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JEAN WILLYS | "Jean Wyllys: ’Estado e Bolsonaro são responsáveis pela minha renúncia’"

Após anunciar sua renúncia e saída do país devido à graves ameaças de morte a ele e sua família, o deputado do PSOL, Jean Willys, publicou uma carta que pode ser lida neste artigo. A partir dela, fica evidente a irresponsabilidade, do Estado, que diminuiu a gravidade das ameaças homofóbicas e não tomou qualquer medida de proteção ao deputado, e do governo Bolsonaro, que além de debochar a decisão, alenta a perseguição física à esquerda.

sexta-feira 25 de janeiro de 2019 | Edição do dia

O Estado, a Polícia Federal, ignoraram até mesmo uma Medida Cautelar expedida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que reconhecia risco de morte eminente ao deputado, e ficaram passíveis diante das ameaças. Em recurso, reduziram as ameaças a manifestações preconceituosas e a homofobia à uma expressão vazia, que não diz respeito às mortes de LGBTS todos os dias nesse país.

Bolsonaro venceu às eleições ameaçando metralhar a esquerda, os movimentos sociais, de ódio aos negros e LGBTs, que durante a sua campanha levou a que um de seus seguidores a esfaquear e matar o capoeirista Mestre Moa do Katendê.

Ele e sua família, junto ao governador eleito no RJ, Wilson Witzel, ridicularizaram o assassinato de Marielle Franco, tratando como qualquer outra ocorrência, frente a diversos indícios de envolvimento de políticos cariocas e até mesmo milicianos próximos da família Bolsonaro.

Witzel foi fotografado antes do primeiro turno quebrando uma placa na capital carioca em homenagem à vereadora do PSOL assassinada, mostrando a responsabilidade da sua política de perseguição à esquerda nas ameaças de Jean Willys.

Diana Assunção, dirigente nacional do Movimento Revolucionário de Trabalhadores (MRT), comentou a saída de Jean Wyllys: "Viemos denunciando as gravíssimas ameaças de morte que o deputado Jean Wyllys veio sofrendo. Hoje ele anunciou sua saída do país. O Brasil do golpe institucional tem uma ferida aberta: quem mandou matar Marielle? Com esta ferida, e o avanço do bolsonarismo, a ameaça à deputados da esquerda é crescente. Marcelo Freixo sofreu tentativa de assassinato recente." O deputado afirmou que, após o assassinato de Marielle Franco (PSOL), as ameaças que recebia anteriormente tornaram-se um sinal de alerta para ele.

"É preciso denunciar e responsabilizar o governo Bolsonaro e Witzel por esta situação. Lamentamos a saída de Jean Wyllys, rechaçamos a nojenta campanha bolsonarista #VaiPraCubaJean e chamamos a mais ampla mobilização contra todos os ataques à esquerda, aos movimentos sociais e por justiça a Marielle. É fundamental que os deputados de esquerda coloquem seus mandatos a serviço de construir essa mobilização", declarou Diana Assunção.

Leia a íntegra da carta:

À Executiva do Partido Socialismo e Liberdade – PSol

Queridas companheiras e queridos companheiros,

Dirijo-me hoje a vocês, com dor e profundo pesar no coração, para comunicar-lhes que não tomarei posse no cargo de deputado federal para o qual fui eleito no ano passado.

Comuniquei o fato, no início desta semana, ao presidente do nosso partido, Juliano Medeiros, e também ao líder de nossa bancada, deputado Ivan Valente.

Tenho orgulho de compor as fileiras do PSol, ao lado de todas e todos vocês, na luta incansável por um mundo mais justo, igualitário e livre de preconceitos.

Tenho consciência do legado que estou deixando ao partido e ao Brasil, especialmente no que diz respeito às chamadas “pautas identitárias” (na verdade, as reivindicações de minorias sociais, sexuais e étnicas por cidadania plena e estima social) e de vanguarda, que estão contidas nos projetos que apresentei e nas bandeiras que defendo; conto com vocês para darem continuidade a essa luta no Parlamento.

