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Guerra às drogas, encarceramento e repressão policial: o que muda no governo racista de Bolsonaro?

Fernando Pardal

Bruno Portela

Guerra às drogas, encarceramento e repressão policial: o que muda no governo racista de Bolsonaro?

Fernando Pardal

Bruno Portela

A questão das drogas e sua relação com políticas públicas, com a repressão estatal e a violência, com a questão racial e de classe e com a liberdade individual sempre foram temas imprescindíveis do ponto de vista social e político, mas, sob um governo que significa um salto reacionário em toda a linha, esse debate se coloca de maneira mais latente, ainda mais nessa semana que, pela negativa, começou em Manaus com mais de 55 mortos em um massacre num presídio, sob custódia do Estado e da carcerária privada Umanizzare, mas, pela positiva, se encerrou com milhares de jovens tomando as ruas de São Paulo e outras cidades em defesa da legalização da maconha e contra a violência estatal e o encarceramento em massa.

Recentemente, o ministro da saúde de Bolsonaro, o emedebista Osmar Terra, censurou uma pesquisa feita pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) sobre o uso de drogas no Brasil. O estudo, 3º Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, envolveu 500 pesquisadores e custou R$ 7 milhões, realizando 16 mil entrevistas no país. O seu resultado, no entanto, não agradou o governo Bolsonaro porque constatou que não existe uma epidemia do uso de drogas no país. O ministro declarou : “Se tu falares para as mães desses meninos drogados pelo Brasil que a Fiocruz diz que não tem uma epidemia de drogas, elas vão dar risada. É óbvio para a população que tem uma epidemia de drogas nas ruas. Eu andei nas ruas de Copacabana, e estavam vazias. Se isso não é uma epidemia de violência que tem a ver com as drogas, eu não entendo mais nada. Temos que nos basear em evidências.”

Mas o que ele fez, em nome do governo Bolsonaro, foi justamente proibir a divulgação das evidências coletadas pelo fundamental estudo da Fiocruz que contrariam seu discurso reacionário. Por mais que possa parecer completamente irracional a medida de Osmar Terra, ela mostra a forma como o bolsonarismo leva até o fim uma lógica que permeia a relação do Estado capitalista com as substâncias que ele convencionou chamar de “drogas”. A política é de criminalização e repressão brutal contra usuários e traficantes, mas, para além disso, serve como pretexto a uma política racista de violência e de encarceramento em massa da população negra e das favelas. Voltaremos a isso logo menos.

Talvez um dos marcos históricos mais fundamentais do recrudescimento da política de repressão estatal contra as substâncias psicoativas que foram criminalizadas seja o início da “guerra às drogas” promovida pelo governo de Richard Nixon a partir de 1971 nos EUA. O presidente estadounidense afirmou, nesse momento, que as drogas eram “o inimigo público número um”, e instaurou medidas repressivas de criminalização do uso e comércio, criando em 1973 a DrugEnforcementAdministration (DEA), uma agência governamental cujo foco missão era o combate às drogas. Atualmente, a DEA conta com um orçamento de mais de 2 bilhões de dólares.

Imagem - Bruno Portela

Por trás desse pretexto oficial se escondia a política de uma presença militar e um intervencionismo cada vez maior no “pátio traseiro” dos EUA, a América Latina, bem como a repressão interna à esquerda que era contrária à guerra do Vietnã e aos negros, conforme afirmado por seu próprio ex-assessor de política interna, John Ehrlichman, numa entrevista para a revista Harper em 1994: “Nós sabíamos que não podíamos tornar ilegal tanto ser contra a guerra quanto ser negro, mas ao fazer o público associar os hippies à maconha e os negros à heroína, e então criminalizar severamente ambos, nós poderíamos quebrar suas comunidades. Nós poderíamos prender seus líderes, invadir suas casas, interromper suas reuniões e aviltar eles noite após noite no noticiário noturno. Nós sabíamos que estávamos mentindo sobre as drogas? É claro que sabíamos”.

