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FRANÇA | G5 Sahel: com reforço militar e ajuda financeira, Macron garante o imperialismo francês na África

quinta-feira 18 de fevereiro de 2021 | Edição do dia

Nesta segunda-feira, 15, e terça-feira, 16 de fevereiro, um ano após a Cúpula de Pau, em que a França decidiu enviar mais 600 soldados ao Sahel, uma nova Cúpula do G5 do Sahel foi realizada (Burkina Faso, Mali, Mauritânia, Níger e Chade) em N’Djamena, Chad. O objetivo desta cúpula, na qual Macron estava participando por videoconferência de Paris, era discutir a situação e as perspectivas da operação militar Barkhane, com chefes de estado alinhados aos interesses da França no Sahel.

As apostas eram altas, de fato Barkhane, apesar do discurso oficial agitativo na luta contra o terrorismo, é um elemento-chave do imperialismo francês na África. Hoje, esta operação militar é a intervenção estrangeira francesa mais importante. Tem um custo estimado de 1 bilhão de euros por ano e coloca 5.100 soldados na região, concentrados em torno das bases de Gao, no Mali; Niamey, no Níger; e N’Djamena, no Chade. No entanto, após oito anos de ocupação militar, com o enorme custo em vidas humanas e recursos econômicos que isso implica, a situação está cada vez mais impopular entre a população francesa e a de Sahel. Com efeito, os resultados desta “luta contra o terrorismo”, defendida pelo governo francês e pelas elites locais, estão longe de justificar a ocupação militar aos olhos da opinião pública: nos últimos dois anos os homicídios aumentaram e a região tem 2 milhões de pessoas deslocadas por causa da guerra.

De acordo com uma pesquisa realizada no início de janeiro de 2021, pelo Instituto Francês de Opinião Pública (IFOP), 51% da população francesa não apoia mais intervenções militares na região. As múltiplas manifestações ocorridas no Mali também testemunharam a hostilidade de parte da população local que percebe a presença da França como uma forma de ocupação neocolonial.

A impopularidade desta operação militar agravou-se ainda mais após as recentes mortes de 3 soldados franceses e das brutalidades sofridas pela população civil na região. De acordo com a Humans Right Watchs, o ataque aéreo francês no Mali matou 19 civis em 3 de janeiro; em 2019 e 2020, a maioria dos civis foi morta pelas forças armadas francesas ou regionais, e não por grupos jihadistas, contradizendo o discurso oficial.

Nesse contexto de impopularidade, como preservar os interesses estratégicos do imperialismo francês sem enfraquecer ainda mais o governo com o surgimento do que poderia ser um “Afeganistão à lá França”?

Islamofobia e autoritarismo como política interna, militarismo no exterior: a receita do imperialismo francês

Nos dias que antecederam a Cúpula, o governo tentou conter as críticas e contrabalançar a falta de resultados apresentando a morte de alguns dirigentes de grupos terroristas (notadamente o líder histórico da AQIM, Abdelmalek Droukdel) como vitórias estratégicas. No dia 9 de fevereiro, Christian Cambon, presidente da Comissão de Defesa e Relações Exteriores do Senado, também revelou o número de "alvos" mortos pelo exército francês em 2020 no Sahel, para justificar a presença militar na região.

Como explica o Le Monde, o Palácio do Eliseu duvidou de duas estratégias para se aproximar da cúpula do G5, no Sahel. Ou “amplificar” a atual “dinâmica”, visando, nos próximos meses, o Grupo de Apoio ao Islã e aos Muçulmanos (GSIM, afiliado à Al-Qaeda no Magrebe Islâmico); ou “uma consequente e rápida retirada de alguns dos cerca de 5.100 soldados franceses que estão no Sahel”, o que “poderia satisfazer uma parte da opinião pública francesa e africana, cada vez mais relutante em relação ao prolongado envolvimento da operação Barkhane”.

Ainda como o Le Monde: “no cerne desta valsa hesitante está uma delicada equação para o executivo. Conseguir estabelecer uma estratégia abrangente para 2022, data da próxima eleição presidencial, enquanto a situação no Sahel está tudo, menos estabilizada. Tudo isso em um cenário de exacerbação da competição estratégica global e rápido aumento das tensões em outros cenários, onde Paris pode ter que intervir."

Sem surpresa, nesta terça-feira, Macron decidiu alinhar sua política externa com sua política interna: a virada autoritária preventiva para enfrentar a crescente desconfiança social, seguida por um militarismo crescente para enfrentar a competição global exacerbada. Tudo para continuar a seduzir a direita para a política externa, visando as eleições presidenciais de 2022.

Na verdade, Macron não planeja reduzir o tamanho da Operação Barkhane imediatamente. Em tom marcial, o presidente prometeu "ação reforçada" para "tentar decapitar essas organizações [...] cuja mais alta hierarquia continua alimentando uma agenda jihadista". Na mesma linha, e apoiado com a assistência financeira do Palácio do Eliseu, o presidente chadiano decidiu enviar 1.200 soldados para a área das "três fronteiras" entre Mali, Níger e Burkina Faso.

Este reforço militar corre o risco de agravar a hostilidade das populações locais ao exército, enquanto Macron pretendia “dar uma perspectiva às populações do Sahel”, apelando a um “segundo começo: o da segurança de retorno e serviços às populações” , apelando a “um impulso ao mais alto nível do Estado” para reinvestir “nos territórios abandonados da região”. Como explicou o chanceler Jean-Yves Le Drian poucos dias antes da Cúpula, trata-se de "consolidar os resultados militares dos últimos meses, com um impulso diplomático, político e de desenvolvimento". Uma tentativa também de buscar, no médio prazo, “terceirizar” as operações para os regimes locais, de modo a escoar parte do custo financeiro, político e militar da intervenção no Sahel, mas mantendo o controle focado na região.

O reforço da ação militar com o pretexto da luta contra o terrorismo, mesclado com alguma ajuda ao desenvolvimento, parece um empreendimento neocolonial: “Com Barkhane, com a dívida - que esgota os orçamentos dos países africanos e serve de alavanca para se impor as políticas promovidas pelos imperialistas - e milhões de ajuda ao "desenvolvimento", Macron pretende, portanto, desempenhar um papel na reconstrução de uma aliança entre Sahel e a França, consolidando seus regimes e o estabelecimento francês na área, adquiririndo um forte cartão na competição que vai além das grandes potências europeias.” A guerra imperialista, sob o pretexto de "luta contra o terrorismo", ecoa a ofensiva islamofóbica liderada pelo governo francês, com a lei do separatismo, que usa o mesmo argumento para justificar ataques contra muçulmanos ou que se reconhcem como tal, bem como o giro repressivo incorporado pela lei de Segurança Global.

Contra o saque imperialista do Sahel, a ingerência e a desestabilização dos estados da região, que estarão jogando com concorrência redobrada entre as potências capitalistas nestes tempos de crise e de guerra econômica mais aguda, devemos exigir a retirada total de todas as tropas francesas do Sahel e de todo o continente africano.




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