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Posicionamento | França: Contra Le Pen, nenhum voto para Macron: preparar desde já a resistência

No segundo turno das eleições presidenciais francesas, o duelo de 2017 está sendo repetido depois de cinco anos de ofensiva anti-social e autoritária do governo Macron, o que contribuiu para abrir caminho para a extrema direita. Apesar disso, há muitas organizações da esquerda que estão mais ou menos abertamente chamando voto em Macron como forma de "bloquear" Le Pen. Diante da reacionária dupla Macron - Le Pen, a organização Révolution Permanente, da mesma rede internacional da qual faz parte o Esquerda Diário, defende uma abstenção ativa nas eleições e uma política independente a serviço da construção, desde já, da resistência às ofensivas futuras.

sábado 16 de abril de 2022 | Edição do dia

Créditos imagem: AFP

O retorno da lógica do "mal menor"

No domingo passado, Emmanuel Macron (La République en Marche) se qualificou para o segundo turno com quase 28% dos votos, à frente de Marine Le Pen (Rassemblement National) que teve pouco mais de 23%. Uma pontuação alta para o atual presidente, fruto do "voto útil" dos setores mais ricos e mais velhos da população, bem como do colapso sem precedentes da direita tradicional. Não só a direita clássica não conseguiu chegar ao segundo turno pela segunda vez na história da Quinta República, com Pécresse (Republicanos) ficando com ridiculamente baixos 4,8%, que o Partido Socialista conseguiu ficar atrás com os 1,7% de Anne Hidalgo.

A celebração de Macron por ter ficado em primeiro lugar no primeiro turno, no entanto, desvaneceu-se rapidamente. Mesmo que o segundo turno possa ter ares de um "remake de 2017", Macron não tem mais a vantagem de ser uma novidade. O "candidato disruptivo" de cinco anos atrás deu lugar a um Presidente "odiado" por setores inteiros da população - como aponta o Financial Times, um jornal a priori longe de ser hostil a ele, - com balanço de mandato anti-social e autoritário. Frente a isso, o Rassemblement National (RN) de Le Pen pretende aproveitar ao máximo esta situação, o que lhe permite disfarçar seu próprio projeto racista e neoliberal. Uma manobra facilitada pelo espantalho Eric Zemmour, cujos elogios a Pétain e discursos abertamente racistas contribuíram para suavizar a imagem de Le Pen. Muitas vantagens com as quais ela conta para alcançar uma votação bem melhor do que em 2017.

Neste contexto, a diferença no segundo turno de 2022 promete ser mais apertada do que nunca. É certo que Macron continua sendo o favorito contra Le Pen, apesar de uma reserva maior de votos para a candidata do RN. Mas uma mobilização maciça de abstencionistas acompanhada de uma transferência não natural de votos de uma fração significativa do eleitorado de esquerda para a candidatura de Le Pen, em uma lógica "tudo menos Macron", poderia possibilitar que a extrema direita chegasse ao poder. Um cenário, a priori, altamente improvável, mas não impossível.

Especialmente porque desde 2017, a "barragem republicana" sofreu um forte revés com 12,1 milhões de abstenções (25,4%) no segundo turno, um patamar não visto desde 1969, e um pouco mais de 4 milhões de brancos e nulos (quase 11,5% dos eleitores). Números a serem comparados aos das eleições de 2002, com segundo turno entre Jacques Chirac e Jean-Marie Le Pen, para entender melhor o aprofundamento da crise do regime. Na época, os analistas falavam de um verdadeiro "terremoto", fruto da redução dos mecanismos institucionais clássicos. Mas a "frente republicana" jogou ao máximo, permitindo a Chirac ganhar o segundo turno com pouco mais de 82% dos votos, uma taxa de participação de mais de 79% e apenas 1,7 milhões de votos brancos e nulos.

