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Crise sanitária | Itália e Brasil na pandemia: duas faces da mesma moeda?

A Itália decretou o terceiro “lockdown total” desde o começo da pandemia, mas as mortes continuam. À luz dessa experiência e a contrapondo ao negacionismo terraplanista de Bolsonaro e do regime golpista, proponho-me a discutir como apenas a classe trabalhadora pode dar uma saída racional para a crise sanitária, na Itália, no Brasil, em todo mundo.

Rosa Linh Estudante de Ciências Sociais na UnB

quinta-feira 18 de março de 2021 | Edição do dia

FOTO: REUTERS

Já se passou mais ou menos um ano do primeiro confinamento total na Itália, um dos primeiros países do mundo a tomar medidas mais severas de restrição à circulação de pessoas. Diante da terceira onda da COVID na Europa, o governo italiano decretou “lockdown total” a partir dessa semana. A medida valerá para mais de 40 milhões de pessoas, cobrindo cerca de metade do território, tendo vigor até pelo menos o dia 7 de abril e só permitirá que as pessoas saiam de suas casas por “motivos urgentes”.

Esse é o terceiro “lockdown total” desde o começo da pandemia no país. À luz dessa experiência, proponho-me a discutir como apenas a classe trabalhadora pode dar uma saída racional para a crise sanitária, na Itália, no Brasil, em todo mundo.

A Itália basicamente oscilou entre fechamentos ultra-restritivos e reaberturas parciais durante esse último ano. A experiência desse país demonstra que para combater a pandemia existem dois elementos fundamentais a serem considerados: não se trata, de forma unilateral e mecânica, compreender que o combate à pandemia se restringe unicamente entre o binômio reabertura ou lockdown ; o outro, que se liga invariavelmente ao primeiro e que apenas este pode superá-lo, é qual o caráter de classe da gestão da pandemia .

Para deixar mais claro o que quero dizer, usarei dois exemplos aparentemente antagônicos, mas que partem de uma mesma lógica burguesa de gestão da crise sanitária: por um lado, os sucessivos “lockdowns totais” italianos, por outro o terraplanismo negacionista e genocida de Bolsonaro no Brasil.

Primeiro, o exemplo brasileiro. 15 estados já estão com 90% dos leitos de UTIs ocupados. Entre as capitais, 19 têm taxas acima de 90%. Ontem (17), o país chegou a quase 3 mil mortes nas últimas 24 horas. Em meio à crise ministerial, Marcelo Queiroga foi nomeado por Bolsonaro o novo chefe do Ministério da Saúde no lugar de Eduardo Pazuello, e já declarou que continuará a política de morte da presidência.

Trata-se de uma verdadeira barbárie, fruto da gestão negacionista de Bolsonaro, mas também dos governadores como o demagogo da vacina Dória em São Paulo, que já conta com 679 mortes nas últimas 24 horas; ou de Ibaneis - que declara toque de recolher no DF, garantindo mais repressão policial enquanto as UTIs estão lotadas, não testes nem vacinas. Todo regime do golpe institucional, como o STF e Congresso - todos se dizem contra Bolsonaro e racionais, mas imediatamente se juntam a ele quando o assunto é aprovar a PEC Emergencial, um auxílio de fome de R$175. Todos eles, os mesmos protagonistas do golpe institucional feito para descarregar a crise nas costas da classe trabalhadora, mais ainda do que já havia fazendo o PT - todos são responsáveis por chegarmos até aqui.

Esse setor do golpismo é, na verdade, politicamente similar e bastante alinhado com aqueles que defendem o que se aplicou na Itália: medidas ultra-restritivas, mas apenas isso. No total, a Itália registra hoje 3,2 milhões de casos de covid-19 e mais de 102 mil mortes. Os números alarmantes demonstram que nenhum dos governos recentes tomou as medidas mais elementares de combate à pandemia. Tanto o recém nomeado governo do banqueiro Mário Draghi - um partidário de décadas da austeridade e contra os direitos trabalhistas - quanto do último primeiro-ministro Giuseppe Conte, apoiado desde a "antipolítica” do Movimento 5 Estrelas até a extrema-direita da Liga Norte.

