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Índia | A virada Fascistizante na Maior Democracia do Mundo: Parte I

O crescimento desenfreado de forças de direita na Índia está sendo causado pela crise do neoliberalismo. O primeiro artigo dessa série de duas partes analisa as condições que levaram à ascensão da direita.

quinta-feira 26 de março de 2020 | Edição do dia

Um apoiador do Partido Bharatiya Janata (PBJ) usando uma máscara do Primeiro Ministro Indiano Narendra Modi festejando no dia de divulgação dos resultados da eleição geral da Índia. Manjunath Kiran/AFP/Getty Image

Artigo de Raju J. Das, publicado na tribuna aberta do Left Voice

A virada da Índia para a direita, como em outros lugares do mundo, está sendo causada pela crise econômica e política da burguesia. A contínua crise do capitalismo na era neoliberal está produzindo, de forma generalizada, privação econômica, alienação, desemprego, estagnação salarial e angústia de pequenos produtores rurais.

Essa situação econômica e política, combinada com a falta de uma visão alternativa, permitiu que o Partido Bharatiya Janata (PBJ) implantasse uma narrativa ideológica Hindu-nacionalista e um culto à personalidade do seu líder, Narendra Modi, para mobilizar apoio em massa, particularmente apoio Hindu.

Sobre o PBJ

Em 2019, o PBJ adquiriu um mandato avassalador nas eleições Lok Sabha. Conseguiu 303 cargos por conta própria, de um total máximo de 542 cargos, e se estabeleceu como o partido mais favorecido dos Capitalistas indianos. O Partido do Congresso Nacional Indiano, que governou a Índia por 55 dos últimos 72 anos de independência, venceu apenas 52 cargos. Enquanto isso, a Frente de Esquerda foi decimada eleitoralmente, vencendo apenas 5 cargos em toda a nação. Desses 5 cargos, o maior partido comunista da Índia, o Partido Comunista da Índia (Marxista) [ou PCI(M)] venceu apenas três.

Um partido pró-negócios e Hindu-nacionalista, o PBJ é afiliado à União Democrata Internacional, uma aliança global de partidos de direita que inclui os Conservadores Britânicos. O PBJ fez campanha nas últimas duas eleições sob a liderança de uma pessoa, Narendra Modi. Modi apareceu em cena em um mndo pós 11 de Setembro que estava nas garras de uma violenta Islamofobia. O comunalismo endurecido de Modi se encaixou bem neste clima global. Em 2002, pelo menos 1.000 cidadãos muçulmanos foram massacrados por multidões Hindus no estado de Gujarat, onde Modi dirigia o governo. Muitos, incluindo indivíduos da sua própria administração, acreditam que Modi permitiu deliberadamente a chacina. Os Muçulmanos não foram apenas deixados desprotegidos, como também após os motims não foram disponiblizadas instalações de socorro adequadas para as vítimas. Ao se referir às mulheres afetadas pelos motims anti-Muçulmanos, Modi disse: “Devemos administrar centros de ajuda, centros abertos produtores de crianças?” Um jornalista disfarçado que cobria os motims disse, “Eu conheci alguns dos principais burocratas e oficiais que trabalharam para o Sr. Modi em 2002. Eles confessaram sua cumplicidade nos motims de Gujarat; um se gabou para mm que o Sr. Modi deixou a violência piorar, para que isso o ajudasse na sua reeleição” (Ayyub, 2019).

Modi herdou seu comunalismo do RSS (Rashtriya Swayamsevak Sangh ou Corpo Voluntário Nacional), o qual ele entrou quando menino e mais tarde trabalhou em período integral. Estabelecido em 1925 (o mesmo ano em que o PCI veio a existir), o RSS – cujo braço político é o PBJ – é uma organização fascista que adquire inspiração do Nazismo (ver Ahmad, 2015-172-174). Nos seus primeiros anos, quando o país estava em meio a uma feroz luta anticolonial, o RSS considerou os Muçulmanos como maiores inimigos que o governo colonial Britânico e tiveram pouco envolvimento no movimento libertário da Índia. Como um homem comprometido do RSS, Modi acredita na ideia de tornar a Índia em um estado Hindu teocrático, parte do projeto fascista. Para ser claro, como Harman (2004) diz, “a palavra ‘fascismo’ é frequentemente usada de maneira muito leve.” Entretanto a Índia ainda não tenha se tornado fascista, há tendências fascistas que estão se tornando mais fortes, graças as forças do PBJ/RSS.