Diante do medo causado pelo estreitamento da distância entre Macron e Le Pen, a "barragem" tem tendido a recuperar a cor nos últimos dias. A eleição permitiu afirmar-se a existência de um polo de esquerda, que foi expresso através dos 22% (mais de 7,7 milhões de votos) obtidos por Jean-Luc Mélenchon. Este resultado, que contradiz a idéia de uma sociedade unilateral de "direita", faz do eleitorado de "esquerda" um jogador central no segundo turno, e intensifica a pressão para uma "barragem", "republicana" ou "esquerda".

Enquanto o Partido Socialista, o Europa Ecologie-Les Verts e o Partido Comunista chamaram voto para Macron contra a extrema direita na noite do primeiro turno, Jean-Luc Mélenchon o fez de forma indireta. Assim que os resultados foram anunciados, ele martelou que "nem um voto deve ir para Madame Le Pen", palavras retomadas, como em 2017, pelo Novo Partido Anti-Capitalista que afirmou, pela voz de seu candidato, Philippe Poutou, que "nossa posição de voto é clara: nenhum deve ir para a extrema direita". Esta posição também foi assumida pela direção da CGT e da dos sindicatos Solidaires.

Essa definição implícita por um voto de “barragem” andou de mãos dadas com apelos mais explícitos por uma votação de Macron, inclusive na extrema esquerda, em nome de uma lógica do "mal menor". No jornal Mediapart, Ugo Palheta, diretor de publicação da revista Contretemps e membro do NPA, pediu para "eliminar o perigo imediato e [lidar] com o dia seguinte à eleição de Macron". Em texto publicado no site Les Mots sont Importants, Pierre Tevanian vai além, e denuncia a consigna por "nenhum voto à extrema direita" como confusa, explicando: "dizer em tal contexto que o candidato alternativo [Macron] não é ’de forma alguma’ um baluarte contra a extrema-direita é simplesmente uma mentira e um erro criminoso. Acontece que, sejam quais forem as torpezas do presidente Macron, inclusive em termos da extrema-direitização do país, o voto em Macron é, de fato, pelo menos no curto prazo, e ao menos nos próximos cinco anos, o único ato que contribui a impedir a fascista da presidência."

Em 2017, essa lógica do mal menor já colocava um problema [1] Depois de cinco anos de macronismo é ainda mais inaceitável. De fato, sob o pretexto de defesa imediata contra o perigo de Le Pen e de resistência à extrema-direita, essa lógica desarma ideológica, política e materialmente nosso campo social em um momento em que é urgente preparar a resistência contra o próximo governo.

O macronismo cinco anos depois: um projeto autoritário e neoliberal que faz prosperar a extrema direita

Da reforma trabalhista à reforma do seguro-desemprego, passando pela abolição do Imposto dobre Fortunas, a redução do auxílio moradia, a reforma (abortada) da previdência, a inclusão na lei das disposições do estado de emergência, o balanço do governo de Emmanuel Macron é o de uma guerra social de cinco anos. No terreno racista e da segurança, as leis "separatismo" e de segurança global, a dissolução de organizações, as leis "antidrogas", os diversos presentes à polícia, a restrição de vistos para os países do Magrebe, o salto na repressão ultraviolenta dos movimentos sociais e dos bairros populares, à qual se soma a comemoração de Pétain ou a primeira entrevista de um presidente dada ao [reacionário jornal] Valeurs Actuelles, mostram que o candidato neoliberal não teve problemas em se basear no programa da extrema-direita, reiterando os apelos dos setores mais conservadores e reacionários da sociedade.

Nos últimos dias, diante do aperto das pesquisas para o segundo turno, Macron está multiplicando os sinais à esquerda para tentar se dirigir ao eleitorado de Yannick Jadot e, sobretudo, de Jean-Luc Mélenchon. Foi assim, por exemplo, que ele fez uma referência a Jean Jaurès, no dia seguinte ao primeiro turno, e anunciou uma possível "mudança" da aposentadoria aos 65 anos, evocando inclusive a possibilidade de ter suas contrarreformas validadas por referendos, apenas para fazer esquecer o abuso da força e o uso do artigo 49.3 da constituição [para passar um texto sem votação no parlamento]que caracterizaram seu governo. Mas o programa do presidente cessante está alinhado com a estrita continuidade do primeiro mandato de cinco anos, com medidas como aposentadoria aos 65 anos, obrigação de trabalhar de 15 a 20 horas semanais para beneficiários do auxílio RSA, reforço das expulsões de estrangeiros, a duplicação da presença de forças de repressão “no terreno” ou a continuação da luta contra o “separatismo”. Enfraquecida após cinco anos intensos que desencadearam mobilizações muito significativas e profundo ódio ao Presidente, a imposição de tais medidas implicaria necessariamente um aprofundamento das características mais autoritárias do primeiro quinquênio em caso de reeleição.

