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Trabalhadoras em luta | Lições da greve das terceirizadas da LG

Elas conseguiram impor uma derrota aos planos dessas empresas e deixam lições que precisam chegar a todos os trabalhadores. Além dessas lições, neste texto abrimos um debate com a central sindical Conlutas/PSTU: qual pode ser seu papel contra a traição de grandes centrais, como a CUT/PT?

segunda-feira 7 de junho de 2021 | Edição do dia

A terceirização tem rosto de mulher, e a luta na linha de frente também tem

Faça chuva ou faça sol, mal amanhecia e já estavam nos piquetes as guerreiras da Suntech, Bluetech e 3C. Quando não havia com quem deixar, seus filhos iam junto para a luta, afinal essas fábricas são compostas majoritariamente por mulheres, várias delas mães sólo, arrimo de família, que estão sendo deixadas sem emprego em meio à pandemia. Revezavam entre si os turnos, mas em nenhum momento deixavam a porta da fábrica, evitando que qualquer caminhão saísse dali com os materiais da empresa. Mesmo com todas as dificuldades, com ameaça de faltar o salário, com assédio e chantagem das chefias, mantiveram-se firmes nos piquetes na porta das fábricas. Foi assim por mais de 30 dias de greve. Essas trabalhadoras mostraram uma determinação e uma combatividade muito grande. Não abaixaram a cabeça e não caíram nas chantagens das patronais coreanas, que armaram várias armadilhas e ameaças para encerrar a produção sem pagar nem as rescisões. Com essa força elas conseguiram impor uma derrota aos planos dessas empresas e além disso deixaram um recado que precisa chegar a todos os trabalhadores: Lutando podemos fazer as empresas recuarem.

Como abordamos aqui, em meio ao governo reacionário e genocida de Bolsonaro e Mourão, que junto dos governadores e todo o regime do golpe são responsáveis pelos milhares de mortos e desempregados, a luta dessas trabalhadoras é inspiradora. Estamos vendo no Brasil inteiro uma série de empresas fechando e ainda por cima dando “calote” nos trabalhadores, não pagando sequer as verbas rescisórias e os direitos. Neste caso, as trabalhadoras não só evitaram com sua luta esse calote, como ainda exigiram receber a mesma indenização que receberiam os trabalhadores diretos da LG.

Defenderam esse direito com unhas e dentes, já que era nítido para elas (e para qualquer um que se prestasse a ver) que elas eram nada menos que trabalhadoras da própria LG, apesar de terceirizadas. Uma terceirização fraudulenta e ilegal inclusive, com a LG criando “empresas-laranja” para pagarem menores salários e impostos. A empresa sempre as tratou como “trabalhadoras de segunda categoria”, e no momento do fechamento essas trabalhadoras questionaram essa condição, mostraram que “sem as terceiras você não tem produção” (como costumavam cantar para a empresa em seus atos), e disseram que não aceitariam nada menos do que os trabalhadores diretos.

Unidade entre as fábricas terceirizadas e a busca por furar o cerco da mídia

Em todo o Brasil, vemos que existe uma fragmentação muito grande de nossa classe. Há trabalhadores terceirizados, uberizados, intermitentes, contratados… Muitas vezes, cada um é representado por um sindicato diferente e, quando ocorre alguma luta, cada um luta separado. Neste caso, foi fundamental para que as terceirizadas da LG conquistassem a indenização o fato das 3 fábricas terceirizadas estarem em greve juntas e realizando assembleias conjuntas.

A forte presença também das trabalhadoras em atos importantes, como o que ocorreu em frente à LG chamando os trabalhadores diretos a unificarem a luta e o que ocorreu na Paulista (em direção ao Consulado Coreano), foram decisivos para a greve. Em especial o último ato em São Paulo, que a partir do Esquerda Diário incentivamos bastante o sindicato de São José para que ocorresse, impôs que a grande mídia teria que parar de ignorar as terceirizadas: tiveram que noticiar a greve, o que gerou grande desconforto para as empresas e a LG, pressionando ainda mais que tivessem que ceder.

Unidade entre diretos e terceirizados: o papel traidor da CUT

As 3 fábricas terceirizadas tinham como sindicato o dos Metalúrgicos de São José dos Campos, dirigido pela central sindical Conlutas (central impulsionada e dirigida pelo PSTU majoritariamente). Já a fábrica direta da LG contava com o Sindicato dos Metalúrgicos de Taubaté, dirigido pela CUT/PT. A luta das terceirizadas e o primeiro ato realizado em frente à LG incentivou inclusive os trabalhadores diretos a também se mobilizarem.