Além disso, como ministro-chefe de Gujarat, Modi promoveu abertamente as piores formas de capitalismo neoliberal. Disfarçado de desenvolvimento, ele desenrolou um processo que supervisionou a transferência de recursos públicos (como por exemplo terrenos e empréstimos de bancos estatais) para grandes negócios e a supressão de direitos democráticos de trabalhadores. Modi vive por dois lemas: “O Governo não tem nada de ser negócio” e “Mínimo governo e máxima governância.” Ele tenta estabelecer em escala nacional seu modelo Gujarat – uma combinação de comunalismo insensível e capitalismo cruel em sua fachada neoliberal nua. Alguns vêem nele dois Modis diferentes: um Modi comunal-fascista e um Modi amigável aos negócios. Por exemplo, o notório escritor Arundhati Roy uma vez disse isto sobre Modi: “De ser este sujeito sacarino abertamente comunal, cuspidor de ódio, ele passa a vestir o terno de um homem corporativo, e, vocês sabem, agora tenta atuar no papel de um estadista, o qual ele não está conseguindo, na realidade.” (citado em: Smith, 2014). Na verdade, estes são apenas dois lados da mesma moeda, pintados com a falsa imagem de estadista.

Partido do Capitalismo

O governo de 2014-2019, liderado pelo PBJ, foi um dos piores governos nos 70 anos da Índia pós-colonial. Além da desaceleração econômica, houve a maior taxa de desemprego dos últimos 45 anos, estagnação salarial, aumento na desigualdade econômica e uma crise rural sem precedentes, com fazendeiros esmagados por dívidas e desapropriação coercitiva resultando em um ascendente número de suicídios. Também, houveram ataques aos direitos democráticos. Ainda assim, o governo foi reeleito. Porquê e como?
Durante este período houveram protestos massivos de fazendeiros. Milhões de trabalhadores aderiram à greves de nível nacional organizadas por partidos de esquerda, incluindo uma nos dias 8 e 9 de janeiro de 2019, onde entre 150 e 200 milhões de trabalhadores participaram, tornando-se a maior greve do mundo naquele momento. Ainda assim, a raiva dos trabalhadores à nível de ação sindical não foi expressa politicamente como votos contra o PBJ. Na verdade, muitos dos eleitores que apoiam a Esquerda votaram à favor do PBJ em algumas regiões.
Entre a crise econômica e a crise de lucros, a classe de negócios estava ansiosa para reformas pró-investidores que aumentariam seus lucros. Eles financiaram a eleição do PBJ. A máquina eleitoral do PBJ também fez uso total de instituições coercitivas e ideológicas estatais e não estatais (por exemplo a RSS), um processo que contribui para a gradual e desnivelada emergência de um estado fascistizante.

Com a crise da capacidade de lucros, e quando o capital financeiro pode se movimentar rapidamente para dentro e fora de um país, o estado capitalista busca gastar menos tempo em processos democráticos e acelerar o processo de tomada de decisão. Decisões que favorecem capitalistas devem ser tomadas mais rapidamente e com ausência de oposição, incluindo oposição que vem debaixo. Isso cria condições para a emergência de políticos de personalidade, que por sua vez produziu um sistema presidencial na prática, e que contribuiu para a vitória do PBJ em linha com a agenda corporativista. As políticas da personalidade são um aspecto do Bonapartismo, permitindo uma pessoa (como por exemplo, Modi) e as pessoas devotas àquela pessoa tomarem rapidamente decisões pró-negócios parcialmente por controlar todas as partes do estado, incluindo a imprensa, e pelo corporativismo. É importante relembrar de alguns pontos de Trotsky (1934) aqui. Ele diz: “entre democracia parlamentar e o regime fascista uma série de formas transicionais emerge, uma delas o Bonapartismo, que representa o governo dos mais fortes e as partes mais firmes dos exploradores.” Ele adiciona: “o Bonapartismo dos dias de hoje pode ser nada mais do que o governo do capital financeiro que direciona, inspira e corrompe os picos da burocracia, da polícia, da casta de oficiais e da imprensa.”

