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CORONAVÍRUS | França: Transporte coletivo - comissões de saúde para a segurança dos trabalhadores e usuários

O transporte, como várias atividades, continua sendo, em certa medida, essencial neste período de crise sanitária. Porém, a direção das empresas, RATP [empresa pública de transportes de Paris], SNCF [empresa pública francesa de transporte ferroviário] e das empresas de transporte privado nos fazem trabalhar sem as medidas de saúde e segurança necessárias e não adequam o trabalho à nova situação. E se coubesse a nós, funcionários e usuários, que somos os mais interessados, propor a organização e definir as condições de trabalho adequadas?

quinta-feira 26 de março de 2020 | Edição do dia

Foto por: JEAN-PHILIPPE KSIAZEK/AFP

Trabalhadores do transporte: uma categoria muito exposta ao coronavírus

Muito antes de essa crise sanitária atingir a sociedade como um todo, havia uma crescente preocupação com os perigos do coronavírus entre os trabalhadores do transporte. De fato, devido às nossas condições de trabalho, nossa proximidade com os usuários ou com os trens e ônibus usados por milhões de pessoas todos os dias, estamos entre os funcionários mais expostos ao vírus.

A preocupação e os alertas dos representantes dos funcionários, seja na RATP, na SNCF ou nas empresas de transporte privadas, não demoraram a chegar. Basta pensar no direito de interromper o trabalho conquistado no início de março em uma empresa como a Keolis, pela correlação de força, onde os trabalhadores obtiveram várias garantias da direção, como gel hidroalcoólico, luvas e a suspensão da venda de ingressos a bordo do ônibus. Também podemos pensar nos primeiros casos de agentes infectados com o coronavírus na RATP, conhecidos desde o início de março, sem que a direção da empresa tomasse as medidas necessárias para proteger os funcionários e os usuários. Ainda hoje, o número de funcionários infectados pelo vírus em uma empresa como a SNCF é proporcionalmente quase 9 vezes superior a do restante da população da França.

Um medo real diante das direções irresponsáveis das empresas

É neste contexto que é preciso entender o medo que existe em vários colegas. Depois de anos implementando políticas para desmantelar os serviços de transporte público, depois de nos ignorar e desprezar por vários meses durante a greve contra a reforma da previdência, hoje o governo e a direção de nossas empresas parecem estar descobrindo que somos um serviço essencial para a população... Isso nós já sabemos e temos orgulho. Mas o que fazer quando nos enviam para a linha de frente da luta contra a pandemia, mas sem armas e proteção? Temos que obedecer e aceitar, aumentando o risco de contágio não apenas para nós mesmos, mas também para nossas famílias?

Assim um debate se coloca para muitos colegas: o que fazer? Especialmente quando sabemos que diante de nós temos uma direção frequentemente surda a nossas reivindicações, que pensa apenas no pós-crise e não em como proteger, aqui e agora, os funcionários e usuários que temos o dever de transportar a cada dia. É o que certos dirigentes nos dizem, por exemplo, quando, no pátio de carga de Bourget, propomos limitar a atividade dos trens de carga o máximo possível e somos informados de que é importante manter essa atividade inalterada para não ter que estabelecer limites de velocidade nas vias, (que tem sido pouco utilizadas) quando a atividade econômica retomar seu curso normal... Como se essa fosse nossa prioridade hoje.

Proteger funcionários e usuários: soluções individuais ou coletivas?

Diante dessa situação de incerteza e angústia, muitos funcionários procuram se proteger e proteger suas famílias e, algumas vezes, acabam optando por soluções individuais para não se arriscar, devido à falta de soluções e respostas da direção das empresas. Mas a realidade é que para enfrentar as direções irresponsáveis, que não têm nenhuma preocupação com nossa saúde e nossas vidas, bem como para pensar em que medida o transporte público poderia ser usado para ajudar toda a população nesta grande crise sanitária, não há nada melhor do que os próprios funcionários refletirem e decidirem coletivamente sobre as medidas necessárias a serem tomadas. Somos os que estão na linha de frente todos os dias e nos colocamos em perigo, por que não caberia a nós decidir?

Nem todo o transporte é essencial, vamos parar de colocar funcionários e usuários em perigo!

Devemos começar perguntando quais são os serviços realmente essenciais nas empresas de transporte. Nem todas as atividades são equivalentes e não há sentido em fazer os funcionários, suas famílias e os usuários correrem riscos quando não se trata de um serviço indispensável. De fato, seria necessário começar diferenciando entre, por um lado, o transporte local, potencialmente útil para as equipes de saúde e trabalhadores de setores essenciais, que são obrigados a se locomover; e, por outro, o serviço de frete, cuja utilização deve se limitar ao transporte de equipamentos médicos necessários para os hospitais ou ao transporte de alimentos; mas também o transporte de longa distância, que na maioria dos casos se mostra totalmente inútil durante esse período, enquanto a gerência da SNCF obriga os funcionários das oficinas de manutenção do TGV [trem de alta velocidade] a trabalhar.

