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CEDAE LUCRA, MAS SERVIÇOS NÃO AVANÇAM | Lucros da CEDAE crescem 52%, mas serviços avançam 0,6%. O que está por trás dos números?

A CEDAE (Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro), uma das únicas companhias estaduais lucrativas do Rio, teve sua privatização aprovada no início do ano pela Assembleia Legislativa do estado. Os lucros em 2016 avançaram 52%, mas o tratamento de esgoto da população apenas 0,66%. O que representam esses números?

segunda-feira 3 de abril de 2017 | Edição do dia

A CEDAE é responsável pela água e esgoto de 64 das 92 cidades do estado do Rio: os demais municípios, em grande parte, já foram abocanhados pela sede de lucro dos capitalistas, transformando um dos direitos humanos mais elementares – o direito à água e saneamento – em uma mercadoria.

Quase sempre os governos utilizam a ladainha ideológica costumeira para privatizar os serviços públicos: a “ineficácia” do serviço público, que seria substituída pela “eficácia” do setor privado. Qualquer experiência de privatização mais conhecida, como o caso das teles, joga por terra essa argumentação. Quem nunca amargou a péssima qualidade dos serviços das empresas de telefonia privada, como TIM, OI, Claro ou Vivo?

Mas no Rio, por mais que esse argumento não tenha sido utilizado amplamente para aprovar a privatização da CEDAE (e sim o de que é necessário uma “contrapartida”, vendendo a empresa a preço de banana, frente a uma suposta ajuda do governo federal), há um dado alarmante que é necessário debater sob a perspectiva dos trabalhadores: o lucro da empresa saltou de R$ 248,89 milhões, em 2015, para R$ 379,23 milhões, em 2016, um aumento de 52%.

Muitos lucros, pouco saneamento e água para o povo pobre

Embora se pudesse pensar – em uma lógica capitalista e empresarial – nessa cifra como a representação da “eficácia” da CEDAE, do ponto de vista de uma pessoa comum, que depende da água e esgoto, o que chama atenção é o dado que contrasta com esse: no mesmo período, o atendimento à população em termos de atendimento de água e de esgoto cresceram respectivamente 1,32% e 0,66%.

Os números que expressam o saneamento das regiões atendidas pela CEDAE são impressionantes: apenas 35,64% dos domicílios atendidos pela empresa possuem coleta de esgoto, sendo que há seis anos eram 38,9%. O argumento utilizado pela empresa para justificar a queda é de que parte das residências atendidas pela CEDAE na zona oeste da capital teve o serviço de água e esgoto privatizado em 2012, passando a ser operado pela empresa Foz Águas 5. Assim, parte dos municípios que já tinham acesso a água e esgoto passaram a ter esses serviços como fonte de lucro para os capitalistas.

Além da falta de acesso a esgoto, nem todos os moradores tem sequer acesso à água em suas casas: são apenas 88,10% dos moradores, um número que aumentou em 5% ao longo dos seis últimos anos. Outro fator alarmante é qualidade precária da água em diversos municípios atendidos: em ranking do Instituto Trata Brasil, que avalia a qualidade da água nos cem municípios mais populosos do país, a capital fluminense ficou em 57º lugar, Duque de Caxias em 91º, e Nova Iguaçu em 92º.
A solução é privatizar?

Deveria causar indignação a todos que em pleno século XXI ainda existam pessoas sem acesso à água e saneamento básico, questões elementares que a humanidade já possui condição de atender plenamente há muitas décadas. De fato, a falta desses serviços é diretamente responsável por mortes causadas pela falta de higiene, por doenças que já há muito tempo deveriam ter sido completamente erradicadas.

Os capitalistas e seus porta-vozes alegam, como sempre, que o problema é seu “modelo de gestão”, que deve ser mudado, como afirmam em reportagem do Globo os consultores privados Pedro Scazufca e Cláudio Frischtak. O eufemismo de “mudar o modelo” tem um significado muito claro na boca desses economistas a serviço das empresas: privatizar.