Diante do caráter autoritário e neoliberal do Macronismo, cujo programa econômico foi recentemente aclamado pelo MEDEF [Organização patronal de toda a França], nenhum apoio político é possível. Confrontados com esta constatação, intelectuais próximos da France Insoumise de Mélenchon, como Stefano Palombarini ou Dominique Méda, procuram um meio-termo evocando a ideia de um chamado ao voto condicionado ao abandono de certas contrarreformas ou a “provas de respeito”. Dada a natureza do projeto de Macron - mesmo que ele abandonasse a reforma da previdência, aceitaríamos a duplicação das forças de repressão? - tal abordagem é insustentável e reflete as contradições insolúveis de um chamado a voto em Macron que leva a colocar-se de fato em seu campo, em nome da luta contra a extrema-direita. O mesmo vale para esses chamado a "impor", a Macron, Mélenchon a Matignon [como primeiro ministro], seja elegendo uma maioria de deputados da France Insoumise ou da Union Populaire no Parlamento, seja negociando um apoio ao atual presidente em nome da obtenção do cargo de primeiro-ministro. Se a segunda opção é mais uma brincadeira do que um programa político, a primeira é funcional à ideia de que ainda devemos votar em Macron em 24 de abril [2], embora os dirigentes da France Insoumise saibam muito bem que será impossível obter uma maioria no Parlamento, no marco de um sistema uninominal com dois turnos.

Além do problema político que coloca, a eficácia do chamado, mais ou menos explícito, ao voto em Macron também é duvidosa a curto e médio prazo. No que diz respeito à eleição, a única possibilidade aritmética de Marine Le Pen vencer em 24 de abril está em uma mobilização "anti-Macron" sem precedentes de setores inteiros do eleitorado que se abstiveram ou votaram à esquerda no primeiro turno. Tal fenômeno seria inédito, mas não é totalmente impossível diante da campanha catastrófica e do ódio despertado pelo presidente dos ricos. Recentemente, figuras como Priscilla Ludosky ou Jérôme Rodrigues testemunharam assim a existência de tal pressão entre certos Coletes Amarelos, ao mesmo tempo que chamavam voto "nem Le Pen, nem Macron". Sua posição tem a vantagem de partir de um desejo de dialogar com os setores de nossa classe mergulhados na confusão pelo ódio a Macron. No entanto, como convencer a não votar em Le Pen ficando do lado daquele que eles legitimamente percebem Macron como um inimigo mortal? Essa postura é insustentável e a recusa de chamar voto em Macron parece ser uma condição da luta contra uma parte potencialmente decisiva do voto em Le Pen.

Especialmente porque o projeto Macroniano não pode ser vendido, direta ou indiretamente, como qualquer "baluarte contra a extrema direita". Pelo contrário, é a garantia, a longo prazo, do seu fortalecimento. Após vários anos de ofensiva autoritária, a extrema direita nunca esteve tão forte, passando de 26 para 32% dos votos no primeiro turno entre 2017 e 2022 com o surgimento do fenômeno Zemmour. A política de Gérald Darmanin contra os muçulmanos ou todos aqueles que se enquadram nesta categoria, mas também de apoio às forças de repressão, tem desempenhado um papel ativo na direitização do debate político. Foi isso que empurrou a extrema direita para a superioridade e permitiu que ela prosperasse. Como símbolo, lembraremos também que a campanha presidencial abriu com um debate entre Marine Le Pen e o ministro do Interior, este último alegando a seriedade do balanço de sua política de segurança e seus antecedentes racistas e julgando sua oponente "muito mole".