Já a proibição de substâncias como a maconha, por exemplo, são muito anteriores, e remetem a políticas de estado racistas e xenófobas, também fundamentadas na necessidade de um controle social repressivo sobre grupos explorados e oprimidos com um potencial explosivo contra a sociedade de classes. Nos EUA, por exemplo, a maconha era usada para diversos fins no século XIX, incluindo a produção de tecidos e o uso medicinal. No início do século XX, com uma imensa onda migratória de mexicanos, estes popularizaram no país o uso recreativo da erva, e em 1937 foi criada a primeira lei restringindo seu consumo, a Marijuana TaxAct, incluindo uma pesada taxação e punições severas aos que não a pagassem. Também surge uma campanha ideológica associando o uso de maconha a comportamento violento Tudo isso estava diretamente ligado ao preconceito contra os mexicanos (funcional para as políticas anti-imigrantes e de disputas territoriais entre esse países), e também contra os negros (as propagandas diziam que a maconha fazia os negros “esquecerem seu lugar na sociedade”). Nos primeiros anos após a proibição, o caráter racista da lei se mostrou no fato de que os negros tinham três vezes mais chances de ser presos devido à posse de maconha do que os brancos, e os mexicanos, nove vezes mais.

Já no Brasil, a criminalização da maconha também tem raízes racista, e começou no Rio de Janeiro em 1830, com uma lei que previa 3 dias de prisão para os “escravos e outras pessoas” que fumassem o “pito do pango”, como era conhecida a maconha então. Um ditado da época dizia: “maconha em pito faz negro sem vergonha”. Sua proibição nacional data de 1932. A isso antecede toda uma campanha ideológica e política sobre os “efeitos nocivos” do “fumo de negro”, como era conhecida a maconha, capitaneada pelo médico e político Rodrigues Dória.

O racismo que estava na origem da proibição da maconha está hoje ligado à manutenção da proibição das drogas. No Brasil, no mesmo período em que Osmar Terra proíbe a divulgação de estudos que demonstram que a propaganda ideológica de que as drogas estão matando a juventude é completamente falsa, vimos episódios como um massacre de 55 presidiários no Amazonas, o fuzilamento de um trabalhador por 80 tiros do exército, o governador do Rio Wilson Witzel a bordo de um helicóptero que atirava a esmo sobre uma favela, uma chacina na favela do Fallet, também no Rio, com o saldo de 17 execuções feitas pela polícia, e um número recorde de assassinatos cometidos pela polícia nesse mesmo estado. O que todos esses episódios têm em comum, além de uma política repressiva brutal e racista por parte do Estado, é que encontram sua fundamentação ideológica na “guerra às drogas” e na política de “tolerância zero” por parte do Estado. Para ilustrar como tudo isso se aprofunda no bolsonarismo, a estatística de dois estados com governantes que defendem a mesma “linha dura” deixa muito evidente: em São Paulo, sob comando de Doria, as mortes praticadas pela polícia em serviço aumentaram 17% no 1º quadrimestre, já com Witzel no Rio de Janeiro foi registrado aumento de 23% nos números de morte por intervenção policial em abril, sendo o maior número dos últimos 20 anos.

Medidas para aumentar a repressão e legalizar assassinatos cometidos pela polícia através da impunidade, como o “pacote anticrime” de Sérgio Moro, expressam a sanha do governo de recrudescer a barbárie cotidiana que o Estado – por meio da polícia e do judiciário – cometem cotidianamente nas favelas e periferias. Qualquer possibilidade de desmentir a justificativa do “perigo das drogas”, já desmantelada há muitos anos por inúmeras pesquisas científicas sérias, deve ser queimada na fogueira ideológica armada pelo bolsonarismo, o que inclui a pesquisa da Fiocruz.

É por isso, também, que a questão da legalização das drogas no Brasil tem um peso muito distinto do que ocorre em países como o Canadá ou Uruguai. O Brasil foi o país que recebeu o maior influxo do tráfico negreiro em todo o globo, e o último país do mundo a abolir a escravidão. É o maior país negro fora da África, e também um dos países mais desiguais do mundo, com uma miséria que atinge sobretudo o povo negro, que é maioria nas favelas e presídios, e minoria nas universidades, são também os que mais sofrem com a falta de políticas públicas como na saúde, habitação e transporte. A política de guerra às drogas em nosso país, portanto, é a pedra fundamental de uma política repressiva que tem a necessidade de ser uma das mais brutais e assassinas do mundo, pois precisa conter as maiores contradições sociais na base da violência.

Imagem - Bruno Portela

Não é por acaso que temos assim, segundo dados de junho de 2016 (última atualização do Infopen) do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, a terceira maior população carcerária do mundo, com mais de 720 mil pessoas atrás das grades (o dobro do número de vagas permitidas), sendo 64% de negros e 55% de jovens entre 18 e 29 anos, 51% que não completaram o ensino fundamental, 10% que são analfabetos ou foram alfabetizados fora de cursos regulares. Só 11% das pessoas com deficiência que estão presas estão em unidades adaptadas. 64% das mulheres têm pelo menos 1 filho. 40% de todas essas pessoas presas nem tiveram direito a julgamento e estão como “provisórios”. Todos esses dados mostram a cara da política de encarceramento brasileira e a miséria social que suas vítimas estão inseridas.

