Abaixo das arquibancadas do CEPEUSP (Centro de Práticas Esportivas da Universidade de São Paulo), os ingressantes da universidade veem a profunda camada de precarização do ensino público, e rapidamente, de seus sonhos. Os jovens que afirmam: “Eu vim para cá querendo estudar na melhor universidade da América Latina”, se deparam com banheiros inundados e insetos em seus quartos. “Quartos” esses que são na realidade, alojamentos precários debaixo das arquibancadas do CEPEUSP. Essa tragédia anunciada tem culpa: a USP não faz nada com mais de R$5 bilhões em caixa.
sexta-feira 3 de maio | 18:24
Créditos da Imagem: Danilo Verpas/Folhapress
Nós da Faísca Revolucionária, desde a calourada, acompanhamos a situação desesperadora de muitos estudantes ingressantes esse ano. Jovens, em sua maioria negros e negras, de fora de São Paulo e por muitas vezes sendo os primeiros a ingressar em universidades de suas famílias, têm encontrado na permanência estudantil da USP um absurdo descaso. Desde o mês passado viemos coletando alguns relatos e denúncias desses estudantes. Tem estudantes que já habitam há três meses as arquibancadas do CEPE, correndo afirmadamente risco de vida. A mobilização estudantil é a resposta para essa precarização frontal às universidades públicas.
A situação de moradia precária no CEPE perpassa pela desativação de três blocos do CRUSP (O conjunto residencial da USP), os blocos “D”, “K” e “L”, dois que foram destinados à reitoria e um que se encontra sem função; há anos despejaram todos os estudantes que lá moravam. Em 2022, o Crusp passou meses sem água e mais de uma vez botou o prédio em contingência sem aviso prévio. Em 2023, em meio a greve estudantil, os mesmos problemas se sucederam, com a universidade despejando uma mulher imigrante que estava grávida, de seu apartamento. E em fevereiro deste ano, além do absurdo com os calouros, o conjunto residencial de mães do Crusp sofreu um alagamento de madrugada, alarmando todas as mães e seus filhos como também escancarando o sucateamento dos prédios. E agora, além do sucateamento dos blocos estabelecidos, a precarização toma outra forma tão brutal quanto, levando os estudantes a morar debaixo de arquibancadas. Vários relatos apresentam essa situação alarmante.
Uma das universitárias relatou a imagem dessa precarização e esse elitismo: “Eu sou de fora de São Paulo, e eu vim para cá com a mentalidade de: ‘a melhor universidade da América Latina, sabe?’ Mas a forma como eles recebem os estudantes é absurda demais. As pessoas que vem de intercâmbio, de fora, não são recebidas dessa forma”. Também denunciam a burocracia universitária para resolver o descaso: “A gente está esperando uma reunião para resolver isso da mesma forma que a gente estava esperando no dia 26 [de fevereiro, primeiro dia da calourada]”. Também afirmam nos relatos a precariedade desses alojamentos como um perigo à vida desses estudantes. “O local tem risco de desabamento, se você for ver tem rachaduras, rachaduras mofadas… mofo pelo chão, infiltração. Ontem mesmo choveu pela noite e o chão estava lotado de água.” Outro estudante relata que não tem arejamento, são até dezesseis pessoas em pequenos quartos, com casos de doenças se agravando. A precarização também acentua as opressões, já foram relatados casos de assédio nos banheiros do CEPE.
Os estudantes relatam também a falta de esforços da universidade para ajudá-los, que não tem saída a não ser viver na dúvida se conseguirão estudar, o que é direito desses jovens, foram quase que nulos. “Eles não entendem de verdade nossa situação” revelam os estudantes sobre os assistentes sociais, totalmente integrados no sistema burocrático e desinteressado da PRIP e da Reitoria. Na realidade, a reitoria vem buscando maneiras de despejar esses estudantes do CRUSP até o dia 17 desse mês, ao invés de fornecer moradia digna a eles.
Cada vez mais a universidade mostra para quem ela se destina, sobre a direção da burocracia universitária ligada aos centros privados de educação e pesquisa nas costas do racismo centenário da universidade. “Como que a gente estuda sem saber se eu vou ter onde morar? Não sei se eu vou ter uma casa, não sei se eu vou ter que voltar para a minha cidade, desistir da faculdade e trabalhar porque eu não tenho como manter a universidade sem o auxílio. É uma coisa bem revoltante. E as assistentes dizem ‘vocês tem que ter um plano B, não podem contar com o auxílio’”.
Como dizia o professor Milton Santos, a USP na sua entrada pelo Portão 1, já deixa claro a quem ela foi feita, como o “Cartão Postal da USP” nas palavras do geógrafo: de um lado a Fuvest (o filtro social racista do vestibular), de outro a academia de polícia (que reprime as manifestações dos estudantes e assassina a juventude negra), e no meio a estátua do cafeicultor de Armando Salles de Oliveira (que pensava a universidade como um reduto para oligarquia paulistana e militava contra a entrada de negros na USP nos anos 50). A reitoria, a partir de programas demagógicos como o USP Pensa Brasil, continua aplicando sua história racista e elitista sobre os estudantes. O “Pensar”, o estudo e a pesquisa fica para os estudantes que conseguem se estruturar e pagar os alugueis de São Paulo próximos a USP em primeiro momento, mas é importante entender que a precarização do CRUSP está alinhado a uma precarização de conjunto na universidade, que afeta os cursos e todos os estudantes.