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Até o momento, apenas 6,7 milhões de pessoas foram vacinadas na Itália, sendo pouco mais de 2 milhões de pessoas imunizadas, com as duas doses. Isso em um país com 60 milhões de pessoas. Para piorar a situação, a Itália, junto de países como Holanda, Alemanha, França, Espanha, Dinamarca, Islândia e Noruega, suspenderam as vacinações com a AstraZeneca devido altos registros de formação de coágulos sanguíneos nas pessoas vacinadas, apesar da OMS ainda afirmar que a vacina é segura.

A imunização, no entanto é uma medida de médio-prazo para conter o vírus: a esmagadora maioria do mundo é obrigada a esperar pelas vacinas, enquanto não há um plano emergencial para conter mortes imediatamente. E temos um agravante nisso: a vacinação (ou melhor, a não vacinação) está sendo feita às custas de centenas de milhares de vidas para beneficiar uma meia dúzia de capitalistas com as patentes. Essas patentes garantem o segredo comercial e lucros bilionários para meia-dúzia. O governo imperialista da Itália, nesse quesito, é cúmplice direto da irracionalidade capitalista - e sim, tanto Bolsonaro como todo o regime golpista são fiéis capachos dos lucros capitalistas.

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Mas além disso, em meio a tantos fechamentos e reaberturas, nunca houve - e isso se aplica tanto para o Brasil como para a Itália - disponibilização de testagem massiva para rastrear as rotas do vírus, o que possibilitaria uma quarentena racional, preservando emprego e renda. Uma quarentena que tenha como base o isolamento dos vulneráveis, assintomáticos e sintomáticos de forma voluntária, com o confisco das redes hoteleiras, resorts e outras redes de turismo de mesma espécie. É preciso que tudo isso esteja à disposição de um sistema de saúde 100% estatal e controlado pelos trabalhadores, com a contratação emergencial e imediata de profissionais da saúde para ampliar a rede de atendimento; reconversão da indústria que não seja essencial para o combate à pandemia para produção de testes, leitos de UTI, respiradores e outros insumos; liberdade e incentivo a pesquisa independente. Todas essas são medidas a serem tomadas imediatamente precisam ser articuladas também com a quebra das patentes das vacinas para produção em todo território nacional imediatamente, possibilitando a distribuição universal da mesma, garantindo a imunização massiva.

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Diante disso, fica claro que não se trata de uma contraposição seca entre reabertura ou lockdown - mas sim uma disputa entre frações da burguesia - tanto na Itália quanto Brasil, a gestão catastrófica da pandemia tem como responsável a burguesia.

Se o exemplo italiano nos ensina algo, é que a defesa seca e simplória de um “lockdown nacional total”, como boa parte da esquerda brasileira vocaliza, não só não resolve o problema, como também é uma forma do Estado burguês organizar melhor a repressão policialesca à auto-organização e luta da classe trabalhadora. É uma forma de dar coro ao golpismo institucional de Dória, STF e centrão - o mal menor que, na verdade, ainda é um mal enorme e cruel. Uma forma de depositar a confiança na “burguesia democrática” e não na força da classe trabalhadora.

As medidas emergenciais que mencionei são elementares, mas não podem vir desses governos - é preciso impô-las pela luta de classes, com a organização por cada local de trabalho e estudo para se enfrentar com os lucros bilionários dos capitalistas.

A partir do exemplo dos trabalhadores da Amazon, FedEx, do sindicalismo classista e militante na greve geral na Itália; das terceirizadas do HU da USP, da greve dos petroleiros no Brasil: as direções políticas da classe trabalhadora, das centrais sindicais precisam romper com sua paralisia, não separar as lutas entre categorias e organizar a luta imediata para impor um plano emergencial de combate à pandemia! Não podemos esperar até 2022 no Brasil, não podemos esperar a já adiada eleição na Itália - precisamos enfrentar Bolsonaro, Mourão e todos os golpistas agora, precisamos enfrentar o imperialismo e a irracionalidade capitalista agora!

O MRT no Brasil e a FIR (Frazione Internazionalista Rivoluzionaria) na Itália, sessões da Fração Trotskista Quarta Internacional, colocam todas suas forças para construir essa alternativa independente, operária e urgente! A luta política contra as burocracias, que se colocam a reboque da burguesia e desviam a luta, articulada com a batalha incessante por construir e fomentar a auto-organização das e dos trabalhadores e dos estudantes por cada local de trabalho e estudo para enfrentar os lucros dos patrões - essa é a única forma racional e a única capaz de impor pela luta a superação da pandemia, avançando para questionar esse sistema capitalista de miséria e morte.

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