A agenda do PBJ/RSS e a reeleição do governo do PBJ deixam claro que o efeito objetivo de tudo isso é desviar a atenção política da classe de negócios. Seu plano é ter o efeito objetivo de dividir as pessoas na base da religião e unir trabalhadores e exploradores Hindu sobre o nacionalismo Hindu. A dupla fascista portanto beneficia a classe capitalista. Quando aqueles do RSS e do PBJ, incluindo Modi, falam sobre a tarefa de erguer os Hindus de séculos de escravidão sob o domínio Muçulmano e Britânico, nem sequer uma palavra é dita por eles sobre o fato de que a nação de camponeses, trabalhadores e minorias oprimidas são escravos do 1% da população agora mesmo.

Assim como o capitalismo tem se escondido atrás de coisas como o neoliberalismo e ainda capitalismo piedoso, tendências fascistizantes têm se escondido atrás de um véu de políticas burguesas vis e serviço social burguês. A reeleição do PBJ é ajudada e se alimenta da crença comunalista enganosa de que os problemas populares são causados por diferenças entre religiões e não pelos processos sociais fundamentais como o capitalismo e as intervenções do estado capitalista.

O Papel da Esquerda e dos “Centristas-Burgueses”

É errado, entretanto, culpar somente o PBJ pela virada à direita da Índia. A falha em proteger os direitos democráticos, incluindo os direitos religiosos e de outras minorias, caracteriza o sistema burgês como um todo.
É a combinação conjuntural de a) uma comunalisação compreensiva do sistema político burguês como um todo, em um contexto de crise econômica e b) a absência de um bloco de oposição de esquerda com princípios para defender os direitos econômicos e políticos das classes trabalhadoras, que tem sido a condição para o mandato massivo que o PBJ recebeu no verão de 2019.

Modi, como seu partido, é autoritário. Mas há uma longa história de autoritarismo e militarismo na Índia antes da ascenção eleitoral do PBJ. A história de cerceamento de direitos democráticos, incluindo de trabalhadores contra seus empregadores ou de camponeses contra arrendadores na Índia, é longa. A resistência das pessoas contra o sistema tem sido esmagada desde a independência, frequentemente com extrema violência. Não se pode ser esquecido de que em Junho de 1975, Indira Gandhi impôs a Emergência, que suspendou a constituição da Índia e durou 19 meses. Considere a greve das ferrovias de 1974 que envolveu quase 2 milhões de trabalhadores, que foi derrotada pelo governo do Congresso na base de que ela era “motivada politicamente” (Frankel, 2005:528-530). O sistema político como um todo tem falhado em proteger direitos democráticos assim como atingir as necessidades econômicas populares.

O estado Indiano (isto é, todo o sistema político burguês) tem falhado sistematicamente em punir aqueles responsáveis por incitar atrocidades comunais contra minorias durante os regimes do Congresso e do PBJ.
Quando no poder, partidos não-PBJ (incluindo a Esquerda na Bengala) fizeram pouco para melhorar as condições econômicas dos Muçulmanos, mesmo que eles eram melhor protegidos contra a violência comunal. Estes partidos não fizeram muito pela representação política dos Muçulmanos também; Muçulmanos constituem 14% da população do país, mas a sua representação no governo permanece abismavelmente baixa em 4,7%, e a maior porcentagem desde 1950 foi menos de 9,5%. Seu fraco senso de secularismo tem dado ao claramente comunal PBJ a chance de desmerecer a legitimidade dos partidos que reinvindicam o manto secular.

O sucesso do PBJ está enraizado na crise capitalista e na necessidade objetiva de responder à potencial e real ameaça da política das massas, e seu sucesso está bem dentro dos limites da burguesia, com suas políticas refletindo a economia bruguesa e relações de classes.

Este artigo foi originalmente publicado no Left Voice, portal irmão do Esquerda Diário. Sua tradução para o português foi feita por Leonardo Masella.




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