Não deixo o cargo de maneira irrefletida. Foi decisão pensada, ponderada, porém sofrida, difícil. Mas o fato é que eu cheguei ao meu limite. Minha vida está, há muito tempo, pela metade; quebrada, por conta das ameaças de morte e da pesada difamação que sofro desde o primeiro mandato e que se intensificaram nos últimos três anos, notadamente no ano passado. Por conta delas, deixei de fazer as coisas simples e comuns que qualquer um de vocês pode fazer com tranquilidade. Vivo sob escolta há quase um ano. Praticamente só saía de casa para ir a agendas de trabalho e aeroportos. Afinal, como não se sentir constrangido de ir escoltado à praia ou a uma festa? Preferia não ir, me resignando à solidão doméstica. Aos amigos, costumava dizer que estava em cárcere privado ou prisão domiciliar sem ter cometido nenhum crime.

Todo esse horror também afetou muito a minha família, de quem sou arrimo. As ameaças se estenderam também a meus irmãos, irmãs e à minha mãe. E não posso nem devo mantê-los em situação de risco; da mesma forma, tenho obrigação de preservar minha vida.

Ressalto que até a imprensa mais reacionária reconheceu, no ano passado, que sou a personalidade pública mais vítima de fake news no país. São mentiras e calúnias frequentes e abundantes que objetivam me destruir como homem público e também como ser humano. Mais: mesmo diante da Medida Cautelar que me foi concedida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, reconhecendo que estou sob risco iminente de morte, o Estado brasileiro se calou; no recurso, não chegou a dizer sequer que sofro preconceito, e colocaram a palavra homofobia entre aspas, como se a homofobia que mata centenas de LGBTs no Brasil por ano fosse uma invenção minha. Da polícia federal brasileira, para os inúmeros protocolos de denúncias que fiz, recebi o silêncio.

Esta semana, em que tive convicção de que não poderia – para minha saúde física e emocional e de minha família – continuar a viver de maneira precária e pela metade, foi a semana em que notícias começaram a desnudar o planejamento cruel e inaceitável da brutal execução de nossa companheira e minha amiga Marielle Franco. Vejam, companheiras e companheiros, estamos falando de sicários que vivem no Rio de Janeiro, estado onde moro, que assassinaram uma companheira de lutas, e que mantém ligações estreitas com pessoas que se opõem publicamente às minhas bandeiras e até mesmo à própria existência de pessoas LGBT. Exemplo disso foi o aumento, nos últimos meses, do índice de assassinatos de pessoas LGBTs no Brasil.

Portanto, volto a dizer, essa decisão dolorosa e dificílima visa à preservação de minha vida. O Brasil nunca foi terra segura para LGBTs nem para os defensores de direitos humanos, e agora o cenário piorou muito. Quero reencontrar a tranquilidade que está numa vida sem as palavras medo, risco, ameaça, calúnias, insultos, insegurança. Redescobri essa vida no recesso parlamentar, fora do país. E estou certo de preciso disso por mais tempo, para continuar vivo e me fortalecer. Deixar de tomar posse; deixar o Parlamento para não ter que estar sob ameaças de morte e difamação não significa abandonar as minhas convicções nem deixar o lado certo da história. Significa apenas a opção por viver por inteiro para me entregar as essas convicções por inteiro em outro momento e de outra forma.

Diz a canção que cada ser, em si, carrega o dom de ser capaz e ser feliz. Estou indo em busca de um lugar para exercitar esse dom novamente, pois aí, sob esse clima, já não era mais possível.

Agradeço ao Juliano e ao Ivan pelas palavras de apoio e outorgo ao nosso presidente a tarefa de tratar de toda a tramitação burocrática que se fará necessária.

Despeço-me de vocês com meu abraço forte, um salve aos que estão chegando no Legislativo agora e à militância do partido, um beijo nos que conviveram comigo na Câmara, mais um abraço fortíssimo nos meus assessores e assessoras queridas, sem os quais não haveria mandato, esperando que a vida nos coloque juntos novamente um dia. Até um dia!

Jean Wyllys




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