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Gramsci e Lênin: a importância do jornal revolucionário e os desafios da rede internacional La Izquierda Diario

Douglas Silva

Gramsci e Lênin: a importância do jornal revolucionário e os desafios da rede internacional La Izquierda Diario

Douglas Silva

“Dizer a verdade é revolucionário”

Os jornais para os marxistas sempre cumpriram um papel primordial, seja em momentos decisivos da luta pela tomada do poder, como na Rússia pré-revolução, ou em situações de relativa “paz social”. A concepção de um verdadeiro jornal como ferramenta do partido e, sobretudo, como ferramenta de toda a classe trabalhadora, não passou sem deixar, também, de ser um terreno de disputa dentro da esquerda mundial. No presente artigo, tentamos ligar um pouco da visão de Gramsci e Lênin sobre a importância do jornal para os revolucionários marxistas e apresentar o papel que vem cumprindo a rede internacional La Izquierda Diario ao redor do mundo.

Primeiramente, nos cabe recordar os dois nomes citados acima: Gramsci e Lênin. O primeiro, o comunista italiano tão referenciado pela direita brasileira pelo seu suposto “marxismo cultural”, teve uma vida breve – passando parte significativa nas prisões da Itália fascista de Mussolini – como grande intelectual marxista e que soube usar e reconhecer a força do jornalismo, considerando, em primeiro lugar, a atividade jornalística como jornalismo militante. O sardo passou por vários jornais italianos, escrevendo para Grido del Popolo e L’Avanti, fundando, em 1919, o L’Ordine Nuovo e L’Unità, em 1923-24.

Por sua vez, Lênin, estrategista – ao lado de Trótski – da Revolução Russa e fundador do Partido Bolchevique, também foi um grande intelectual marxista, sendo sujeito ativo desde a criação e elaboração de dois dos principais jornais da história dos revolucionários russos, o Iskra e o Pravda, para citarmos apenas dois deles, encarava a imprensa revolucionária social-democrata e, posteriormente, bolchevique, não apenas como ferramenta de agitação e propaganda, mas, sobretudo, como um “organizador coletivo”.

A importância dos dois teóricos do marxismo – e a aproximação que buscamos fazer sobre a importância dada à imprensa militante por ambos – se faz ainda mais importante num momento de governos de extrema-direita, como no Brasil com Bolsonaro e EUA com Trump, mas, também, por outro lado, de exemplos de lutas como dos petroleiros em nosso país e dos chilenos e franceses numa escala ainda maior de questionamento do regime e de todas as mazelas impostas pelo capitalismo, ainda que numa perspectiva limitada por rebeliões que não alcançam, por ora, o horizonte da revolução.

Uma breve visão sobre Gramsci, Lênin e o jornal político revolucionário

A importância do jornal político para os revolucionários toma parte das reflexões de Gramsci e de Lênin. Os pontos de contato entre ambos os autores podem ser vistos pela forma em que estiveram envolvidos nas elaborações dos principais jornais da Itália e da Rússia. Uma atuação estritamente ligada à política, cada qual com suas particularidades que não cabe neste artigo, mas que se ligam no objetivo de chegar à maioria da classe trabalhadora.

Assim como para Lênin, em que o jornal estava ligado à construção do partido e da luta do conjunto da classe trabalhadora, como foi durante a Revolução Russa, sempre atravessado pela máxima de que “sem teoria revolucionária, não há movimento revolucionário”; para Gramsci isso não se fazia menos presente, não à toa o sardo, unindo “pensamento e ação”, se tornou grande porta-voz da luta do trabalhadores durante o período das comissões de fábricas na Itália entre 1919-1920. O L’Ordine Nuovo assumiu a defesa das comissões e da luta dos operários durante o período que ficou conhecido como “biênio vermelho”. “A partir desse momento, a ideia de uma nova estruturação de poder que partisse da célula da comissão interna da própria fábrica, e que fosse ampliada pelas massas de trabalhadores cada vez mais conscientes de seu próprio papel, passou a ser a meta do L’Ordine Nuovo. [...] E os trabalhadores italianos, pela primeira vez na história, encontraram nos socialistas do L’Ordine Nuovo a determinação de concretizar, de pôr em prática o que há tempos se vinha afirmando teoricamente” (ARRIGONI, 1988).

Nesta perspectiva, buscamos retomar as reflexões do passado para pensar a atuação de uma esquerda que busca se tornar viável ao conjunto da classe trabalhadora nacional e internacional. Refletir sobre a atuação dos revolucionários do século XX para prosseguir em nosso tempo na grande tarefa de se levantar um partido mundial da classe trabalhadora que, para nós, é a reconstrução da IV Internacional. Por tanto, para avançarmos, se faz necessário recorrer às experiências daqueles que foram mestres na arte da política com a perspectiva de tomar o céu por assalto.

