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Internacional | França e Peru mostram o caminho contra a extrema direita e as reformas reacionárias na luta de classes

Este 19J está marcado pela luta de classes internacional: na França, mais de 200 cidades são palco de manifestações contra a Reforma da Previdência de Macron, com greves importantes em petroleiros, ferroviários, docentes e outras categorias, promovendo o que até a mídia burguesa chama de greve geral e levando 2 milhões de pessoas às ruas. No Peru, após mais de um mês de mobilizações e uma repressão feroz que já assassinou mais de 50 manifestantes, caravanas massivas chegam a Lima para uma paralisação nacional contra o governo golpista de Dina Boluarte. A luta de classes nesses países aponta o caminho para enfrentar o golpismo bolsonarista e as reformas anti-operárias, sustentadas pelas instituições deste regime e pela frente ampla com a direita no governo Lula-Alckmin.

Marie CastañedaEstudante de Ciências Sociais na UFRN

quinta-feira 19 de janeiro de 2023 | Edição do dia

São dezenas de milhares de trabalhadores e jovens que paralisam a França contra a Reforma da Previdência de Macron, que é rechaçada por 93% da população economicamente ativa, enquanto 52% desejam uma explosão social como a dos Coletes Amarelos em 2018. No entanto, agora em 2023 o peso operário do rechaço se faz sentir, já que os petroleiros paralisam praticamente todos os terminais da França: Havre, Lyon, Marseille, Toulouse, Rouen, Rennes, entre 70% e 100% de paralisação. Nas manifestações, distintas categorias se encontram, ferroviários (80% dos condutores de trem estão parados), professores, portuários, estudantes universitários e secundaristas. O recado é evidente: não aceitarão trabalhar até morrer.

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A dez mil km de distância, sobrevoando o Oceano Atlântico, os trabalhadores, camponeses, povos originários e juventude peruana não saem das ruas há mais de um mês, em um forte processo de luta contra o golpe parlamentar que colocou Dina Boluarte na presidência. As manifestações e fechamentos de rodovias vieram concentrados nos interiores, onde estão muitos dos que tiveram sua decisão eleitoral atropelada pelo Congresso Nacional e pelo Judiciário. Agora, com caravanas massivas e após o aprofundamento da repressão que fez com que se chegassem a mais de 50 assassinados, a capital Lima também é palco de uma forte paralisação nacional, com os estudantes da Universidade San Marcos acolhendo as caravanas. Existe um profundo questionamento ao conjunto do regime político peruano, o que coloca na ordem do dia na luta contra o golpe, pela derrubada de Dina Boluarte, a punição dos responsáveis por todos assassinados e a soltura dos presos políticos, a auto-organização dos trabalhadores junto aos povos originários, pela defesa de uma assembleia constituinte livre e soberana imposta pela luta - com a perspectiva de um governo provisório das organizações operárias e populares.

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Todos os trabalhadores e jovens que querem enfrentar o golpismo bolsonarista, a fome e a precarização no Brasil precisam acompanhar essas lutas atentamente e cercá-las de solidariedade internacionalista e anti-imperialista. O imperialista Macron foi parte dos governos que saudaram a vitória de Lula com entusiasmo e repudiaram as ações da extrema direita no Brasil, interessado em enfraquecer a extrema direita francesa com a qual disputa, ao passo que busca impedir o direito à aposentadoria das massas em seu país. Já Dina Boluarte teve sua chegada ao poder por via de um golpe que também aprofunda o racismo no país atendendo às demandas das elites. Chegada ao poder não somente reconhecida e legitimada pelo imperialismo estadunidense e por Lula na América Latina, que nisso não se distinguiu da posição de Bolsonaro. Mas também contou com uma empresa brasileira para fornecer instrumentos de repressão às Forças Armadas Peruanas para seguir ferindo e assassinando o povo peruano, como denuncia a comunidade peruana do Brasil com a qual viemos nos articulando ativamente. Frente a isso, é fundamental a solidariedade ativa a essas lutas, em uma ordem internacional marcada por crise e por uma guerra reacionária que impõe sofrimentos maiores à classe trabalhadora e aos povos do mundo.

Mas é preciso ir além da necessária solidariedade, é preciso seguir o caminho que esses exemplos apontam. No Brasil, viemos de dias impactados pelos atos golpistas do bolsonarismo que estiveram no centro do debate político nacional, demonstrando que precisamos seguir o combate à extrema direita bolsonarista, que demonstra a face mais atroz da política capitalista decadente e reacionária. Nesse caminho, ao invés do fortalecimento de uma saída na luta de classes como vemos na França e no Peru, o correto e amplo anseio por nenhuma anistia ao golpismo bolsonarista e ao legado da extrema direita veio sendo canalizado ao fortalecimento do autoritarismo estatal e à preservação do legado econômico desde o golpe institucional de 2016, com as reformas e privatizações anti-operárias e anti-populares, bem como à impunidade da alta cúpula militar e civil responsável por essas ações. Com centenas de prisões e demissões contra bolsonaristas, Lula implementou uma intervenção federal em Brasília e o STF com Alexandre de Moraes avançou até mesmo com a proibição por tempo indeterminado de protestos, medida que já é utilizada por prefeitura do PSDB para impedir manifestação convocada com o mote "em defesa da democracia". Assim, fortalecidos, o governo e as instituições do regime que conduziram o golpe institucional de 2016 incrementam seus poderes.

