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QUEIROZ E INJUSTIÇA DE CLASSE | Justiça de classe pra quem tem

“Presídios cheios”, “casas de detenção lotadas” e “higiene precária”, argumentos que para o mesmo juiz, nessa justiça de classe, serviram para soltar Queiroz e manter milhares de negros e pobres à mercê da Covid-19.

segunda-feira 27 de julho de 2020 | Edição do dia

Foto: Reprodução

Fabrício Queiroz recebeu habeas corpus por “razões humanitárias”, segundo a argumentação expressa na decisão do juiz João Otávio de Noronha, que foi tão benevolente que estendeu o benefício também à sua esposa, até então foragida. Acontece que o senso de “humanidade” do judiciário brasileiro funciona bem diferente para presos ricos e poderosos e para a maioria da população carcerária, negra e pobre do país.

Essa constatação nem mesmo precisaria do caso Queiroz para ser observada, já que vivemos num país onde, dos mais de 773 mil presos que formam a terceira maior população carcerária do mundo (atrás apenas de Estados Unidos e China), mais de 61,7% são negros, considerando que entre a população os negros são 53,63%. Os brancos, inversamente, são 37,22% dos presos, enquanto são 45,48% na população em geral. E, ainda, de acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), em 2014, eram 75% dos encarcerados que tinham até o ensino fundamental completo, um indicador de baixa renda.

Dados do começo de 2020 apontam que mais de 33% do total de presos no Brasil estão em regime provisório, ou seja, cumprem pena sem julgamento. Quase 40% dos presos, destes que grande parte nem foram julgados, se enquadram em crimes relacionados a drogas, onde pequenas porções na mão de jovens negros configura tráfico, mas não se for com filhos de figuras de “prestígio”.

No Brasil da Lava Jato, além do acesso aos melhores advogados e a possibilidade de pagar fianças, os presos ricos e poderosos ainda ganharam a delação premiada, um verdadeiro presente, que na maioria dos casos levou milionários condenados a dezenas de anos de prisão a não cumprirem nem mesmo um ano em regime aberto.

Diante desse cenário, como se não fosse nítido o suficiente, ainda temos o caso Queiroz para escancarar o abismo social refletido nas prisões e decisões judiciais.

Após a decisão do juiz João Otávio de Noronha, que citava corretamente “presídios cheios”, “casas de detenção lotadas” e “higiene precária”, o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos resolveu recorrer ao STJ, pedindo a soltura de todos os presos provisórios que pertencem ao grupo de risco e não foram acusados de crimes com violência ou grave ameaça. No pedido, os advogados escreveram que negar o habeas corpus a “presos em idêntica situação” a Queiroz significaria “violar o direito à igualdade”.

Como resposta, em negação ao pedido dos advogados, o juiz disse que se tratava de “alegação genérica de que os estabelecimentos prisionais estão em situação calamitosa”, o mesmo argumento – correto, diga-se de passagem - que ele próprio redigiu para soltura de Queiroz.

Enquanto isso, no início desse mês de julho, Lucas de 28 anos, preso e condenado a mais de 5 anos por portar 10g de maconha, morreu de Covid-19. Quantos serão os Lucas neste país?

Mas não era de se esperar mesmo nenhuma coerência do judiciário brasileiro que, eleito por ninguém, vem cumprindo papel político determinante no Brasil, desde o golpe institucional, a prisão de Lula que significou um verdadeiro sequestro do voto popular, até a claríssima proteção a família Bolsonaro, atolada até o pescoço em relações com a milícia.

Hoje, Marielle Franco faria 41 anos, há 866 dias de seu brutal assassinato ainda está engasgado o grito de quem mandou matar Marielle? Nenhuma confiança na justiça é possível, porque ela é de classe, mas na força da luta negra que tomou conta do mundo a partir do levante por justiça a Jorge Floyd, a força da classe trabalhadora, que é negra, feminina, latina, LGBTI+ é a única capaz de arrancar justiça de fato.




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