Entre os presos, 28% foram acusados de algum crime ligado ao tráfico. Entre as mulheres presas, esse número sobre para 64%. E a atual lei sobre drogas no país confere a prerrogativa ao juiz e/ou policial e seus arbítrios de dizer se alguém apreendido com alguma substância ilícita é usuário ou traficante, contraditoriamente sem haver descrições padrões de como diferenciar ambos casos pela quantidade, substância e/ou situação, o que conta é a subjetividade de policial, do delegado e do juíz, sua “experiência”.

Segundo o livro de 2011 “PRISÃO PROVISÓRIA E LEI DE DROGAS - Um estudo sobre os flagrantes de tráfico de drogas na cidade de São Paulo” do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo estão: “Para esta distinção [diferenciação entre quem é usuário e quem é traficante], a condição socioeconômica muitas vezes aparece como fiel da balança, o que deve ser fortemente questionado quando se tem em vista a distribuição igualitária da justiça. Uma distinção baseada no poder aquisitivo do suspeito abre precedentes para a mera continuidade do foco do poder punitivo do Estado sobre uma parcela específica da sociedade. Como apontado neste estudo, o perfil do preso por tráfico de drogas em nossa amostra obedece a um padrão muito claro. Neste tipo de ilegalidade específica, os operadores entrevistados parecem demonstrar uma tolerância maior com suspeitos de classes média e alta. Assim, uma pessoa de classe média abordada com razoável quantidade de drogas pode se passar por usuário e sua defesa será facilitada”.

Dentre as conclusões dessa pesquisa, foram identificados padrões na prisão por flagrante de tráfico de drogas: apreende‐se apenas uma pessoa por ocorrência, e a autoridade policial que efetuou a prisão é a única testemunha do processo; a média das apreensões de entorpecentes é baixa: 66,5 gramas de droga; os(as) acusados(as) não têm defesa na fase policial; os(as) acusados(as) representam uma parcela específica da população: homens, jovens entre 18 e 29 anos, com baixa escolaridade e sem antecedentes criminais; a maioria dos réus foi assistida pela Defensoria Pública e respondem ao processo privados de liberdade em situação de prisão provisória, e aos condenados não é dado o direito de recorrer em liberdade.

Além disso “a falta de apuração cuidadosa aos flagrantes de tráfico geram uma série de consequências: pessoas condenadas apenas com a fala dos policiais que realizaram sua prisão; insegurança com relação à definição do delito (uso ou tráfico), visto que não fica provada categoricamente o propósito da traficância pelo apreendida, sendo todo o processo baseado nas declarações dos policiais que realizaram a prisão. Indo adiante, a principal consequência dessa política de combate é a geração de uma grande massa de jovens com passagem pela polícia, registros criminais e com os estigmas produzidos pela prisão. O sistema de justiça não pode ignorar as consequências sociais e culturais que ele mesmo produz”.

Nesta reportagem da Agência de Jornalismo Investigativo “A pública” é categórico que além da questão de classe, se coloca principalmente a questão racial: em São Paulo negros são mais condenados por tráfico do que brancos, mesmo com menos drogas (ou seja, brancos mesmo que estejam com mais drogas são mais facilmente enquadrados como usuários).

Bons exemplos dessa “justiça” diferente para pobres e ricos, brancos e negros (e como a política de encarceramento em massa é conscientemente construída para um controle social dos pobres, pretos e periféricos) são os casos como o do helicoca de Zé Perrella, e sabemos como surgem as “provas” do crime (lembremos do caso de Rafael Braga, preso com seu “explosivo” Pinho Sol, e já poderemos saber como se forjam a maioria dos “flagrantes”). Para vermos como funciona cotidianamente esse esquema lucrativo para a polícia e o tráfico, podemos lembrar do emblemático caso do Batalhão de São Gonçalo, na baixada fluminense, que reportamos aqui e aqui.

Continuando ainda no tema da “justiça” e do encarceramento em massa, o episódio do massacre no Amazonas (segundo em 2 anos) mostra outro aspecto cruel da crise penitenciária brasileira: a privatização. Nesta semana 55 pessoas que estavam presas no complexo de unidades penais Anísio Jobim em Manaus foram assassinadas no que as autoridades chamam de “briga entre facções”. A empresa Umanizzare que administra o complexo é a mesma há anos, e nesse tempo é responsável, junto com o Estado, pela morte de centenas de pessoas que estão sob custódia do Estado. No caso de 2017, até hoje o Estado não indenizou as famílias das vítimas. No caso deste ano, 20% dos que morreram não tinham sido julgados e vários deles estavam “jurados de morte”, o que mostra a negligência da administração com essas vidas.

