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Um poema para Julia Almeida, Kayla Lucas, Géia Borghi, Danyelly Barby, Michele, Izadora Melina, Laura Vermont, Gisberta Salce, Angela, Ashly, Barbara, Sra. Batista Neves, Bernardino Elizalde, Bianka, Buse, Bruna, Bruna S., Brunete, Camila, Chaina, Chica, Cicarelli, Crispim, Cristina, Dani, Demarkis, Fabiola, Gaivota, Giovana, Gisela, Hilário, Jasmine, Jessica, Karen, Kayden, Ketelen, Leticia, Malu, Marcia, Maria do Bairro, Maya, Sra. Maya Vargas, Mel, Melani, Michelle, Michelly, Mika P. Da Silva, Monica L., Monica D., Sra. Moraes Geremias, Natascha, Natalia, Nathallya, Paloma, Paola, Paula, Pepsi, Sra. Prieto Medina, Priscila, Sra. Rabelini Quadros, Samantha, Sra. Silva de Oliveira, Sra. Santos Pereira, Sejuti, Sra. Teixeira, Trator, Vanessa, Veronica, Sra. Z., Sra. Zalazar, Zhukran, Donizete Rodrigues, Pandora, Daiane Brasil, Sheila Santos, Luana, G. F, Lima, W. A. Pires, Bianca Abravanel, Jéssica Mendes Cavalcanti, Vanessa, Keyti, e tantas, tantas outras...

sábado 16 de julho de 2016 | Edição do dia

Foto: Julia Almeida, 28 anos, assassinada no dia 21 de junho em Ituverara, SP.

Trinta e cinco anos
com sorte, você chega lá
sem ser espancada, esfaqueada
queimada, desmembrada
violada, despida, escarrada, excomungada
um cadáver inerte jogado no mato ou na sarjeta
suicida ou louca, negada mil vezes
pela Sacrossanta Família
pela desonra de ter enfrentado
o valor Sagrado
de que identidade, amor e sexo
são apenas dois nesse mundo

Dois, e não mais. Como quis a Natureza.

Bruxas ao fogo. Hereges.

Quando as pessoas ardiam em grandes fogueiras
para purificar seus pecados
de lavar as mãos
de escrever com a mão esquerda
de dizer que a terra é redonda

Ou que Deus não existe
e que não é sua sua sabedoria infinita
que nos guia, nos determina,
nos dá e tira a vida e suas regras, os homens e mulheres.

Dois e não mais. Como quis Deus.

Não se chegava aos trinta cinco
nos bons tempos
em que se respeitava e louvava
as vontades de Deus, tão maiores que as nossas
que o nosso sujo sonho de liberdade

Sem higiene, sem bactérias, sem frescuras
a boa e pura vida das pessoas simples
e tementes a Deus
a boa e pura vida de quem trabalha de sol a sol na lavoura
e queima tudo aquilo que não entende

Quem precisa de mais do que trinta e cinco anos
de uma vida tão pura, tão boa, tão fiel a si mesma
e a seu Deus, que sabiamente guia, de sol a sol
e que tudo mais vá para o inferno
e assim vivemos

Trinta e cinco, e não mais. Como quiseram, Deus e sua Natureza.

Teu corpo é a afronta, invoca a fúria
de um tesão proibido, reprimido
aquilo que não se entende, se mata
o que questiona a natureza que a natureza nunca nos deu
as regras ditadas aos corpos, aos nossos, que não nos pertencem
que vendemos tão barato às igrejas, aos patrões, ao estado
à uma ilusão fugaz de felicidade
ou a uma dura necessidade de sobrevivência

Ao fogo, Herege.

pela ousadia de querer seu corpo teu.
de sonhar que nós somos aquilo que de nós fazemos
e não o que foi prescrito pela Lei ancestral, incorruptível, incontestável
que nos impõe o dízimo, o salário, a repressão e a resignação

Isso e não mais, tal como as coisas são.

Você, que é sem nome, abominável, não sabe?

Não se pode ser aquilo que ninguém é
que não se ousa dizer, tocar, olhar
um corpo que foge à Lei

O gosto proibido de sua carne será expiado das impurezas
o sangue reluzindo na suja lâmina
para que eles, purificados, se esqueçam
de que também, no fundo, desejam ser
tudo que não podem. Tudo que é impuro.

Tudo que é não mais como quis Deus e sua Natureza.

Naquele tempo de trevas,
se alcançava os trinta e cinco com sorte

Trinta e cinco e não mais, como quis Deus.

Em nosso tempo de trevas, quem comete o pecado de ser o outro
o outro da identidade, da sexualidade, da norma natural
ditada pelo seu Deus,
ditada pela sociabilização,
pelos fenômenos intransponíveis do Ser e do Mundo
alcança os trinta e cinco com sorte.

Trinta e cinco e não mais, como quis Deus.




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