Lá, os trabalhadores tiveram que impor ao Sindicato de Taubaté (CUT/PT) que deflagrasse greve, pois esse sindicato não queria essa greve e fez de tudo para que os trabalhadores não se unificassem com as terceirizadas, inclusive dizendo que seria prejudicial se unificarem porque aí teriam que “dividir o bolo” das indenizações. Ou seja, colocaram trabalhador contra trabalhador, em vez de fazer os trabalhadores somarem forças para lutar contra um só inimigo, que era a LG.

A direção do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos (Conlutas) chegou a procurar a direção da CUT propondo ações unificadas. Foi realizado inclusive um ato unificado em frente à fábrica da LG. Essa foi uma iniciativa que consideramos muito importante. No entanto, não houve um trabalho desde a base para buscar se ligar aos trabalhadores da LG.

Em primeiro lugar, acreditamos que o Sindicato de Metalúrgicos de São José e a Conlutas poderia ter utilizado toda a força que têm na região (nas outras fábricas que estão a frente como Embraer, GM etc), além de toda a força que as próprias trabalhadoras da Bluetech, Suntech e 3C mostraram, canalizando isso em torno de uma grande campanha política pela unificação (com materiais impressos e digitais, panfletagens, buscando parlamentares de esquerda, uma ofensiva nas redes sociais, reuniões nos piquetes buscando trazer companheiras da LG que fossem mais linha de frente) e a partir dessas fábricas terceirizadas onde a luta estava forte irradiar essa política de unidade, se dirigindo aos trabalhadores da LG em uma batalha para convencer cada um, se ligando com o setor de trabalhadores de lá que vinham se opondo à traição sindicato de Taubaté.

A carta aberta das trabalhadoras terceirizadas dirigida às trabalhadoras diretas da LG foi um exemplo importante nesse sentido. Elas denunciam a terceirização e chamam à unificação das greves: “A nossa greve fortalece a de vocês, porque grande parte da produção da LG vem das fornecedoras terceirizadas. E a greve de vocês fortalece a nossa, porque é a LG que paga nosso salário também. Se é um só patrão, tem que ser uma só luta, não podemos soltar nossas mãos". Uma campanha pela unificação impulsionada pelo sindicato poderia potencializar iniciativas como essa e estimular outras tantas. O esforço do sindicato de SJC pela unificação das greves foi até onde a CUT permitiu e as lutas entre efetivos e terceirizados se deram de maneira separada, mas poderia ter sido de outra maneira.

Uma tentativa de unificar os trabalhadores das 4 fábricas surgiu inclusive bastante espontaneamente, com as trabalhadoras criando um grande grupo de Telegram com centenas de trabalhadores de todas as fábricas. A questão é que em pouco tempo esse grupo foi minguando, até porque esse tipo de comunicação via redes e com tanta gente junto acaba não conseguindo dar vazão e gera todo tipo de confusão e discussão que poderia ser evitada com os trabalhadores se organizando de outra forma. É por isso que seria muito importante que desde o início o sindicato tivesse buscado conformar um Comitê Unificado de trabalhadores das 4 fábricas.

A importância dos sindicatos impulsionarem a autoorganização e comitês interfábricas

O que seria esse comitê unificado das 4 fábricas? Esse tipo de organização em comitês é um método histórico dos trabalhadores para conseguirem romper com a divisão entre as fábricas e locais de trabalho nos momentos de luta. Para esses comitês, são eleitos representantes de cada fábrica, de cada setor, e juntam esses representantes com outros de outras fábricas, e esses representantes debatem juntos cada passo da luta. E se não defendem o que os trabalhadores querem, são tirados de lá e eleitos outros representantes.

Foi assim que se organizaram, por exemplo, os trabalhadores da USP na vitoriosa greve de 2014. Formaram um Comando de Greve dos Trabalhadores da USP logo no início da greve, reunindo quase 150 representantes eleitos nas reuniões de unidade, revogáveis, onde a Diretoria Plena do sindicato se dissolveu passando a ser parte do Comando. Este era o organismo dirigente da greve, que sentia o pulso da luta em cada unidade, fazendo essa ligação vital entre a base da categoria e sua vanguarda. Ainda assim o Comando de Greve não era mais soberano que as Assembleias de Base, onde todos os trabalhadores juntos decidiam os rumos de sua luta. As Assembleias eram espaços reais de intervenção dos trabalhadores, com microfone livre, onde qualquer trabalhador podia se expressar e não apenas os dirigentes sindicais.