As contradições do chamado ao voto em Macron são, portanto, reveladoras do impasse de qualquer política que se encerre na alternativa reacionária imposta pela eleição. Defender uma orientação revolucionária significa também lutar para sair desse impasse e convidar, contra a maré dos aparatos reformistas de esquerda, a se opor ideológica e politicamente a essa binaridade. De fato, é no confronto contra o macronismo, em todos os movimentos de resistência e mobilização que sua política gerou, nos últimos cinco anos, que nascem as molas da luta contra a direita e a extrema direita e os anticorpos necessários contra o lepenismo. Assim que nosso campo social esteja unido, há muito menos terreno para a extrema direita ocupar. Além disso, a urgência parece-nos ser trabalhar por essa unificação, lutando contra a extrema-direita sem chamar voto em Macron e trabalhando para mobilizar o nosso campo.

O perigo de Le Pen: a assustadora hipótese de um governo do RN

Alguns chamarão voto em Macron "apesar de tudo", argumentando o perigo imensurável que Le Pen representaria em comparação com Macron. No caso de sua ascensão ao poder, Ugo Palheta evoca assim uma aceleração das tendências ao "fascismo" já encarnadas por Emmanuel Macron, enquanto outros retratam uma vitória de Le Pen como o estabelecimento de um regime fascista onde qualquer possibilidade de resistência seria imediatamente aniquilada.

O medo suscitado pela extrema direita no poder é tanto mais legítimo na medida em que tudo em seu discurso e suas práticas visam, às vezes fisicamente, aqueles que já são, em “tempos normais”, os mais vulneráveis, precários e discriminados de nossa classe. Marine Le Pen, o RN e sua comitiva vêm de movimentos fascistas, imbuídos de muitos elementos ideológicos extraídos dessa herança. Eles mantêm vínculos ativos com grupos fascistas violentos. No entanto, a ideia de que uma vitória eleitoral de Le Pen mergulharia imediatamente a França em um regime fascista merece ser discutida, não para relativizar o perigo lepenista, mas para entender a dinâmica em ação na França e as tarefas que deveriam ser as das organizações do movimento operário e popular, em primeiro lugar as tarefas da extrema esquerda.

É certo que uma vitória eleitoral de Le Pen radicalizaria ainda mais as tendências ao autoritarismo e ao bonapartismo inscritas no próprio DNA da V República. Além disso, foi sob a “esquerda”, com a dupla Hollande-Valls, que essas tendências foram intensificadas, como nunca desde 1961. Le Pen, no entanto, tenta disfarçar isso com promessas de renovação democrática. A "revolução do referendo" apresentada esta semana por Marine Le Pen como uma renovação democrática a serviço do "povo" (e como um aceno aos coletes amarelos), é assim apenas o nariz falso do cesarismo plebiscitário que se encontra no coração do populismo de extrema-direita. No quadro do projeto reacionário de Le Pen, o referendo seria antes de tudo uma ferramenta para burlar as instituições do regime, mas também para "pacificar o debate político": ou seja, uma ferramenta de contenção e repressão das mobilizações, porque "não podemos manifestar contra os resultados de um referendo que é obrigatório para todos". O mesmo vale para sua promessa de introduzir um sistema proporcional com bônus majoritário para as eleições legislativas. Não se trata de forma alguma de renovação dos mecanismos de delegação parlamentar, mas de construção de maiorias parlamentares sólidas por meio de novos instrumentos, tão antidemocráticos quanto os da Constituição de 1958.

Estrangeiros seriam, obviamente, junto com a população muçulmana, os primeiros alvos de tal governo. Simbolicamente, Le Pen gostaria de iniciar seu mandato de cinco anos adotando, por referendo, sua lei racista e xenófoba sobre imigração, que também revisaria a Constituição para incluir a noção de “preferência nacional”. Para o RN, que historicamente fez do racismo e da xenofobia o cimento do bloco eleitoral que o sustenta, tomar medidas xenófobas pela força e incitar o ódio será decisivo e prioritário. O programa está escrito e pode-se imaginar facilmente o ativismo racista de tal governo, bem como sua continuidade nas ofensivas contra os direitos das mulheres ou LGBTI.