Se tomarmos o exemplo do transporte local e, em particular, o serviço de ônibus, muitos elementos podem ser levados em consideração. As condições de trabalho, saúde e segurança estão, por exemplo, longe de serem adequadas na RATP. A venda de passagens a bordo dos ônibus foi interrompida apenas muito tarde colocando no lugar a venda por SMS, para não perderem nenhum centavo; os ônibus não são desinfetados regularmente e corretamente; algumas linhas funcionam com ônibus vazios, enquanto outros rodam com sobrecarga de passageiros. Os motoristas e os usuários não estão devidamente protegidos, nem máscaras, nem gel, nem luvas.

Em resumo, para além de alguns anúncios de determinados serviços especiais estabelecidos pela direção da RATP esta semana, nenhuma reorganização séria da rede de transporte foi pensada pela direção e, frequentemente, os alertas dos funcionários e de seus representantes não são ouvidos. Portanto, a direção das empresas escolhe colocar em risco não apenas os funcionários e suas famílias, mas também muitos usuários que ainda são obrigados a usar o transporte coletivo.

Por comissões de saúde e segurança deliberativas com funcionários dos transportes e profissionais da saúde

Está se tornando cada vez mais evidente para todos que não podemos esperar que as direções das empresas façam uma avaliação da situação e tomem as decisões necessárias. As CSSCTs [comissões de saúde, segurança e condições de trabalho] atuais são "instâncias de registro" das decisões da direção e de maneira nenhuma os funcionários podem exercer o direito de veto sobre o que põe em risco funcionários e usuários. Torna-se, portanto, essencial que os próprios trabalhadores, em conjunto com os profissionais de saúde que estão na vanguarda da luta contra a epidemia, tomem à frente dessas questões, discutam e decidam sobre as medidas a serem tomadas. Essas medidas devem permitir que todos os que continuam a trabalhar o façam com segurança e, ao mesmo tempo, reorganizar o conjunto da rede de transporte em função de ajudar na crise.

Uma comissão de saúde e segurança verdadeiramente deliberativa, composta principalmente por funcionários (sindicalizados ou não) que desejam se envolver na reflexão sobre a utilidade do transporte nesses tempos de crise, bem como por profissionais da saúde, que podem fornecer um olhar científico sobre as medidas adotadas e aplicadas, seria, de fato, a solução mais adequada à situação atual.

Essa comissão poderia, por exemplo, discutir as medidas concretas a serem adotadas, começando com a proteção de funcionários e usuários, com o uso de máscaras, luvas, a utilização de gel hidroalcoólico. Poderia decidir limitar o número de passageiros a bordo de cada ônibus ou trem, de acordo com o cálculo das distâncias de segurança a serem respeitadas, além de obrigar a direção a realizar a desinfecção dos ônibus e dos trens a cada viagem, com produtos de limpeza de qualidade e ferramentas tecnológicas de alto desempenho, contratando o pessoal necessário para realizar essas tarefas indispensáveis, a fim de que sejam respeitadas as condições mínimas de higiene.

Também poderia pensar em reduzir ou adaptar o horário de trabalho de acordo com as necessidades do serviço, recrutando funcionários, se necessário. Devemos pensar em uma reorganização de toda a rede, começando por estabelecer as linhas que são essenciais e úteis para transportar, por exemplo, os trabalhadores que prestam serviços essenciais nessa crise, os funcionários dos hospitais, os agentes de limpeza e energia, aqueles que trabalham em lojas e indústrias de alimentos ou ainda garantir serviços especiais que façam traslado entre certas estações e o comércio, para que os trabalhadores mais precários, não tendo carro, possam fazer suas compras. Esse tipo de comissão poderia até mesmo avaliar a necessidade ou não de manter o transporte coletivo se a crise piorar, através de um estudo das reais necessidades e uso do transporte pela população que ainda é obrigada a se locomover.

Em resumo, trata-se de colocar todos os recursos financeiros e materiais necessários a serviço do objetivo de garantir a proteção e a segurança dos usuários e funcionários, para que este serviço essencial à vida da população neste período de crise sanitária possa ser adaptado às reais necessidades. Não é a direção da RATP ou da SNCF que fará isso; cabe a nós tomar em nossas mãos os rumos da situação!




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