A privatização é um avanço cruel no encarceramento em massa, porque aprofunda seus principais aspectos (superlotação, tortura, trabalho forçado, péssimas condições, desumanização, ausência de dignidade e direitos humanos respeitados) e ainda transforma isso em lucro. As prisões brasileiras estão no caminho oposto da recuperação dos indivíduos justamente porque este não é de forma alguma seu objetivo; o encarceramento em massa é um mecanismo de controle social, e reforça todos os elementos da violência que tem se aprofundado cada vez mais em nossa sociedade, inclusive amplia a força do tráfico de drogas e de armas e as organizações que lucram com isso.

Em tempos de crise, crescente desemprego, aumento da exploração e corte de verbas para direitos sociais como educação e saúde, de ataques imensos aos direitos dos trabalhadores, como a reforma trabalhista e agora a reforma da previdência, é uma necessidade para o capitalismo aumentar a repressão para dar uma “resposta” ao crescimento da violência social que é fruto da miséria criada e disseminada pela própria classe dominante. Um exemplo disso é que os gastos com prisões provisórias na cidade de São Paulo superam investimentos em programas sociais fundamentais.

Portanto, o combate contra qualquer repressão às drogas, que é a principal bandeira para legitimar essa repressão monstruosa, é uma questão fundamental para qualquer oposição séria às chacinas e encarceramento em massa por parte do Estado. Da mesma forma, a tentativa de separar tráfico, milícias e Estado como se fossem rivais em uma guerra é uma farsa que é preciso combater, mostrando os mil laços que unem setores desses distintos poderes reais – hoje em dia chegando até mesmo à própria família presidencial. Daí deriva a conclusão de que não podemos exigir uma mera descriminalização do uso pessoal da maconha que seria feita pelo STF, como tem levantado diversos setores da esquerda, pois isso não enfrenta essa política repressiva: é necessário lutar pela legalização de todas as drogas.

Mas há também outros motivos que sustentam a proibição das drogas, e cada um deles mereceria uma profunda discussão em detalhes, que não será possível desenvolver aqui. A indústria farmacêutica, por exemplo, têm grande interesse em proibir a legalização da cannabis – uma substância não patenteada que, até sua proibição, era indicada como tratamento para mais de cem doenças distintas. O interesse da indústria farmacêutica e a da burguesia na criminalização e a importância da cannabis medicinal pode ser lido aqui.

O controle sobre nossos corpos e mentes, a imposição de uma moral e uma disciplina do trabalho que esteja a serviço de nossos patrões também cumpre um papel nada desprezível na manutenção de certas proibições. Se rompermos o rótulo do senso comum, em que as “drogas” são apenas as substâncias proibidas pelo Estado, e pensando que merece esse título qualquer substância psicoativa, capaz de influenciar nosso estado de espírito, percepção, funções sensoriais e cognitivas etc., chegaremos a conclusão de que não há quem não use drogas em qualquer sociedade humana. Desde a cervejinha no bar, passando pelo cigarro e chegando ao café (uma droga que, aliás, foi mundialmente popularizada pela sua extrema funcionalidade para ajudar os trabalhadores a terem disposição para a exploração cotidiana), todos consumimos uma ou mais drogas todos os dias. Isso sem falar nas mais pesadas e que são ofertadas como “a cura para todos os males”, como os antidepressivos e ansiolíticos – cujos potencialmente graves efeitos colaterais são cuidadosamente omitidos do conhecimento popular. Assim, muitas drogas são permitidas, desde que sob controle do Estado capitalista, garantindo altos lucros privados e servindo para manter a sociedade tal como é.

A guerra às drogas também cumpre um outro tipo de repressão e normatização social, que vem recobrando seu peso no bolsonarismo, e isso está relacionado à sua concepção do tratamento das doenças psíquicas, incluídas aí a dependência de drogas. Não à toa, a política de redução de danos, que preconiza uma visão não proibitiva nem moralista de amparar os usuários de drogas, foi descartada por Osmar Terra como “enxugar gelo”. Essa ideia de agravar a repressão às drogas já vinha desde o golpe institucional, com declarações como a de Alexandre de Moraes que, quando ministro de Temer, prometeu “erradicar a maconha da América Latina”.