Para darmos uma resposta a esse absurdo é preciso organizar a luta do movimento estudantil a partir de uma aliança com a classe trabalhadora, da mesma forma que sofrem com esses absurdos os estudantes sofrem também os trabalhadores efetivos e terceirizados da universidade, tanto que a nível federal, diversos técnico-administrativos estão em greve há mais de 40 dias contra o não-reajuste do governo federal de Lula e contra a precarização de conjunto das universidades públicas, que também afetam a USP. As centenas de professores temporários também, sem concursos esses professores chegam a “tapar buracos” na melhor Universidade da América Latina por menos de R$1.200 ao mês. Esses são os mesmo problemas de verba e de descaso com o CRUSP; e devemos questionar frontalmente o congelamento das verbas na USP. Por isso, nós da juventude Faísca Revolucionária sabemos que devemos questionar a estrutura de poder oligárquica, da reitoria ao Conselho Universitário e exigimos a abertura do livro de contas da universidade e a luta por uma nova estatuinte soberana na USP, com espaço para os estudantes e trabalhadores desta universidade.
A partir dessa perspectiva de aliança operária, e de questionar essa estrutura que atende os interesses da burguesia, sabemos que as entidades estudantis devem somar-se a essa luta. É absurdo o fato do DCE (gestão É tudo pra ontem, das correntes Correnteza, Juntos! e UJC) não ter chamado nenhuma assembleia geral para discutir isso, uma passividade que não é novidade da atual gestão, e por isso temos levantado a necessidade de uma chapa de oposição nestas eleições do DCE. O DCE precisava chamar assembleias para todos os estudantes da universidade levantarem-se a favor dos cruspianos e contra a política de despejo que a reitoria promove para a situação precária que ela mesma levanta. Por isso tanto o diretório central quanto o conjunto dos estudantes por meio dos centros acadêmicos dos curso devem se mobilizar para atender as demandas de precarização da moradia estudantil: é papel do conjunto dos estudantes se mobilizar, pois os estudantes do alojamento não podem e não devem lutar sozinhos, pois o que ataca o a moradia ataca também as salas de aula, a educação pública, as bolsas e os espaços democráticos na universidade pública.
Por isso temos que nos inspirar na luta dos estudantes mundo afora; na Argentina milhares de estudantes lutam contra os projetos de privatização das universidades do Milei, que opera na mesma lógica de Tarcísio, e é apenas a auto organização dos estudantes que levará a mobilização a frente desses ataques, em conjunto com os trabalhadores. Nos Estados Unidos os estudantes estão se levantando contra suas reitorias que os reprimem, junto da polícia, por simplesmente protestarem contra o genocídio na Palestina, e colocarem os campus das universidades em suas mãos. Outros tantos lugares do mundo seguiram esse exemplo de não aceitar que a educação dê espaço para o imperialismo e a opressão. Aqui na USP, a Reitoria tem dinheiro para continuar com os laços com universidades sionistas israelense e a OSM (Organização Sionista Mundial), mas não tem dinheiro para fornecer moradia digna aos estudantes. Isso porque a USP congela os gastos na educação pública, e direciona todas as suas atenções para as ações mais nefastas do capitalismo, buscando tornar-se uma referência mundial do neoliberalismo de dentro do Brasil.
A luta internacional pela mobilização estudantil, que não se via há décadas, é uma forte onda para levar a frente uma luta contra os ataques da extrema-direita internacional e nacionalmente - disputar a universidade na mão do povo pobre e dos estudantes que sabem que não há futuro por guerras e exploração do planeta e querem estudar e olhar para tudo que a humanidade produziu com uma visão muito mais ampla do que a de uma arquibancada de ginásio universitário. É revoltante o dinheiro da USP circular entre os banqueiros e o capital privado e não entre a universidade, os pesquisadores e os estudantes. Essa luta e movimentação dos estudantes é o caminho para mostrar que a universidade é da classe trabalhadora e da juventude, entrando em choque com a reitoria por meio de uma mobilização pela educação pública e por dignidade para se estudar.
Para as mobilizações deste ano incluindo as eleições do DCE nesse mês de maio, é necessário pensarmos na USP medidas para nos incorporamos nessa luta internacional, denunciando a repressão da reitoria aos que lutam pela Palestina e denunciando os milionários acordos que a USP tem com universidades israelenses, que mostra como essa mesma reitoria que deixa os estudantes sem moradia, cursos sem professor e trabalhadores sobrecarregados por falta de contratação, gasta milhares com convênios com o sionismo.
Ouça os relatos dos estudantes: