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SÉRIES | Há 25 anos Twin Peaks inovava a televisão americana

Há 25 anos, a série Twin Peaks, de David Lynch e Mark Frost, estreava na televisão americana, surpreendendo público e crítica.
Hoje, seus nove episódios inéditos se veem ameaçados pelo orçamento oferecido pela emissora Showtime.
E você, sabe quem matou Laura Palmer?

quinta-feira 9 de abril de 2015 | 00:00

David Lynch é um diretor americano de cinema cuja produção foge completamente da imagem que costumamos ter de Hollywood. Um diretor visceral, com uma produção muito diversa, mas que tem em comum filmes com o hábito de incomodar, de dar um chacoalhão na cabeça, ou até no estômago, de seus espectadores. Desde seu primeiro filme, o clássico de terror “Eraserhead”, ele não poupa esforços para inovar no modo como cria essa cutucada no público.

Seu primeiro sucesso, “O homem elefante”, de 1980, conta a trágica e linda história de Joseph Merrick, um homem inglês do século XIX que, vítima de grandes deformidades em 90% do corpo e, em consequência disso, foi vítima de todo o violento preconceito que nossa sociedade é capaz de destilar sobre os que são diferentes. Lynch fez da história de Merrick um grito contra a monstruosidade que nunca esteve no “homem elefante”, mas nos que o discriminaram impiedosamente: “eu não sou um monstro, sou um ser humano”, grita em desespero Merrick em uma célebre cena do filme ao ser acuado na rua por uma multidão de curiosos.

O diretor, no caminho para encontrar sua própria linguagem cinematográfica e narrativa, não deixou de “pisar na bola” no caminho. Isso aconteceu com o péssimo filme “Duna” (1984), ironicamente baseado no primeiro volume da excelente série de ficção científica homônima, escrita por Frank Herbert. Lynch estragou o livro, e isso foi praticamente um raro consenso de público e crítica. Mas logo em seguida ele retoma com passos firmes sua empreitada rumo a um cinema diferente das “fórmulas prontas”: seu clássico “Veludo Azul” foi bem recebido pelo público, e traça um marco inicial de Lynch com os filmes de suspense, em que a trilha sonora e os detalhes da direção, como a condução dos atores e cenas incomuns, dão a marca inconfundível de Lynch. Também aí firma uma parceria fundamental dali em diante com Angelo Badalamenti, que assina a trilha sonora.

Foi então que Lynch resolveu passar às telas da televisão e criou uma série de televisão que une o seu grande talento para o suspense com o elemento surreal, a marca mais autoral de sua obra. Em “Twin Peaks”, que estreiou no dia 8 de abril de 1990 na emissora ABC, que fez a arriscada aposta em um diretor já bastante incomum para o cinema, e ainda mais inusitado para a televisão. Curiosamente, a estreia da série fez grande sucesso ao colocar os espectadores diante do mórbido crime do assassinato de Laura Palmer (interpretada por Sheryl Lee). A pergunta “quem matou Laura Palmer?” percorreu o país.

Contudo, como se poderia prever, a audiência não se manteve tão elevada, e em 28 de abril daquele ano o jornal "The New York Times" questionava o futuro do série. Somente quatro episódios haviam sido exibidos e em Hollywood se dizia que "Twin Peaks" era exigente demais com o espectador. Havia muitos detalhes na trama e quem perdia um episódio poderia ficar “boiando”, em uma época em que para assistir a reprise era necessário conseguir gravar o episódio em VHS, porque não havia como assistí-lo mais tarde na internet.

Lynch e o co-criador da série, Mark Frost, ao enfrentar as pressões da emissora para reaver a audiência, tiveram que se submeter aos caprichos dos que mandavam – ou seja, financiavam a criação e transmissão – para dar sequência à exibição de Twin Peaks após o fim da primeira temporada. Assim, contrariando o desejo dos criadores da série, no sétimo episódio da segunda temporada foi revelado, enfim, quem era o assassino de Laura Palmer. A revelação, contudo, como se poderia esperar, fez o interesse do público decair, e, assim, também a audiência.

