Sob a pressão da greve geral que paralisa a economia do país, os militares de Mianmar, por meio de uma repressão brutal, estão tentando acabar com o movimento.
sexta-feira 19 de março de 2021 | Edição do dia
A economia de Mianmar está completamente parada há várias semanas. Milhões de trabalhadores entraram em greve, 90% das exportações e 80% das importações estão bloqueadas e os grevistas se recusam a voltar ao trabalho enquanto o exército estiver no poder.
Esse salto na balança de forças é motivo de grande preocupação para o governo militar, que nos últimos dias deu uma guinada repressiva sangrenta de grande magnitude. A lei marcial foi declarada em Yangon e em muitas outras cidades do país, e o exército não hesita mais em abrir fogo contra as multidões de manifestantes que continuam a tomar as ruas em todo Mianmar.
14 de março foi o mais sangrento desde o golpe. O exército matou pelo menos 39 manifestantes naquele dia, incluindo 22 apenas no distrito industrial de Hlaing Thaya, onde milhares de pessoas montaram barricadas para lidar com o ataque, elevando o número de mortos para 190 no movimento desde 1º de fevereiro.
E não é por acaso que o exército se concentrou quase exclusivamente na repressão no município de Hlaing Thaya. Com mais de 700.000 habitantes, só o distrito constitui o maior parque industrial do país em termos de exportações portuárias em particular, e da indústria têxtil, cujos trabalhadores desempenharam um papel importante na organização do movimento.
Hlaing Thaya foi apontado como o coração e ponto de partida da greve que assusta os militares. Não só porque estes últimos têm interesses privados em grande parte da indústria e da economia do país, mas também porque o desenvolvimento da resistência que se organiza contra o golpe de Estado se radicaliza com o método da greve geral e dá um giro cada vez mais irreversível contra o regime.
É também neste sentido que os militares começaram a tomar medidas repressivas contra os servidores que aderiram ao movimento de protesto. Assim, nesta segunda-feira, soubemos que dez funcionários públicos foram condenados a penas de prisão por expressarem sua oposição aos militares. O governo também desalojou funcionários que protestavam de suas casas.
Esse medo dos militares se explica pelo fato de que, em apenas um mês, a greve conseguiu se espalhar por todo o país e agora está bloqueando toda a economia de Mianmar. Neste 7 de março em particular, quando vários setores já estavam em greve em diversos setores produtivos, as 18 centrais sindicais mais importantes assinaram um chamado conjunto de greve geral nacional, até a saída dos militares.
18 different Myanmar union federations and worker organizations issue joint call for general strike against the military coup, calling on all workers nationwide to join in an extended work-stoppage in the coming days.
Absolutely heroic and historic by Myanmar unions. pic.twitter.com/DQb10Pdb2c
— Andrew Tillett-Saks (@AndrewTSaks) March 7, 2021
Tradução do tweet: 18 diferentes cemtraos sindicais e organizações de trabalhadores de Mianmar lançam convocação conjunta para greve geral contra o golpe militar, conclamando todos os trabalhadores em todo o país a se juntarem a uma paralisação prolongada nos próximos dias.
Absolutamente heróico e histórico para os sindicatos de Mianmar.
Neste apelo, as organizações escrevem que “não aceitarão ser escravos da junta militar” e apelam aos camponeses, mineiros, trabalhadores da energia e dos transportes para que parem todo o trabalho produtivo “até que recuperem a sua democracia”.
Desde então, a greve atingiu escala nacional em muitos setores-chave da economia. No porto de Yangon, por onde passa a grande maioria das importações e exportações do país, quase 90% dos porta-contêineres ficaram estacionados por várias semanas aguardando carga e acabaram sendo deixados completamente vazios.
Esta é uma greve massiva de funcionários de bancos privados em Mianmar, que começou em 8 de fevereiro, e teve um impacto tal que o pagamento de direitos aduaneiros para a maioria dos exportadores se tornou impossível. Poucos dias depois, cerca de 3.000 caminhoneiros portuários aderiram à greve, 70% dos trabalhadores do setor, e impediram o desembarque da maioria dos transatlânticos do porto. Este primeiro movimento de greve deu então o ímpeto necessário a muitos outros trabalhadores do setor portuário e, mais tarde, aos funcionários da alfândega para entrarem em greve.
O comércio exterior foi então completamente bloqueado. A produção têxtil foi rapidamente afetada pela falta de matéria-prima. Mas a maior preocupação que pesa sobre o governo militar agora é a escassez iminente de combustível. O país consumiria cerca de 15 mil barris de combustível por mês e só teria estoque suficiente para abastecê-lo por dois meses.
O governo militar chegou a organizar uma reunião sobre o tema no dia 25 de fevereiro para reorganizar o comércio e reduzir, ainda que um pouco, sua dependência do petróleo. Sua principal preocupação é perder qualquer negócio com seus principais sócios estrangeiros.
Tal situação é insustentável a longo prazo para o governo que se recusa a ceder e, portanto, usa todos os meios repressivos imagináveis para acabar com o movimento grevista. Porém, cada dia a mais de bloqueio torna a situação mais explosiva para a população, e a repressão não parece diminuir a determinação do movimento.
Diante das ofensivas mortais da Junta Militar, um representante sindical de uma empresa têxtil que fabrica jaquetas para a Adidas disse ao New York Times: “Quanto mais vejo seu sofrimento, mais quero lutar, mesmo correndo o risco de morrer".
No contexto da pandemia em particular, a população enfrenta uma crise sem precedentes. Com uma taxa de extrema pobreza que triplicou em um ano, atingindo 63% da população. E a escassez de recursos se espalhando nos supermercados fez com que os preços do óleo de palma e do arroz disparassem em cerca de 20%, segundo o Programa Mundial de Alimentos.
Nessas condições, o movimento está em uma encruzilhada em vários aspectos. A greve está afetando os interesses dos militares, mas ao mesmo tempo, os trabalhadores e as classes populares estão afundando em uma grave situação econômica. É nesse sentido que surge a necessidade de controle dos trabalhadores e da população sobre a distribuição das necessidades básicas, de forma a satisfazer as necessidades cotidianas da própria população. Corre-se o risco de contrastar os interesses da população trabalhadora com os dos capitalistas que, para alguns, procuram tirar partido da situação. A auto-organização dos trabalhadores será, portanto, essencial para enfrentar esses desafios para a continuidade da luta contra os militares.