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GOLPE NO SENADO | Janaina Paschoal, o julgamento de Deus e o impeachment dos homens (de direita)

Imagine um tribunal. Daqueles de filme norte-americano mesmo, com um juiz, um acusado, os advogados de defesa e de acusação e o júri. Agora imagine a advogada de acusação responsabilizando a intervenção divina para justificar as provas do crime. Seria um tanto quanto pitoresco, não? Os argumentos técnicos e jurídicos são substituídos por uma razão superior que tudo sabe e, portanto, irretorquível. Pois é, foi o que ocorreu hoje. Mas ao invés de um blockbuster de quinta, foi o julgamento de impeachment da presidenta Dilma.

terça-feira 30 de agosto de 2016 | Edição do dia

Janaina Paschoal extrapolou os limites da razão em sua fala de acusação. Na íntegra: “eles alegam a todo tempo [o PT] que foram vítimas de vários conluios, conluio de Eduardo Cunha com partidos de oposição com os denunciantes. Acho que se tiver alguém fazendo algum tipo de composição neste processo é Deus. Foi Deus que fez com que várias pessoas, ao mesmo tempo, cada uma na sua competência, percebessem o que estava acontecendo com nosso país e conferisse a essas coragem pra se levantarem e fazerem alguma coisa a respeito.

Que tipo de autoridade podemos conferir a uma defesa calcada na onipotência e onipresença de uma força acima de todos nós? Guardadas as devidas proporções, o espectro da inquisição católica pairou sobre o planalto central do Brasil na manhã dessa terça-feira.

O clima de diplomacia e “civilidade”, como os analistas da Globo News sublinharam tantas vezes, que vinha marcando o julgamento de Dilma no Senado, e que vinha oscilando com cafézinhos, risadas e piadas entre tucanos e petistas, caiu por terra nessa manhã de quarta-feira. Pareceu que o teatrão do domingo fatídico na Câmara dos deputados, orquestrado pelo ‘caranguejo’ da Odebrecht e da Assembleia de Deus, Eduardo Cunha, voltou à cena com a fala de Janaina Paschoal e as justificativas bizarras e grotescas passaram a nortear os rumos do país.

E Janaina foi ainda mais longe. Arrematou sua lógica golpista ao apresentar suas preferências antidemocráticas: “eu prefiro falar em república a utilizar o termo democracia, pois democracia é um termo interpretado de formas diferentes. República não, ‘res-pública’ é o que é de todos, do povo”.

A democracia é preterida pela advogada não por acaso. Estamos vendo a pouca democracia que temos ser rasgada diante dos nossos olhos, com o aval do Supremo Tribunal Federal, aplaudida pela rede Globo e celebrada pela aristocracia financeira brasileira e estrangeira. Janaína trocou a ‘República da Cobra’ pela República de Curitiba, a República da FIESP e pela República Ianquee. Afinal serão eles os maiores beneficiados pelas vendas de estatais e do petróleo que sucederão esse julgamento divino e melancolicamente “republicano”.

Mesmo após o seu juridiquês ter sido rebatido ostensivamente nos últimos meses, descreditando a tese do crime de responsabilidade, Janaína também falou de outras razões de impedimento que não Deus. A ideia central em sua argumentação no Senado foi a de estelionato eleitoral, no qual a presidenta Dilma teria enxugado menos gastos em 2014 com o intuito de se eleger, levando às mentiras que vimos na campanha e os consequentes cortes bilionários no ano seguinte. Mas ela não aponta crítica ao governo pelo fato de ter cortado, e sim pelo fato de ter cortado de maneira muito tardia e muito limitada. Esse é o verdadeiro crime que Janaina Paschoal acusa Dilma, de ter atacado pouco os trabalhadores e ter demorado demais.

A verborragia terminou com lágrimas e pedidos de desculpas. Em meio a um choro final, Janaína pediu desculpas a Dilma pelo sofrimento causado e disse ter feito isso em nome de seus netos (sim, os netos da Dilma mesmo…).

Mas quem falou com mais clareza sobre as verdadeiras justificativas do impeachment, foi seu parceiro de acusação, Miguel Reale Jr. O filho do antigo golpista e integralista homônimo que trabalhou junto à ditadura militar começou sua argumentação dizendo que o processo de impeachment não começou com eles. E sim na Av. Paulista, na Av. Atlântida, Nossa Senhora de Copacaba, no Parcão em Porto Alegre.

Nisso ele acertou! Berço da elite paulistana, da FIESP, dos principais rentistas, banqueiros e mega empresários, a Av. Paulista ilustra bem o local de onde saiu a iniciativa de derrubar Dilma. Ele só esqueceu de lembrar do Largo São Francisco enquanto casa de onde se gestou o texto jurídico. O parcão reuniu a nata dos setores mais reacionários da sociedade gaúcha, bem como a orla carioca foi palco para as barbaridades da classe média da antiga capital.

O julgamento divino aqui ganhou forma mais humana, não necessariamente humanizada, mas de homens de direita de carne e osso com sede de lucro e ansiosos para atacar os trabalhadores assim que o golpe no Senado ser consumado.




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