Esse não é o caminho para responder aos anseios dos que clamam "sem anistia". A França e o Peru apontam para o único caminho que pode de fato enfrentar o golpismo bolsonarista e todo o legado dos últimos anos: a luta de classes, sem nenhuma conciliação com os capitalistas. Por um lado, na França, a classe operária enfrenta as reformas anti-operárias com os métodos históricos da luta de classes, paralisando setores estratégicos no coração dos lucros dos patrões. Em um forte exemplo de unidade da classe operária, imigrantes ilegais cantam "documentos para todos, trabalho para todos, aposentadoria para todos". No Brasil, essas reformas seguem significando mazelas à classe trabalhadora e ao povo pobre, enquanto Alckmin tranquiliza a FIESP que não serão revogadas por Lula. Com o apoio da esmagadora maioria das centrais sindicais presentes em reunião ontem, Lula pediu paciência, não garantindo nem mesmo o aumento do salário mínimo prometido em campanha eleitoral. Lula quer que se espere pela resolução dos problemas do país “por cima”, temendo sobretudo a entrada da classe trabalhadora em cena, enquanto diz a Tarcísio de Freitas, ex-ministro bolsonarista governador de SP que visa entregar o Porto de Santos e a Sabesp à iniciativa privada, que não está “preso a dogmas” frente a privatizações e que vai manter a privatização do metrô de Belo Horizonte (MG), se colocando a favor do projeto levado a frente por Zema e pelo antigo governo de Jair Bolsonaro. Os trabalhadores franceses não estão com "paciência" com as reformas e ataques, assumindo para si e exigindo de seus sindicatos a organização da luta. Esse é o exemplo que precisamos seguir.

Por outro lado, diante do golpe no Peru, com o governo de Dina Boluarte, vemos o caminho de não confiar no regime e nas instituições. Lutando desde as ruas e sob forte repressão por uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana, o povo peruano, com o protagonismo indígena, demonstra que não há saída por dentro do regime herdeiro da constituição de 1993, imposta pelo governo ditatorial de Alberto Fujimori, assim como no Brasil não há saída contra o bolsonarismo e seu legado por dentro das instituições desse regime nascido do golpe de 2016 que pavimentou o caminho para a extrema direita. Em entrevista à Globo News, Lula justificou a impunidade da alta cúpula militar e civil envolvida nos atos golpistas com o argumento da cautela, mesmo com punições, mostrando que utiliza dezenas de bodes expiatórios mas quer seguir deixando ileso o alto mando, que também se beneficiou da anistia na ditadura, com seus privilégios materiais e regalias. Para isso, conta com o Judiciário e mantém Múcio como ministro aliado dos militares. É preciso impor na luta um programa contra o conjunto do regime nascido do golpe de 2016 também no Brasil.

Nesse cenário, seguir o caminho da da França e do Peru exige fazer emergir o gigante sujeito operário também aqui, com auto-organização e um programa para que os capitalistas paguem pela crise e em aliança aos setores oprimidos. Só esse sujeito pode impor um programa contra todo o regime responsável pelo fortalecimento da extrema direita, que passe pela revogação integral das reformas, o aumento salarial conforme a inflação visando impor o salário mínimo de acordo com o Dieese avançando a uma resposta operária à crise, junto à punição do alto mando militar e civil, dos atos golpistas e também pela Ditadura Militar, sem anistia mas também sem nenhuma confiança no regime e nas instituições como quer o governo Lula Alckmin. Só assim é possível fazer irromper a fúria negra, indígena e feminina que marca a classe trabalhadora brasileira rumo ao 8 de Março, impedindo que nossos direitos sejam tratados como moeda de troca, para lutar pelo direito ao aborto legal seguro e gratuito, impor justiça a Marielle e a todos os indígenas assassinados cotidianamente pelo agronegócio. Para isso, é preciso que os trabalhadores exijam de seus sindicatos um plano de luta pela base, que faça com que a classe trabalhadora entre em cena no país.

Como parte da Fração Trotskista (FT), que na França acaba de fundar uma nova organização revolucionária com a Revolution Permanente e no Peru com a CST que é parte dos que enfrentam o governo golpista de Dina Boluarte sem depositar nenhuma confiança nas velhas, carcomidas e impopulares instituições do regime político peruano, colocamos nossas forças a serviço uma estratégia revolucionária e socialista internacional. Do imperialismo francês ao capitalismo atrasado peruano e latino-americano, o capitalismo não tem nada a oferecer à classe trabalhadora e aos povos oprimidos do mundo. Nossa classe é uma e sem fronteiras para enfrentar os Estados e grandes capitalistas e levantar a necessidade de uma sociedade socialista, construída com a auto-organização dos trabalhadores.




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