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"MULHERES NEGRAS E MARXISMO" | Letícia Parks: “Lenin representa o nosso marxismo, defendia que as mulheres dirigissem o Estado proletário”

Confira a comovente fala de Letícia Parks durante a live de lançamento do livro Mulheres Negras e Marxismo. A live ocorreu nessa sexta-feira, 26 de março, e contou com a presença das três organizadoras do livro, Letícia Parks, Odete Assis e Carolina Cacau e as convidadas especiais Mirtes Renata, Renata Gonçalves e Andrea D’Atri.

sexta-feira 26 de março de 2021 | Edição do dia

O que Odete falou sobre as tarefas concretas de um feminismo socialista hoje, o que Mirtes faz, incansável na luta por justiça pelo seu filho, o que Renata falou sobre a batalha contra a precarização do trabalho feminino, o que Diana disse sobre o que é o nosso marxismo, o que Andréa falou sobre as batalhas por um feminismo marxista que se prepare para derrotar a crise capitalista com as mulheres na linha de frente, tudo isso são sínteses do que compõe esse nosso marxismo, uma teoria que serve como ferramenta para organizar e fortalecer a nossa classe na luta contra o racismo, o machismo e a exploração que se alimenta dessas opressões.

Eu quero falar pra vocês então sobre mais uma história, a de Carolina Maria de Jesus, que está contada no nosso livro pelas mãos de Luciana Machado, uma das tantas companheiras do Pão e Rosas que contribiu na escritura desse volume que apresentamos pra vocês hoje. A história da Carolina ajuda a debater uma ideia muito importante que eu quero que a gente saia daqui pensando, e buscando tornar ela carne, força e mobilização.

A Carolina Maria de Jesus foi uma trabalhadora doméstica, lavadeira.. foi uma trabalhadora negra como são milhões aqui no Brasil, com a vida totalmente precarizada pela história que marca nosso país e pela realidade do capitalismo, no qual somos donas apenas da nossa força de trabalho. A Carolina também foi poeta, e escreveu essa poesia aqui, que eu quero ler pra vocês, que está no nosso livro:

[...] Na campa silente e fria Hei de repousar um dia…
Não levo nenhuma ilusão
Porque a escritora favelada
Foi rosa despetalada.
Quantos espinhos em meu coração.
Dizem que sou ambiciosa
Que não sou caridosa.
Incluiram-me entre os usurários
Porque não critica os industriaes
Que tratam como animaes.
– Os operários…

“Carolina Maria de Jesus: emblema do silêncio”

Quantos de nós, trabalhadores e trabalhadoras, negras e negros, somos também poetas? Quantos são artistas, músicos? Quantos de nós temos tanto pra dizer em arte, em grito, sobre a vida dura da exploração que vivemos todos os dias nas fábricas e locais de trabalho?

Tive e tenho o prazer de conhecer artistas operários, como o Odair, que faz parte do grupo Samba Brasileiro, lá do Sapé, e que é nosso companheiro no Quilombo Vermelho. Ou a Vilma, que vira e mexe puxa da bolsa o trabalho de crochê e tricô, essas técnicas milenar que ela divide com outras companheiras de seu trabalho e que se torna um adendo às conversas subversivas nos intervalos do trabalho exaustivo do bandejão da USP… ou a minha avó Mariá, que marcou a minha vida com a voz de cantora do rádio, a mesma que ela cantarolava enquanto costurava, trabalho com o qual ela garantiu a vida de mãe solteira com dois filhos.

E quantos de nós tivemos a nossa vida interrompida tão cedo e não pudemos nem conhecer a poesia e as belezas da vida, como o menino Miguel, que está presente hoje e sempre nas nossas lutas, a Maria Eduarda, a Ágatha...

E digo mais: essa classe trabalhadora cheia de artistas e poetas tem um poder enorme, junto da força da nossa voz, que é esse poder de mover o mundo. Mas infelizmente há outros feminismos que defendem que a vitória das mulheres burguesas, patroas, banqueiras, dessas que nos exploram, é nossa vitória. Defendem que quando uma de nós chega lá no topo do capitalismo e se torna nossa opressora, que todas deveríamos comemorar, como se a vitória fosse “vencer” no capitalismo, e como se nós, que mantemos o mundo funcionando fôssemos perdedoras. Mas não há perdedores na nossa classe, e nossas exploradoras não são nossas irmãs de luta.

