contradições a serem superadas pelo macrismo, após tomar pose do governo. Ao chegar ao poder, o PRO-Cambiemos (nova frente que integra a Unión Cívica Radical-UCR, PRO e a Coalición Cívica Ari) deverá avançar com ataques sobre os setores da classe trabalhadora em busca de restaurar as condições lucrativas do grande capital.E assim o fará com base nas fragilidades aqui destacadas.

Certamente, a luta de classes voltará a entrar em cena no âmbito da tarefa de conseguir alcançar um "país normal" do ponto de vista do capital.

Conflitos na política

Se os problemas da economia e da sua própria gênese eleitoral conferem a Macri certa fragilidade relativa, a estrutura político-institucional criada nas eleições de outubro constitui uma camisa-de-força rígida para suas possibilidades de ações. Um fato que não é insuperável, mas inflexível.

Como observado ontem, o novo governo não terá maioria em nenhuma das câmaras legislativas do país. Por outro lado, uma parte relevante dos governadores segue a linha do peronismo e outras forças locais. Ou seja, no sistema político nacional, eles têm um poder significativo de veto e, isso obrigará Macri a fazer constantes negociações. As tensões, atritos e possíveis rupturas serão um elemento com tendência a surgir durante esses "altos e baixos".

Mas, além disso, o macrismo terá que negociar com a burocracia sindical peronista, distorcida representação do enorme poder social da classe trabalhadora. A aliança construída com Hugo Moyano (político e sindicalista argentino) funcionará como um resseguro, mas com parcialidade.Mesmo a grande maioria da casta que dirige as organizações gremiais possuem cargos dentro do movimento político fundado por Perón.

Qualquer negociação de Macri será mediada pelos ataques que terá que fazer contra os setores da classe trabalhadora. A capacidade de controle social da burocracia está longe de ser eliminada. À sua esquerda, nas camadas centrais do proletariado argentino, está a esquerda classista e antiburocrática que protagonizou grandes lutas de classe, como a dos operários da fábrica Lear em 2014.

Um olhar em direção ao Cambiemos

Um terceiro elemento que deverá contrabalancear o macrismo no poder é a solidez da coalizão que o levou até lá.

Cambiemos é, essencialmente, uma unidade instável entre o PRO e a UCR. Por um lado, um líder com projeção nacional e estruturação nacional, apesar de que,como força acaba de conquistar a província de Buenos Aires. Por outro lado, uma estrutura territorial espalhada por todo o país, mas sem uma figura central com capacidade de atrair atenção.

A UCR foi a Gualeguaychú, província de Entre Ríos, com um programa “mínimo” destinado a recuperar o poder territorial nos governos das províncias e municípios argentinos. Essa estratégia pareceu fracassar durante quase todo o ano e, “aos 45 minutos do segundo tempo”, encontra-se às portas do poder estatal nacional. Mas o porteiro se chama Mauricio Macri.

O líder do PRO deve estar se remoendo à essas horas com a rejeição de Ernesto Sanz para o ministério da Justiça. Mas as “razões pessoais” que defende o radical procuram esconder as tensões que o mundinho da política já conhece.O radicalismo aspira mais do que apenas converter-se no apoio dos “endinheirados do Bairro Norte” para chegar ao Poder Executivo. A história do radicalismo e sua extensão territorial centenária, assim o exigem. Estamos longe de ter terminado os capítulos dessa novela.

O vazio discursivo, a verdadeira política e a luta

O slogan de “mudança” permitiu ao macrismo camuflar seu verdadeiro programa econômico, reduzindo os recursos básicos a uma mudança das formas políticas. E certamente, teve que esconder seus economistas favoritos para construir algo incrível.

Mas o discurso vazio de campanha, cada dia mais,deverá abrir caminho para a agenda do governo. Cada passo em direção ao dia 10 de dezembro obrigará Macri a definir mais claramente sua agenda de governo. O cenário “desastroso” deixado pelo kirchnerismo converter-se-á no leit motiv (motivo de ligação) favorito para delinear as medidas de ajuste a serem aplicadas.

Mas essas medidas se chocarão contra a resistência de setores da classe trabalhadora que, dificilmente, terão um longo período de paz e acordo como candidato que votaram por acreditarem promessas demagogas. Os meses que estão por vir anunciam um cenário pouco calmo. Tratar-se-ia de um “verão sufocante”? É esperar para ver.

Tradução para o Português: Cassius Vinicius J.




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