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MÚSICA | Lennon e a política “Os dias continuam estranhos”: trinta e seis anos sem John Lennon [parte I]

quinta-feira 8 de dezembro de 2016 | Edição do dia

No seu 36° aniversário de morte, divulgamos a primeira parte de uma série de três matérias sobre um aspecto pouco conhecido da biografia do ex-Beatle que, junto à sua companheira Yoko Ono, utilizaram a fama por uma arte engajada, com importantes episódios que refletem um Lennon ativista político, entre as décadas de 1960 e 1970. O músico apoiou líderes e movimentos de esquerda como os Panteras Negras, contestou ações do então governo dos EUA de Richard Nixon – principalmente no que se referia à Guerra do Vietnã – e em Londres concede entrevista ao jornal trotskista The Red Mole, demonstrando simpatia pelo International Marxist Group.

“Sempre há algo acontecendo e nada acontece
Tem sempre alguma coisa cozinhando e nada na panela”

John Lennon, o garoto de Liverpool que esteve à frente da maior banda de todos os tempos, os Beatles, foi um militante da classe trabalhadora e o povo pobre? Talvez uma afirmação taxativa não seja a mais acertada, mas sua negação tampouco. Contudo, nas últimas décadas de vida, após deixar a banda e assim libertar sua rebeldia juvenil e transforma-la em uma espécie de compromisso político, Lennon passa a radicalizar ações, colocando sua obra a serviço de tarefas políticas junto à sua companheira Yoko. Por conta disso passaram a ser perseguidos inclusive pela CIA e FBI, durante a época em que viveram em Nova York, onde foi assassinado. É verdade que, junto com George Harrison, mesmo durante os Beatles havia por parte dos dois integrantes do Fab Four uma vontade de se posicionar contrariamente à guerra do Vietnã, vontade suprimida a conselho do empresário Brian Epstein, principalmente nas vezes em que a banda se apresentou nos Estados Unidos.

A música revolucionária de Lennon surge no disco de 1970 John Lennon/Plastic Ono Band, apresentando as emblemáticas Working Class hero, que destaca o tema da consciência de classe, da classe trabalhadora da qual Lennon se sentia parte, e em Power To The People, que é claramente um hino de agitação política, um chamado revolucionário para a tomada das ruas pelo povo.

Merece destaque também, nessa primeira matéria, a preocupação de Lennon com os povos historicamente subalternizados, a exemplo dos negros. Tinha conhecimento da dizimação da população negra, em suas próprias palavras, pelas “mesmas pessoas que dirigem tudo” e que estariam à frente desse “poder burguês de merda”. A causa racial foi parte de sua inclinação política lhe rendendo uma amizade com Bobby Seale, que, junto com Huey Newton fundam em 1966 o Partido do Panteras Negras, um movimento que surge com um princípio de autodefesa e que foi declaradamente inspirado no legado político do líder dos direitos humanos e militante da causa racial Malcolm X, assassinado em 1965, tomando e superando seu legado. Ainda como um movimento, a principal atividade dos Panteras Negras (doravante PN) era formar patrulhas armadas para vigiar o comportamento dos agentes de polícia e enfrentar a brutalidade da força policial local contra a população negra estadunidense.

Lennon leva Bobby Seale, do Movimento dos Direitos Civis nos Estados Unidos e co-fundador do Partido Político PN a um programa de TV estadunidense para apresentar notícias que não seriam divulgadas comumente, Lennon desempenho o papel de apresentador e Bobby foi seu convidado. Divulgaram na ocasião os programas levados a frente pelos PN, que garantiam alimentação e educação de parte da população afro-americana dos EUA, na tentativa de mostrar à população em geral a real ação do PN, que, como todo movimento antissistema, era criminalizado. Por razões obvias essa atitude do ex-Beatle não agradou ao governo estadunidense, já que no programa foram feitos vários elogios ao ativista afro-americano que defendeu na ocasião a revolução do povo. A atuação dos Panteras Negras foi fundamental entre 1965 e 1967, quando o país foi palco de inúmeros conflitos entre os negros pobres dos guetos e a polícia predominantemente branca e racista como braço armado das classes dominantes imperialistas igualmente racistas. Tornam-se a maior organização revolucionária dentro dos EUA. O partido fez com que alguns pontuais avanços fossem alcançados, no sentido e limites de oferecer aos afro-americanos alguma chance de participar de certa dinâmica de mobilidade social crescente, através de políticas afirmativas. Porém, muitos líderes dos PN foram mortos e presos.

Compõe e divulga, em parceria com Yoko, a música chamada Angela, em homenagem à filósofa e socialista Angela Davis, destacada defensora dos direitos civis da população negra nos Estados Unidos e também integrante do PN e autora da grande referência para a luta anticapitalista, racista e sexista Mulheres, raça e classe. Na letra, denunciam a prisão de Angela Davis, que fora acusada de fornecer as armas utilizadas na tomada da Assembleia Legislativa da Califórnia, quando os PN entraram armados no plenário em protesto contra a aprovação da lei que proibiria os cidadãos americanos de portarem armas nas ruas. A militante foi presa em Nova Iorque, depois de dois meses de perseguição tornando-se mundialmente conhecida por meio da campanha “Libertem Angela Davis”.

Com essa introdução à guinada política de Lennon, fechamos a primeira parte da matéria e convidamos para a leitura dos próximos artigos que estarão publicados aqui no Esquerda Diário. A parte II tratará da perseguição e quase deportação de John e Yoko pelos jugos imperialistas estadunidenses e, finalmente, a parte III abordará a aproximação entre Lennon e Tariq Ali, militante paquistanês, e, claro, sua famosa entrevista ao Red Mole, publicada em português pela Boitempo na autobiografia de Ali “O poder das barricadas”. Lembramos que John nunca deixou de pedir “uma chance para paz”, mas que a paz, no capitalismo, é privilégio para poucos. Usando mais uma vez as palavras de Lennon, somente “conscientizando os trabalhadores da posição realmente triste em que estão”, pode-se destruir o sistema capitalista.

“(...) Estão sonhando o sonho dos outros, não é nem o sonho deles. Deviam perceber que os negros e os irlandeses são atacados e reprimidos e que eles serão os próximos. Quando começarem a perceber isso tudo, aí então poderemos realmente começar a fazer alguma coisa. Os operários poderão começar a tomar o poder. Como disse Marx: ‘A cada um segundo sua necessidade’ - acho que isso funcionaria bem aqui (...)”*.

John Lennon (1940-1980)**

* Ao falar “aqui”, “sonho deles”, Lennon está se referindo à classe trabalhadora inglesa.
** In: Tariq ALI, Tariq. O poder das barricadas: uma autobiografia dos anos 60. São Paulo: Boitempo, 2008 (p. 392).




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