É assim que nós, do Esquerda Diário, buscamos atuar também lá na Argentina, incentivando a partir dos sindicatos a auto-organização dos trabalhadores nesses comitês. Um exemplo é a luta na fábrica Zanon, em que frente à ameaça de fechamento em 2001, os trabalhadores organizaram uma forte mobilização em toda a região de Neuquén, unificando a luta com outras fábricas e com o movimento de desempregados, indígenas e estudantes, e com toda essa força conseguiram apoio da população para entrar na fábrica, retomar a produção e botá-la para funcionar sem os patrões, e até hoje seguem trabalhando assim. Essa fábrica de luta serve até hoje de apoio para batalhas como a dos trabalhadores da saúde da Neuquen, que, organizando-se dessa mesma maneira através de comitês, com uma forte greve e atos de rua mês passado, conseguiram uma grande vitória contra ataques a direitos, e conquistaram grande aumento de salário.

Unidade no país contra as demissões e a pandemia: Bolsonaro, Mourão , governadores e empresários são responsáveis

O sindicato de São José vinha colocando em seus textos e materiais sobre a greve a questão da reversão do fechamento e da estatização das fábricas para a manutenção dos empregos. Essa reivindicação correta, no entanto, parecia algo muito distante da realidade em um país e uma conjuntura política e econômica como a nossa. E parecia tão distante e impossível porque, antes de levantar essa reivindicação, era preciso discutir todos os passos que a luta tinha que dar para que pudesse ter mais força, inclusive mais força do que apenas nas 3 fábricas terceirizadas que o sindicato dirige, e com essa força maior conseguir reivindicar algo maior.

Isso é uma importante lição para os trabalhadores: o tamanho da vitória depende do tamanho da força que os trabalhadores (com seus sindicatos) conseguem acumular. As terceirizadas neste caso conseguiram uma importante conquista, que foi as indenizações. Mas se a luta fosse maior ainda e se expandisse para a LG e outras fábricas da região e até do país, poderiam conquistar a defesa do emprego. Ou seja, se o resultado desse conflito seria em torno da negociação de uma melhor indenização ou da defesa do emprego, isso depende da relação de forças que cada lado em disputa consegue mover e organizar. Depende de qual lado consegue puxar mais forte o cabo de guerra: os trabalhadores ou os patrões.

Para isso, era preciso uma unidade nacional das lutas, afinal isso está acontecendo em todo o país. Em todo país vemos ocorrer milhares de demissões, e este governo de Bolsonaro e Mourão não faz nada. Empresas terceirizadas, como de costume, fecham sem sequer pagar direitos (e os patrões seguem lucrando, depois de alguns meses reabrem algum outro negócio com outro CNPJ). Dezenas de fábricas fecham por dia, como a Ford de Taubaté, e não só o presidente, mas os governadores como Doria, o judiciário e prefeitos (alguns que se dizem até “oposição”) fecham os olhos para essa realidade.

Sem falar nas centrais sindicais como a CUT, que já citamos aqui, a maior central do Brasil, que poderia estar organizando greves e mobilizações por todo o país, entretanto não o fazem (como não fizeram na LG e nem na Ford) porque só querem esperar as eleições de 2022 para reeleger Lula. Um Lula que já está prometendo em entrevistas não se opor às privatizações e ataques a direitos, e que vai novamente se aliar com qualquer inimigo dos trabalhadores, como o FHC, para supostamente “derrotar o Bolsonaro nas eleições”, como se as eleições e Lula eleito fossem fazer “sumir” todo esse regime podre, essa crise capitalista e a pandemia.

Se a situação seguir nessa toada, será uma catástrofe humanitária, que já vemos ocorrer: os dados sobre fome e insegurança alimentar estão aumentando, e junto disso uma pandemia que já tira a vida de milhares e que não acaba nunca, por negligência dos governos, que fazem faltar vacina, leitos em hospitais e até oxigênio. Não há como esperar 2022. Não há como esperar que eleições vão resolver, a luta tem que começar agora, e não pode ser apenas para eleger e mudar um presidente por outro, precisamos questionar todas as as regras do jogo, com uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana imposta pela mobilização, conforme desenvolvemos mais neste outro texto.

A esquerda precisa criar um polo antiburocratico para lutar pela unidade da classe

Em meio a esse cenário e à atuação traidora de burocracias sindicais como a CUT, CTB, Força Sindical e etc., qual deve ser o papel da Conlutas dirigida pelo PSTU (e também da Intersindical, dirigida por setores do PSOL)? O debate que queremos colocar é que não é possível apenas “gerir” seu próprio sindicato, sua própria central, quando vemos que na verdade toda a classe trabalhadora está sendo atingida por ataques e demissões. A Conlutas é uma central sindical pequena com relação à CUT, Força Sindical etc. Qual tem sido seu papel no sentido de exigir e trabalhar para que essas grandes centrais não sigam traindo as lutas?

