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INTERNACIONAL | França: uma nova geração militante de trabalhadores e estudantes

No marco da X Conferência da Fração Trotskista, conversamos com as companheiras da delegação da Corrente Comunista Revolucionária do novo Partido Anticapitalista da França, sobre as lições do grande processo de luta contra a reforma trabalhista, da qual foram parte ativa, e sobre as perspectivas que se abrem para o ativismo militante e para a esquerda revolucionária em fábricas, escolas e faculdades.

quinta-feira 18 de agosto de 2016 | Edição do dia

Tradução: Elaine Maciel

Como surgiu o processo de luta?

Marina: A primeira coisa a dizer é que a mobilização começou espontaneamente. Com uma efervescência nas redes sociais e da juventude que pressionou os sindicatos, e a primeira mobilização, em 9 de março, foi uma entrada em cena bastante explosiva e importante nas ruas. Desde o início da mobilização a política do governo era impedir o "Todos Juntos", bem como romper a unidade sindical, fazendo concessões a diferentes setores, como os caminhoneiros e a juventude.

Frente a isso, a política das direções sindicais foi de evitar a sincronia entre a juventude e os trabalhadores. Nós temos muitas datas de mobilizações muito espaçadas, com ritmos de mobilização que são muito diferentes para os jovens, que são mais aceleradas, mais explosivas do que as mobilizações dos trabalhadores.

Houve diferentes momentos na mobilização ...

Sim, podemos distinguir duas fases no movimento. Até a metade de abril, aproximadamente, uma mobilização bastante significativo do lado da juventude, nos secundaristas, mas também nas universidades, com um caráter muito explosivo e uma militância muito importante. Essa mobilização teve dificuldade na massificação, mas havia uma tendência significativa para a auto-organização, com a organização da assembleia geral, de uma comissão organizadora e um órgão de coordenação nacional dos universitários e dos secundaristas.

No final de abril, quando o governo utilizou pela primeira vez o artigo 49.3, que lhe permite aprovar a lei sem o consentimento do Parlamento, houve um retorno da mobilização, com a entrada em cena de setores militantes da classe trabalhadora. Os caminhoneiros, os trabalhadores da refinaria, os portuários, os coletores de lixo e os ferroviários. No dia 14 de junho, data da mobilização nacional em Paris, houve mais de 1 milhão de pessoas e uma presença de colunas importantes da classe trabalhadora. Mas, durante o período de férias escolares, o governo aprovou a lei com um segundo uso do artigo 49.3 no final de julho.

Qual foi o contexto em que se deu o movimento?

Daniela: As manifestações tiveram a particularidade de desenvolver-se no contexto do estado de emergência e do giro bonapartista e antidemocrático do governo e do Estado.

De certa forma, vemos que tem havido uma forte polarização na sociedade francesa. Ao mesmo tempo em que há manifestações que se opõem à Lei do trabalho, há também eventos totalmente bárbaros, como os atentados em Nice, que produziram uma reação extrema do Estado francês e uma forte polarização na sociedade.

O governo tem usado os atentados para justificar as suas políticas repressivas, mas isso funciona cada vez menos, porque a população começa a ver que a polícia é muito eficaz para reprimir as pessoas nas manifestações, mas é incapaz de impedir os atentados que, em grande parte, são produto do colonialismo da França, do racismo e da repressão brutal da polícia nos subúrbios contra os imigrantes. E isso certamente não é de agora, mas de anos e anos, como vimos na revolta da periferia, em 2005.

Tenho a impressão de que, se o ISIS pode recrutar pessoas na França, principalmente os jovens, é porque eles não se sentiram acolhidos pelo país e porque eles sofrem diariamente a repressão policial, a miséria, o desemprego.

Para nós, os que podem fornecer uma resposta a esta situação, para evitar que continuem os atentados brutais, são de fato os trabalhadores, a classe trabalhadora junto aos diferentes setores oprimidos, são os que podem fornecer uma resposta para mudar o mundo.

Havia um consenso geral da maioria da população que esta reforma é muito prejudicial. Havia uma oposição muito ampla, de mais de 75% da população, à lei imposta pelo Partido Socialista. O debate fundamental era saber qual era a estratégia, qual era o método com o qual se poderia impor uma derrota ao governo e a retirada completa da lei. E, nesse sentido, houve pelo menos duas estratégias principais que se enfrentaram na mobilização.

Uma que era a principal força dirigente no movimento dos trabalhadores, a CGT, que aparecia no cenário nacional com uma cara muito radical. O governo acusava o secretário geral de ser um terrorista, etc. Mas a radicalização do discurso da CGT e do seu método de luta não correspondia a uma estratégia que permitisse armar um movimento, unindo todos os setores em luta e fazer avançar para a greve geral. É que, para vencer, é necessário paralisar de conjunto a economia, de maneira a forçar os capitalistas e o governo a recuar no plano de ataque contra os trabalhadores. Por outro lado, a estratégia da CGT é somente a negociação.