Foi ameaçado o cancelamento, e Lynch, para fazer frente à emissora, recorreu diretamente ao público, pedindo ajuda para manter Twin Peaks no ar. Seu apelo foi respondido pelos fãs, que organizaram o Citizens Opposing the Offing of Peaks, COOP (Cidadãos em Oposição ao Cancelamento de Peaks). A pressão manteve a série mais um pouco, mas ela acabou sendo cancelada e encerrada no dia 10 de junho de 1991.

Lynch retomou a trama no longa-metragem “Twin Peaks: os últimos dias de Laura Palmer”, que narra os acontecimentos que precederam a série. Apesar do cancelamento, Twin Peaks foi um marco na televisão americana, não apenas pelo seu sucesso de crítica (recebeu 18 indicações ao Emmy em suas duas temporadas, e foi eleita melhor drama no Globo de Ouro em 1991), mas fundamentalmente porque provou que um dos grandes dogmas de como se fazem os programas de televisão está errado: não é necessário subestimar o público e nem repetir enfadonhamente as mesmas manjadas fórmulas de sucesso. É possível atingir um enorme público, instigá-lo, com uma série que saia dessa camisa de força do mercado cultural.
O sucesso da série foi tanto que “Twin Peaks” foi transmitido no Brasil pela Globo, ainda que num horário bastante escondido, quase de madrugada, e com diversos cortes de cenas que a emissora “não quis”... por muitos anos, a única possibilidade de assistir a série no Brasil foi por meio dessa transmissão e das precárias gravações em VHS caseiras que se fizeram dela. Como na ABC, aqui “Twin Peaks” foi submetida aos caprichos dos donos da emissora.

Claro, se Lynch tivesse seguido os padrões impostos, talvez não tivesse enfrentado o cancelamento; talvez tivesse mudado tudo para agradar os donos da emissora. Mas ele é um diretor que conseguiu estabelecer uma carreira sólida fazendo seus filmes surrealistas, oníricos, que optam por não dar ao espectador a “resposta fácil” de um enredo todo mastigado. Em suas obras posteriores, como “Estrada Perdida” (Lost Highway – 1997), “Cidade dos Sonhos” (Mulholland Drive – 2006) ou “Império dos Sonhos” (Inland Empire – 2010) ele vai ainda mais longe e cria filmes que, mantendo a vertente do suspense, contudo, não se baseiam nas histórias, mas muito mais nas sensações causadas ao seu espectador, retomando o surrealismo definitivamente como linha condutora. Isso , no entanto, não impediu Lynch de fazer grandes filmes mais “convencionais”, como o que leva o sintomático nome de “História Real” (The Straight Story – 1999). Mais recentemente, Lynch mostrou querer inovar mais uma vez ao deixar de lado o cinema para produzir uma animação (“Dumbland” – 2002) e uma SitCom (comédia) surrealista (“Rabbits” – 2002) para a internet.

Os fãs de Lynch tinham diante de si um ótimo motivo para expectativa: nos 25 anos de “Twin Peaks”, Mark Frost e David Lynch iriam conduzir nove novos episódios da série pelo canal “Showtime”. Contudo, um balde de água fria foi jogado quando, no último domingo, Lynch anunciou em seu Twitter que abandonaria o projeto por falta de acordo com a emissora em relação ao orçamento liberado para a filmagem dos roteiros. Mais uma vez entra em jogo quem é dono dos meios de produção para fazer a série e a independência de criação dos autores, tal como ocorreu há 25 anos atrás. E, mais uma vez, Lynch arrisca o apoio dos fãs para fazer frente à intransigência de seus “patrões”. Mas, desta vez, conta com o poderoso instrumento da internet a seu favor.

Os próprios atores saíram em campanha pelo retorno de Lynch com uma campanha que viralizou na internet chamada “Twin Peaks sem David Lynch é como...”, em que os atores completam a frase e difundem a campanha com a hashtag #savetwinpeaks. Resta saber se, apesar dos donos das emissoras, teremos de volta o “Twin Peaks” com David Lynch.




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