A própria história da Mirtes, que está aqui, permite a gente ter certeza ainda que a opressão de gênero nos una, a nossa classe nos separa de mulheres como a Sari Corte Real, e isso tem a ver com entender que a opressão é um conjunto de ideias que sustenta a exploração, e que nosso combate precisa ser ao mesmo tempo contra esses dois venenos, e derrotar o patriarcado junto com o capitalismo.

E quem são as negras no topo? A diretora do Carrefour, onde o Nego Beto foi assassinado; a presidente da Starbucks, onde negras e negros são superexplorados; a Kamala Harris, primeira mulher negra a bobardear a Síria. E por mais duro que seja dizer isso, do topo, quando olham pro chão, ele segue sujo de sangue negro, feminino e operário. Tem ainda mulheres que ganham destaque individual e usam o seu lugar de fala para dizer que outras mulheres não são negras, e é por tudo isso que esse livro traz também pra vocês o debate desses conceitos como lugar de fala, representatividade, entre outros debates de qual a nossa estratégia para lutar contra o racismo e o patriarcado, que sabemos que não vão cair, vai ser preciso derrubar, junto com o capitalismo.

Pra essas pessoas que acham que tudo o que podemos querer é fazer parte desse topo capitalista, a Carolina é uma história de sucesso porque ela conseguiu ser a primeira mulher negra a ser publicada. Mas gente, a história da Carolina é muito mais do que isso.

Pra nós, a história da Carolina poeta e trabalhadora é um marco porque mostra outra coisa: que mesmo sob tanta dor, negras e negros foram capazes de produzir verdadeiras obras de arte. Imaginem, portanto, o que seria essa classe trabalhadora, de maioria feminina e negra, liberta dessa dor, e podendo com esse olhar sobre a vida assumir o controle da economia e da produção. Poderíamos ter impedido que fôssemos 3650 mortos no dia de hoje no Brasil. O Lenin, que como a Diana falou, representa o nosso marxismo, em discurso para as operárias russas e camponesas pobres não defendia um inofensivo lugar de fala para as mulheres e sim que elas assumissem a direção do estado proletário ao contrário do que o capitalismo relega como o trabalho doméstico e a opressão.

Ele disse:
“Não é possível uma revolução socialista sem a participação de imensa parte das mulheres trabalhadoras. (...) A experiência de todos os movimentos de libertação atesta que o êxito de uma revolução depende do grau em que dela participam as mulheres. O poder soviético faz tudo para que a mulher possa cumprir seu trabalho proletário e socialista com independência completa”

Esse livro é uma ferramenta também para a gente quebrar uma fronteira que criaram pra entre nós: nós, mulheres e homens negras e negros, mulheres asiáticas, brancas, homens brancos e de todas as cores, podemos ser aliados pra fortalecer as lutas de cada camada mais oprimida da nossa classe e juntos batalhar pra construir um mundo com o nosso olhar, a nossa força, os nossos sentimentos, e sem nenhuma das dores de hoje. Pra isso, hoje, frente a uma geração que sente nojo de Trump, Bolsonaro, que odeia o futuro que a crise aponta pra gente, e que por tudo isso passa a olhar com curiosidade e interesse as ideias do socialismo, nós oferecemos mais uma ferramenta para preencher o sonho de um futuro melhor com a possibilidade da vitória contra a miséria que o capitalismo oferece, e essa ferramenta só pode ser o marxismo que discutimos aqui hoje. Querem enganar nossa geração com versões novas dos erros do passado, com ilusões neoliberais como os negros no topo ou as empresas antirracistas, com enganações reformistas fantasiadas de socialismo como tentou fazer Bernie Sanders com a juventude anticapitalista estado-unidense. Mas nós podemos mais. Não vamos aceitar uma vida tentando perfumar a merda que sai do esgoto capitalista. Dediquemos nossa vida a lutar pela revolução.

Obrigada




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