Em meio a isso, surge notavelmente na juventude, que é cada vez mais autônoma, uma estratégia mais radical nas ações de rua. Nas manifestações houve milhares de jovens que fizeram ações combativas, resistindo a uma enorme pressão policial. Por exemplo, na última marcha, estava à frente uma juventude radicalizada que se manifestou sozinha, separada dos sindicatos por um cordão policial, separada da massa, que se manifestava atrás. A principal fraqueza que vemos no movimento autônomo é não ter sido uma alternativa para todos os trabalhadores de base que eram críticos da política da CGT ou que pensavam que o CGT deve ir mais longe.

Quais são as características mais importantes do processo?

Elsa: Algo muito importante neste movimento de luta é que houve uma entrada em cena combinada de diferentes setores com diferentes métodos de luta, mas com o mesmo objetivo e que lutou pelas mesmas aspirações. Se observarmos, na verdade, o movimento estudantil, como disse Marina, tem assembleias gerais bastante massivas e tentativas de auto-organização.

O movimento operário está com numerosos setores em greve, particularmente o setor privado e os precarizados, quando fazia muito tempo que não havia uma mobilização deste setor. E, finalmente, pelo lado de Nuit Debout, um fenômeno parecido com os Indignados do Estado espanhol, que se caracteriza pelas ocupações das praças.

Toda essa mobilização ocorreu em um contexto de estado de emergência, instaurado após os atentados em novembro de 2015, que permitiram ao governo exercer uma repressão policial muito dura. No entanto, isso tem sido um forte elemento de radicalidade, porque nos permitiu obter certos reflexos de luta e autodefesa, simplesmente para defender-se das permanentes agressões policiais.

"Todo mundo odeia a polícia"

Ideologicamente, isso levou muitos estudantes a desmascarar a natureza do Estado burguês, porque viemos de uma época em que todos aplaudiam a polícia nas ruas, “que nos preservavam dos terroristas, etc.”.

Realmente, passamos de consignas como "a polícia com a gente", no início do processo, ao que logo foi a mais reivindicada de todas as consignas nas manifestações: "Todo mundo odeia a polícia." Isso faz parte de uma dinâmica em que o Partido Socialista estava na origem deste ataque antisocial e desta repressão muito dura. Por isso é que o Partido Socialista e os Republicanos, os dois partidos burgueses tradicionais, estão em uma grave crise com sua base social, muito menos entusiasmada com uma solução democrática eleitoral. Eu penso que uma das características particulares desse movimento é a constituição de sua vanguarda, muito política e muito radical, que se levantou durante quatro meses, muito determinada, que continuou, apesar da repressão, e que não irá adormecer.

Qual papel teve a Revolução Permanente?

Marina: Neste movimento, a questão da batalha midiática tem sido uma questão central, porque no início da mobilização havia um sentimento geral contra a lei trabalhista e a favor da mobilização, com mais de 60 a 70% da população que a apoiava. Por esta razão, os jornais burgueses e tradicionais conduziram uma verdadeira campanha contra os "anarquistas que estavam lá para quebrar tudo", também contra os grevistas que eram comparados a sequestradores e terroristas, como disse Daniela. E, neste contexto, a Revolução Permanente pôde se tornar um meio de referência para a mobilização, sendo o contrapeso ideológico. Vimos isso com dezenas de colaborações que nos enviaram de toda a França, pedindo-nos para informar o estado da mobilização. O peso dos vídeos que mostram a violenta repressão policial e foram compartilhados e vistos milhões de vezes.

Vimos isso no movimento operário durante a greve ferroviária, quando via Revolução Permanente lançamos uma campanha de solidariedade, desde as Assembleias Gerais estudantis que transmitíamos a partir do jornal, e quando estávamos nos piquetes nas estações para intervir em linha com os trabalhadores, recebemos uma calorosa recepção. Diziam-nos "é ótimo o que vocês têm feito, devolve-nos o ânimo, quando nos colocam na primeira página dos jornais como sequestradores, que impedimos as pessoas de irem à Eurocopa, etc." E sob essa ótica, a Revolução Permanente pôde desempenhar um verdadeiro papel. Mas não só para cobrir a mobilização, a Revolução Permanente também permitiu ter uma plataforma, propondo uma política em grande escala, permitiu tomar uma posição em debates abertos, discussões estratégicas da mobilização na perspectiva da greve geral, da auto-organização, etc.

Quais as perspectivas do movimento e da situação geral?

Elsa: Podemos dizer que existem alguns elementos a destacar. O primeiro é que, mesmo se Hollande conseguiu passar sua lei, toda a determinação da vanguarda de que nós falávamos antes, toda essa radicalidade contribui para a formação de toda uma geração militante e isso é algo que não nos podem tirar. Toda essa radicalidade e essa determinação se combinam com uma série de novos ataques que nos preparam e de uma nova reforma antisocial. O 15 de setembro já se designa como um novo dia de mobilização e eu acho que isso é bastante significativo, já que as lideranças sindicais foram obrigadas a convocá-lo pelo impulso de toda a população que fortemente o deseja. Vamos ver como se dará nas faculdades.




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