Tratar as drogas como uma questão moral, identificando nelas a “degradação moral” da sociedade, cumpre um papel ideológico fundamental para o discurso da extrema-direita. Mas também ajuda a avançar em medidas repressivas que podem ser utilizadas amplamente contra setores pobres, como a internação compulsória, legalizada novamente pelo governo e o Congresso. E, para além disso, há um grande interesse econômico de um importante setor de apoiadores de Bolsonaro por trás: as igrejas evangélicas, por exemplo, são responsáveis por uma série de “clínicas de reabilitação” ou “comunidades terapêuticas” onde, agora, com a aprovação da PLC 37 os pacientes podem ser internados à força por familiares para fazerem tratamentos (e nem os familiares terão o direito de tirá-los depois), isso junto com as políticas de insenções fiscais que encherão os bolsos de empresários como Silas Malafaia e Edir Macedo com dinheiro público (serão mais de R$ 297,8 milhões por ano repassados às instituições) com a nova política de drogas bolsonarista proposta pelo PLC 37, prevê um endurecimento no tratamento repressivo já absurdo, representando décadas de retrocesso em termos de políticas de Estado para a saúde mental (como o retorno dos manicômios, o eletrochoque, internação de crianças e adolescentes e a abstinência como política central de atenção às drogas, ao invés da redução de anos).

O país se reaproxima da era manicomial em que eram produzidos episódios de barbárie como o do hospício de Barbacena, retratado pelo livro de Daniela Arbex “Holocausto Brasileiro” e pelo documentário homônimo, em que cerca 60 mil pacientes foram assassinados e até mesmo seus corpos foram vendidos. Essas “comunidades terapêuticas” evangélicas que são verdadeiras prisões para usuários de drogas e dependentes químicos (que também são denunciadas por tortura, trabalho forçado e abusos) saírão fortalecidas com esse aprofundamento da “guerra às drogas”, enquanto no CAPS AD (instituição do SUS referência no tratamento de dependentes de álcool e drogas, além de doenças psiquiátricas) o gasto com o atendimento ambulatorial em 2018 foi de R$ 4,2 milhões. Se as comunidades terapêuticas hoje ganham força sob o governo de Bolsonaro, é necessário lembrar que também foram também defendidas e alentadas pelo governo do PT, quando Gleisi Hoffman garantiu o aumento de seu financiamento e defendeu a ampliação dessas prisões evangélicas, sendo inclusive elogiada por Reinaldo Azevedo por sua firmeza nessa questão, já que a então ministra da Casa Civil defendeu até mesmo o projeto de Osmar Terra que implementava a internação compulsória.

Hoje, muitos setores apostam numa estratégia para avançar no combate a toda essa barbárie que consiste em pressionar o STF para que esse descriminalize o uso individual da maconha, como um avanço que abriria portas para novas conquistas. Dentre os muitos problemas de apostarmos nesse caminho, está o fato de que esse mesmo STF – apoiador de primeira hora do golpe institucional que abriu portas para todos os retrocessos nas políticas sobre drogas que relatamos, entre muitos outros – é um dos pilares de um sistema judiciário que encarcera milhões sob o disfarce da “guerra às drogas”, além de usar pautas democráticas como essa como moeda de troca para suas negociatas. É um pilar de um Estado racista e assassino que precisa manter essa política de militarização e barbárie nas favelas e contra os negros. Por isso, o que está em pauta é justamente a “descriminalização do consumo individual”, porque, por mais que isso seja um avanço para muitos poderem ter um direito elementar de decidirem fumar maconha ou conseguirem tratamento, isso não mexe em uma vírgula na política de combate ao tráfico, que é o que mata todos os dias.

A criminalização das drogas só interessa à indústria farmacêutica, ao tráfico, ao Estado e seus aparatos e instituições repressoras e outros setores que lucram com o sofrimento de milhões e milhões. É preciso defender a legalização de todas as drogas, com a produção, fiscalização, controle de qualidade e distribuição estatizadas sob controle operário e popular, bem como o uso medicinal e recreativo das drogas. Em defesa da autodeterminação de cada um sobre seus próprios corpos e suas consciências, livre da hipocrisia e do moralismo dos setores reacionários da sociedade, que usam sim muitas drogas e lucram com a barbárie que nos impõem. Precisamos dar um basta nas operações policiais que matam a juventude negra e pobre e destroem famílias inteiras com a desculpa de “guerra às drogas”, bem como o encarceramento em massa. É necessário abolir a internação compulsória e todas as práticas manicomiais. Somente lutando de forma independente para que consigamos a legalização de todas as drogas poderemos de fato atacar a “guerra às drogas” e as políticas repressivas e moralistas do Estado capitalista que se aprofundam muito no governo Bolsonaro.


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