Desde o assassinato de Samuel Paty, quase não se passou uma hora sem um anúncio do governo demonstrando o novo salto repressivo no terreno islamofóbico. O executivo lançou uma ofensiva massiva para efetivar planos de segurança à longo prazo, que já haviam sido iniciados pelo toque de recolher, e, com isso, instrumentalizar descaradamente o assassinato.
quinta-feira 22 de outubro de 2020 | Edição do dia
Bater forte até deixar marcas profundas. Desde o assassinato de Samuel Paty, não há dúvida de que o executivo francês pisou no acelerador no campo de sua ofensiva islamofóbica.
Após o início dos trabalhos, há algumas semanas, da lei do separatismo (NdT: projeto de lei islamofóbico que parte da suposição de que o "radicalismo islâmico" estaria destruindo a república e estimulando o separatismo. Isso, na verdade, é uma desculpa para avançar em mecanismos legais de opressão às populações islâmicas na França, de origem africana e árabe, em sua maioria negras e pobres), o executivo passou, definitivamente, para o trabalho prático: o Ministério do Interior pediu rapidamente a dissolução do CCIF (Coletivo contra a Islamofobia na França) e de Barakacity (ONG internacional muçulmana), a expulsão de pessoas estrangeiras listadas como "radicais", antes de pedirem o fechamento da mesquita Pantin, e a reabertura do debate sobre a lei de Avia, que facilita a censura de conteúdo nas redes sociais e na internet. Uma ofensiva que, ao que parece, está apenas engatinhando, pois o Executivo já planeja uma emenda ao seu projeto de lei sobre o separatismo, pois o considera insuficiente. Esta é uma maneira de aproveitar o efeito de atordoamento para mais um giro autoritário.
Já no domingo à noite, Macron havia pavimentado o caminho para o fim do Conselho de Defesa. “O medo mudará de lado. Os islâmicos não podem dormir em paz em nosso país ”, disse ele. E foi Darmanin quem lançou os primeiros ataques, em seu traje favorito de primeiro policial da França, com operações policiais lançadas na manhã desta segunda-feira contra "dezenas de indivíduos não necessariamente ligados à investigação, mas da qual obviamente queremos enviar uma mensagem […]: nem um minuto de trégua para os inimigos da República ”, explicou, em horário nobre, ao microfone do Europe 1. A "mensagem" é clara: trata-se de passar da teoria à prática do projeto de lei do separatismo que, por enquanto, ainda não foi aprovado. Assim, com o assassinato de Samuel Paty, o governo está aproveitando a oportunidade para dar corpo a essa lei.
“Devemos demonstrar força republicana: desembarcamos, prendemos, expulsamos, decidimos tudo dentro do executivo. Não estamos mais com lanternas de papel, velas ou banners. Os franceses esperam uma resposta firme e radical de nós ”, disse uma fonte do Executivo ao Le Figaro.
Ao mesmo tempo, continua a operação para instrumentalizar o assassinato de Samuel Paty. O governo pretende avançar para deixar nítido quais seus objetivos e assim efetivar, a longo prazo, seu salto repressivo iniciado com o toque de recolher. Após a operação de "união nacional" no domingo, o governo prepara uma cerimônia de homenagem nacional na quarta-feira "no pátio da Sorbonne". O Palácio do Eliseu indica que a Sorbonne é "o monumento simbólico do espírito do Iluminismo e da influência cultural, literária e educacional da França". Uma forma de o governo se vincular ideologicamente a uma história passada e defender o universalismo contra o obscurantismo religioso.
Embora o anúncio do toque de recolher tenha expressado abertamente o fracasso da estratégia sanitária do governo, este é um momento oportuno. Em consonância com a lei do separatismo, o governo joga com o efeito do medo ao tomar emprestado, etapa por etapa, o programa da extrema direita, exigindo uma "legislação de guerra", que não sabemos o que é, tanto que o executivo já está afundando em uma escalada autoritária, por meio de toques de recolher, operações policiais e o fechamento da mesquita Pantin. A aposta do governo é, portanto, cortar a grama de toda a oposição política que foi contra o toque de recolher.
Nesse contexto, o funcionamento do sindicato nacional, junto à esquerda institucional e as lideranças sindicais, não deve apenas se posicionar contrariamente à essa instrumentalização do governo, mas também contra sua escalada repressiva. De fato, existe uma ligação entre a ofensiva islamofóbica e o toque de recolher, que mais parece uma medida policial do que um "confinamento noturno" para fins sanitários.
Embora o governo pretenda aproveitar esta ofensiva islamofóbica em larga escala para endurecer o reforço repressivo operado pelo toque de recolher, é mais do que necessário recusar qualquer operação de "união nacional" que visa, em última instância, desarmar os trabalhadores e a juventude. Cabe a todas as organizações políticas e sindicais, que se dizem parte do movimento social, denunciarem veementemente este salto repressivo que se materializa em várias áreas, desde as medidas islamofóbicas aos atentados aos direitos democráticos.
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