Antes mesmo de “O que Fazer?” (1902), Lênin já havia reconhecido, de forma muito profunda, a importância do jornal em seu texto anterior “Por onde começar?”, escrito em maio de 1901 e publicado no Iskra, n. 4. O bolchevique dizia que o jornal era mais do que um propagandista e agitador, ele é também um “organizador coletivo” e sendo assim “pode ser comparado com os andaimes que são levantados ao redor de um edifício em construção, que assinala seus contornos, facilitam as relações entre os diferentes pedreiros, ajudam-lhes a distribuírem as tarefas e a observar os resultados gerais alcançados pelo trabalho organizado”.

Lenin não via o jornal como desassociado da construção do partido. O bolchevique dizia que “o ponto de partida da nossa atividade, o primeiro passo prático para criar a organização que desejamos, o fio condutor, enfim, seguindo o qual poderemos incessantemente desenvolver, enraizar e alargar essa organização, deve ser a fundação de um jornal político para toda a Rússia” (LENIN, 1901). Por sua vez, Gramsci, como destaca Liguori (2017), via o jornal sob diversas perspectivas, entre elas “como momento da ação do partido revolucionário, que almeja criar novo senso comum (e uma nova hegemonia), permitindo o crescimento intelectual e cultural das camadas subalternas [...]”.

No Q24, Gramsci, sobre o partido, seus jornais, almanaques e “coletâneas de livros”, diz que – objetivando o crescimento intelectual de seu público – o jornal, assim como deve ser o partido, visa “elaborar, fazer pensar concretamente, transformar, homogeneizar, de acordo com um processo de desenvolvimento orgânico que conduza do simples senso comum ao pensamento coerente e sistemático”. Desta forma, também, se liga à visão de Lênin sobre o jornal numa perspectiva na qual, se elevando o pensamento de forma coerente e sistemática de um setor amplo da classe trabalhadora, e colocando de pé “um jornal de escala nacional, tal trabalho fará surgir e formará não somente os propagandistas mais hábeis, mas também os organizadores mais provados, os chefes políticos mais capazes de saberem lançar no momento exato a palavra de ordem da luta decisiva e dirigir essa luta.” (LENIN, 1901).

Mas, para alcançar tal desafio, Lênin destacava que devido à absorção da social-democracia russa pelas atividades, muitas das vezes, locais e fracionadas, seu horizonte acabava reduzindo “a amplitude de sua atividade, de sua experiência clandestina e a sua preparação” (LENIN, 1901). Assim sendo, ele dizia que “desse fracionamento se deve cortar as raízes mais profundas, daquela instabilidade e daquela fraqueza da qual tratamos acima. E o primeiro passo adiante para livrarmo-nos desse defeito, para transformarmos diversos movimentos locais em um único movimento nacional russo deve ser a organização de um jornal para toda a Rússia” (LENIN, 1901). Portanto, o bolchevique mantinha, a todo o momento, a relação da construção do partido com o jornal político como “organizador coletivo”, ou seja, via a potencialidade que tal instrumento poderia ter, assim como realmente teve na Revolução de 1917, para chegar aos milhares de trabalhadores e avançar na luta pelo grande sonho de uma revolução russa e internacional.

Lênin continuava afirmando que “através do jornal e com o jornal se formará uma organização permanente, que se ocupará não somente do trabalho local, mas também do trabalho geral sistemático, que ensinará a seus membros a acompanharem atentamente os acontecimentos políticos, a avaliar a importância e a influência de diversos estratos da população, a elaborar quais métodos permitem ao partido revolucionário exercitar sua influência sobre os mesmos.” (LENIN, 1901).

E, para além da influência que Lênin buscava exercer sobre, cada vez mais, uma parcela maior da classe trabalhadora russa, o revolucionário também defendia – como o fez para o lançamento do Vperiod, o jornal ilegal dos bolcheviques publicado entre dezembro de 1904 e maio de 1905 – que “para cada cinco jornalistas que o dirijam e escrevam de forma regular, existam 500 ou 5 mil colaboradores que não sejam escritores” (LENIN, 1963). Ou seja, Lênin destacava a importância que tinham os colaboradores operários para o jornal, sendo parte ativa de levar à frente as mais diversas denúncias, seja sobre as condições de trabalho ou de suas lutas/greves em curso. Ele dizia que “não é suficiente ser um agitador e um recrutador zeloso para o jornal, é preciso também se transformar em colaborador útil. É preciso informar o mais rápido possível tudo o que mereça ser observado, do ponto de vista social e econômico, na fração sindical e nos núcleos, do acidente de trabalho à reunião profissional, dos maus-tratos dispensados aos jovens aprendizes até o relatório comercial da empresa.” (III INTERNACIONAL COMUNISTA, 1989, p. 139).