Não basta “ser bom de briga” na sua própria base sindical, é preciso ter estratégia para unificar a luta com outros setores. Afinal, não basta “cuidar do seu próprio quarto” quando toda a casa está desmoronando. Ou seja, neste caso da LG por exemplo, para exigir “manutenção dos empregos e estatização” não bastava apenas organizar a greve na sua base sindical nas terceirizadas, quando a fábrica-matriz estava fechando em Taubaté e gerando toda essa situação. Para isso, não bastava só chamar “unidade” no carro de som ou ligar para a CUT e pedir que unifique (afinal isso não vai se dar de bom grado), como fez o sindicato de São José.

Como discutimos aqui, era preciso buscar fazer um trabalho desde a base, indo até os trabalhadores diretos, buscando se ligar aos que fossem mais de vanguarda para fortalecê-los, buscando organizar por baixo um comitê de greve da própria LG, unido com um comitê das outras fábricas, ir fomentando essa organização e fomentando que os próprios trabalhadores da LG exigissem de seu sindicato que lutasse. Era preciso também ter atuado contra o fechamento da Ford na cidade vizinha, entretanto, em vez de buscar se ligar com os trabalhadores, o PSTU só apareceu lá para fazer falas de apoio no carro de som e em lives da CUT, sem sequer fazer nenhuma exigência ao PT.

O Estado e a legislação brasileira impõem uma divisão sindical em que um sindicato não pode se meter com a base sindical do outro. E não é só o Estado e os governantes que defendem essa divisão, mas a própria CUT e grandes burocracias sindicais também ameaçam os trabalhadores que se opõem a ela. Mas a questão é: se a Conlutas conseguisse o apoio dos trabalhadores diretos da LG e fizesse um escândalo nacional com essa luta, esses trabalhadores diretos e a população os defenderiam contra essas ameaças, e seria um preço político grande para a CUT e o PT pagarem nacionalmente se seguissem atuando dessa forma. Então, como parte de uma campanha política pela unificação conforme debatemos aqui, o sindicato de SJC poderia buscar desmascarar essa direção para os trabalhadores da LG e para o conjunto dos trabalhadores da região. Isso reduziria muito a capacidade repressiva da CUT e a forçaria a tomar medidas de unidade.

Nós do Esquerda Diário também fazemos parte da Conlutas, mas temos críticas à política da direção majoritária dessa central, dirigida pelo PSTU, que é uma política de se conformar com essa divisão sindical de “cada um no seu quadrado” que o Estado e a legislação impõem. Questionar essa divisão é fundamental: nós buscamos sempre atuar assim na USP, por exemplo, atuando para que o sindicato dos trabalhadores efetivos, o SINTUSP, defenda também as trabalhadoras terceirizadas, mesmo que estas não façam parte da sua base sindical (fazem parte da base de um sindicato muito mais mafioso que a CUT inclusive, dirigido pela UGT). Assim, pudemos auxiliar em uma série de lutas travadas pelas terceirizadas, conforme discutimos no livro A Precarização Tem Rosto de Mulher.

A Conlutas fez parte das últimas mobilizações no 29M, mas fazemos um chamado para que, para além disso, essa central encampe junto conosco uma batalha para exigir que as grandes centrais como a CUT rompam com essa política. Como abordamos aqui, a Conlutas (assim como a Intersindical) precisa dar o exemplo e desde as categorias que dirige organizar assembleias que votem um dia de paralisação nacional e um chamado à que a CUT e a CTB encampem essa política.

Achamos que essas lições são importantes para que a esquerda possa conformar um novo tipo de sindicalismo, que seja um sindicalismo que se oponha às burocracias, que fomente a democracia operária e a autoorganização dos trabalhadores. Que seja um sindicalismo de combate mas também político. Que questione também esse regime do golpe de conjunto e que eleve as batalhas de cada local de trabalho ao âmbito nacional, já que não podem ser encaradas como batalhas isoladas, uma vez que não são ataques isolados: são uma política do Estado, um estado que segue como sempre atuando como “balcão de negócios” dos empresários, banqueiros e toda a burguesia, que segue lucrando na pandemia enquanto nossa classe morre de fome ou de coronavírus. Nossa luta precisa começar agora, para impormos que nossas vidas valham mais que os lucros desses capitalistas.

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