Nenhum deles menciona, por exemplo, o repasse de R$ 90,07 milhões feito em 2016 para os acionistas da CEDAE (pois, mesmo sendo ainda pública, a CEDAE é uma empresa de capital misto, em que míseros 0,0004% de suas ações são detidas por acionistas privados, e mesmo assim a cifra de repasse a estes foi o montante elevado citado acima). Agora, imaginemos que 100% do capital da empresa passe a ser privado, tornando o principal e maior objetivo da empresa a geração de lucros para seus donos. Isso tornaria a situação já bastante grave de precariedade dos atendidos pela CEDAE ainda maior.

A questão é que em 2016 a empresa investiu R$ 393,41 milhões nos serviços que presta (apenas pouco mais do que 4 vezes o que pagou a seus acionistas privados, um dinheiro destinado apenas a encher o bolso de especuladores parasitas enquanto milhares estão sem água e saneamento). É praticamente o mesmo montante destinado a investimentos e o tanto que a empresa lucrou no ano (R$379,23 milhões). Isso significa que se a empresa não fosse superavitária e nem repassasse lucros a acionistas ela poderia ter investido o dobro em obras e ampliação de seus serviços.

Além disso, chama a atenção que seja justamente nos municípios da baixada, nas regiões periféricas e mais pobres que se concentrem as situações mais graves, com falta de saneamento e serviços e pior qualidade da água fornecida. Sem dúvida, nos bairros mais ricos da zona sul ou Barra a situação é bastante diversa. Isso porque quem decide quanto ou onde investir são os diretores e seu presidente, Jorge Ferreira Briard, uma indicação política feita pelo PMDB. São esses que determinam que a água e o esgoto chegue às regiões com moradores mais ricos e não à população das periferias, composta pelo povo negro e trabalhador em sua imensa maioria.

A situação imposta por esses gestores é a de gerir a empresa de acordo com seus interesses particulares, que são acordados também com os empresários e capitalistas de quem são porta vozes, e, portanto, sempre em oposição aos interesses do povo pobre e trabalhador, do povo negro que vive nas periferias. Uma mostra disso é o fato de que a CEDAE foi interpelada na justiça por cobrar serviços em residências onde sequer fornece a coleta de esgoto. Ou de que dirige investimentos e esforços para cortar ligações clandestinas de água (o popular “gato”) de famílias que não têm condições de pagar as tarifas, privando a população desse serviço essencial em nome do lucro da empresa.

Com a gestão privada, tudo isso se intensificaria ainda mais, pois seria a legitimição até o fim da lógica do lucro e dos interesses privados na gestão da empresa. A água – que hoje já não é tratada pelos gestores dos partidos da burguesia como um direito – seria transformada em uma mercadoria até o fim. Tem acesso quem paga (com as tarifas colocadas por um monopólio privado, único fornecedor daquele serviço), e quem não paga, fica sem água e sem esgoto.

A única gestão democrática para a CEDAE é 100% estatal e sob controle de trabalhadores e usuários

Diferente dos gestores de partidos como o PMDB (que, aliás, encabeçou por meio de Jorge Picciani, presidente da ALERJ envolvido em escândalos de corrupção, a votação de privatização da companhia), ou dos empresários que querem ser donos da água e transformar ela em uma mercadoria, há um setor que realmente tem interesse em que a água e o esgoto sejam direitos universais e acessíveis a todos. São os trabalhadores da CEDAE, que conhecem profundamente a companhia e seus serviços, seus problemas e como resolvê-los. E também os usuários dos serviços da empresa. Somente com uma gestão pública, 100% estatal, sem ingerência de capitalistas e seus representantes, com a operação da empresa, seus investimentos e serviços controlados pelos trabalhadores e usuários, se poderá efetivamente avançar para resolver a situação absurda de que até hoje existam pessoas sem acesso ao saneamento básico e ao fornecimento de água.

A heroica luta dos trabalhadores da CEDAE contra a privatização da empresa foi uma mostra concreta do interesse desses em defender o interesse do povo e a preservação da água como um bem público. É ao lado desses trabalhadores que podemos combater a propaganda ideológica dos patrões que quer nos convencer que nossos direitos serão melhor atendidos quando forem uma mercadoria na mão de empresários milionários.




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