A importância dos colaboradores operários e de suas denúncias, das mais cotidianas às mais explosivas, formam parte significativa do que também constituía o pensamento de Gramsci sobre o caráter do jornal que deveria ser, além de informativo, político-educativo, inclusive quando não, necessariamente, se trata de assuntos vistos como políticos. (LIGUORI, 2017).

A rede La Izquierda Diario e o jornal político revolucionário no século XXI

Buscar entender o pensamento de Gramsci e Lênin a respeito do jornal de uma organização revolucionária é parte essencial para se pensar a construção de partido no século XXI. Se apropriar de elementos como os levantados neste artigo, ainda que brevemente, é fundamental para lançar luz sobre uma ferramenta tão necessária para a classe trabalhadora mundial. Sobretudo, num momento em que as novas tecnologias, ainda que limitadas pelo controle capitalista, nos oferecem a capacidade de chegar a milhares e até milhões de trabalhadores de tal forma que os revolucionários do passado não previam.

Sendo assim, é com toda ousadia revolucionária que buscamos levantar um grande jornal que seja um meio de transformar-se em “tribunos do povo”, como diria Lênin. Para tal desafio que se coloca a rede de portais La Izquierda Diario que, atualmente, conta com edições em 8 idiomas e 12 países, sendo voz ativa da classe trabalhadora ao redor do mundo. No Brasil, por exemplo, o Esquerda Diário, em meio à crise da ascensão de Bolsonaro, chegou a 6,5 milhões de visitas em um mês; o Révolution Permanente da França, durante a irrupção dos Gilets Jaunes, superou os 2 milhões de visitas mensais e foi uma referência para a esquerda do movimento, e ampliou ainda mais essa influência como porta-voz da greve em defesa das aposentadorias; o La Izquierda Diario do Chile, com a rebelião no país, chegou também a 2 milhões de visitas em um mês.

O potencial da rede de diários nos momentos de maior efervescência da luta de classes demonstra toda a potencialidade que pode ter um jornal ligado aos trabalhadores e a construção de um partido revolucionário. Para fazer-se “tribuno do povo”, como diria o bolchevique, o jornal político de uma organização revolucionária também busca – como assistimos na greve dos petroleiros no Brasil – furar o cerco da mídia burguesa, expressar a luta dos trabalhadores que os capitalistas buscam esconder ou manobrar na tentativa de virar a opinião pública contra a luta dos mesmos.

Gramsci, em seu texto "Os Jornais e os Operários" (1916), dizia que “tudo o que se publica [na imprensa burguesa] é constantemente influenciado por uma ideia: servir a classe dominante, o que se traduz em um fato: combater a classe trabalhadora. [...] Para o jornal burguês os operários nunca têm razão. Há manifestação? Os manifestantes, apenas porque são operários, são sempre tumultuosos, facciosos, malfeitores”.

Nada mais real com a postura dos grandes jornais burgueses do que a afirmação do sardo, afinal, não só a greve dos petroleiros, mas cada luta em curso no país e fora dele, como a dos franceses, precisa a todo o momento buscar ultrapassar as barreiras impostas pela grande mídia burguesa. Com o intuito de ser linha de frente para se solidarizar, apoiar e difundir cada luta dos trabalhadores é que a rede La Izquierda Diario se coloca na tarefa audaciosa de chegar cada vez mais a uma maioria de jovens e trabalhadores ao redor do mundo, não apenas como agitador e propagandista, mas como um grande “organizador coletivo” da revolta contra um sistema de opressão, miséria e exploração que é o capitalismo.

REFERÊNCIAS

III INTERNACIONAL COMUNISTA. Manifestos, teses e resoluções do 3º Congresso. São Paulo: Brasil Debates, 1989.
ARRIGONI, Maria Teresa. Gramsci: universidade, jornalismo e política, Perspectiva, Florianópolis, vol. 5, nº 10, janeiro-junho de 1988, p. 74-75.
GRAMSCI, Antonio. Os Jornais e os Operários. Marxists Internet Archive, disponível em https://www.marxists.org/portugues/gramsci/1916/mes/jornais.htm
LENIN, Vladimir. Por Onde Começar? Marxists Internet Archive, disponível em https://www.marxists.org/portugues/lenin/1901/05/onde.htm
LENIN, V. I.. Collected works. Moscow: Progress, 1963
LIGUORI, Guido; VOZA, Pasquale (Orgs.). Dicionário gramsciano (1926-1937). 1. Ed. São Paulo: Boitempo, 2017, p.448-450


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Douglas Silva

Professor de Sociologia
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