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CINEMA | GIGANTE OU DA CELEBRAÇÃO DAS COISAS SIMPLES. NOTAS

Acabo de ver mais uma vez esta obra prima do cinema uruguaio: "Gigante" de Adrián Biniez (tão raro vermos filmes do Uruguai no Brasil!) e a cada vez mais uma comoção estranha e renovada me toma por inteiro. Desta vez vi o filme depois da leitura do livro do mestre Rolando Lazarte “Max weber: ciência e valores”. 2001, 2a. ed., Editora Cortez.

Romero Venâncio Aracajú (SE)

segunda-feira 3 de outubro de 2016 | Edição do dia

Como vi semelhanças entre a película uruguaia e o livro magistral deste sensível argentino/brasileiro/nordestino cidadão do mundo. Comecemos pelo filme. A história trata de um segurança de um supermercado de Montevidéu e sua rotina cotidiana. Nas horas vagas vira “leão de chácara” de um dessas boates noturnas.

O tamanho do personagem assusta e de cara acreditamos ser um sujeito maldoso e tolo. Ledo engano. O filme todo nos engana e encanta. Jara, este é o nome do protagonista, é um sujeito simples, do povo, anônimo e pobre, que mora numa periferia de Montevidéu sem grandes perspectivas como milhões de latinos ferrados por este cruel e triturado sistema de corpos reconhecido sociologicamente como capitalismo, sendo que na periferia do próprio sistema a coisa é mais brutal.

Inicialmente percebemos lentamente uma rotina de ir trabalhar a noite, vigiar outros funcionários por várias câmaras e flagrar alguns com pequenos “furtos” necessários para qualquer pobre sobreviver diante de grandes ladrões nunca vistos assim. Jara, a pesar do tamanho e da cara, não é perseguidor ou sádico como seus colegas e isto já surpreende quem assiste o filme.

Mas o melhor do filme está por acontecer. Jara de tanto vigiar os funcionários a distância por uma câmara acaba se “apaixonando platonicamente” por uma faxineira chamada Júlia. Ele em nenhum momento revela seu amor ou a encara de frente. É sempre pelas câmaras ou quando sai a seguindo discretamente por onde ela vai, criando assim uma rotina amorosa de cuidado e carinho sempre a distância.

O filme nos coloca a questão sem explicar, de como alguém descobre está enamorado de outro alguém. O sentimento de Jara é tão simples como tão belo… E sério, a ponto de mudar sua vida completamente. O filme mantem-se na tradição cinematográfica do “minimalismo estético” que em muito lembra Robert Bresson. Pequenas histórias que se tornam grandes pela simplicidade e pelo agigantamento da narrativa.

Um filme marcante pois nos mostra na linha do que está fazendo o cinema argentino contemporâneo que as histórias mais simples e mais aparentemente insignificantes, podem dar uma rara narrativa cinematográfica a depender da sensibilidade da câmara de que dirige e da capacidade de contemplar as “grandezas do ínfimo” (Manoel de Barros). O desenrolar do filme não merece ser contado e sim visto…

O filme uruguaio visto e refletido a partir do livro “Max Weber: ciência e valores” nos pode remeter a uma leitura apaixonante. Óbvio que filme e livro não tem nada em comum de imediato. Mas podemos ligar um ao outro pelo que mostram e dizem. O livro trata de interpretar Max Weber fora dos cânones positivista em que foi o sociólogo alemão encalacrado. Um leitura “caleidoscópica”, logo, multifacetada e compreensiva.

O Weber de Rolando Lazarte é simples e criativo, um Weber que “não esconde o sujeito da ação social” e que “pratica um pluralismo cognoscitivo”. Significa em claras linhas: um Weber que reconhece no cotidiano das coisas simples um “objeto” extraordinário para o conhecimento sociológico.

O capítulo final é uma joia rara para qualquer sociólogo aberto ao novo. Intitulado de “Simpatia pelo Daimon”, nos remete ao Weber de uma sociologia feita a margem das academias autoritárias e sem sentido. Um Weber que nos leva a pensar nas possibilidades de uma ciência “que não implique a amputação do lado interior, emocional, afetivo do ser humano – tanto cientista como sujeitos de estudo”. Uma deixa perfeita para entendermos os personagens do filme de Biniez.

Tanto o filme “Gigante,” quanto o livro de Rolando trazem mais encanto para um mundo desencantado do Capital. Ambos são a celebração da simplicidade e da vida digna sem tirar em nada dos nossos mais cotidianos sentimentos.

Amor é mistério e dádiva (isto é sentido na música final que acompanha os créditos, cantada por Hector Pauluk em voz rouca maravilhosa que nos lembra a cantora Buika), seja para um bom sociólogo, seja para um bom cineasta…


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Cinema    Cultura



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