No poder, a demagogia “social” do RN se extinguiria e a ofensiva seria redobrada com ofensivas contra aqueles que se opõem à dinâmica racista e aos ataques anti-sociais do governo. Para silenciar o protesto, tal governo poderia contar com o zelo de um aparato policial amplamente comprometido com a “causa”, à qual promete uma “presunção de legítima defesa”. Mas ele também se beneficiaria do papel das gangues de extrema direita, que se sentiriam mais seguras do que nunca de sua impunidade. Nos últimos meses, no quadro do giro autoritário de Macron, grupos fascistas locais já sentiram suas asas crescerem, multiplicando ameaças e/ou ataques: contra a manifestação de 8 de março, contra umareunião antifascista em Estrasburgo, contra uma reunião política como a de Anasse Kazib na Sorbonne ou de Philippe Poutou em Besançon, contra militantes antifascistas ou mesmo contra uma livraria anarquista em Lyon. Pode-se imaginar o potencial multiplicador oferecido pelos vínculos entre esses grupos e o mais alto nível do Estado.

O perigo de Le Pen: fascismo ou bonapartismo?

Mas os elementos descritos acima, supondo que Le Pen seria capaz de implementá-los, são suficientes para descrever um regime “fascista”? Numa definição rigorosa, fascismo designa um regime que rompe com a democracia burguesa, que substitui por métodos de guerra civil destinados a esmagar pela força física o campo dos explorados e oprimidos e suas organizações, como fizeram os regimes de Mussolini e Hitler. Nesse sentido, o fascismo não implica apenas a extrema direita à frente do aparelho de Estado, mas forças materiais capazes de impô-lo e, sobretudo, uma burguesia decidida a apoiá-lo. Em momentos de crise, estes podem optar por recorrer a esse tipo excepcional de regime, que se baseia em um movimento de massas, vindo principalmente de camadas degradadas da pequena burguesia, para esmagar toda a resistência e restaurar a ordem.

No entanto, hoje, é na direção de Macron que, mais classicamente, os capitalistas estão inclinados. Se há grupos violentos de extrema-direita ativos na França, de Paris a Lyon, passando por Montpellier, Besançon, Lille ou Estrasburgo, e se a dinâmica da luta de classes levou à radicalização de setores da burguesia, por trás de um projeto como o levado por Zemmour com uma forma de apoio de Bolloré, o cenário de um regime fascista ainda atual. Isso não significa que não possa surgir dependendo do desenvolvimento da situação política e da luta de classes. No entanto, ainda não chegamos lá, e as possibilidades de resistência estão longe de serem aniquiladas.

As experiências recentes da extrema direita no poder corroboram essa observação. O governo do Movimento 5 estrelas de Salvini-Conte na Itália em 2018-2019, por exemplo, mostrou como, em última análise, até as correntes de extrema direita europeias mais radicais, como a Liga de Matteo Salvini, servem ao sistema. A burguesia, quando não precisa deles para outras tarefas, condiciona sua ação e seu programa a serviço da maior normalidade capitalista possível.

A presidência de Trump, que transmitiu a pior retórica supremacista, racista, xenófoba e reacionária, é outro exemplo de como a polarização inerentemente gerada pelas tentativas de consolidação da extrema direita também abre brechas e resistências. Nos Estados Unidos, as principais mobilizações da juventude, dos bairros e do mundo do trabalho da última década foram assim implantadas sob Trump. Eles variaram de mobilizações contra o racismo e a violência policial, ao movimento de mulheres e LGBTI, a lutas sindicais extremamente duras. O governo Biden herdou esses processos,como a dinâmica sindical na Amazon, que coloca, pela primeira vez desde os anos Reagan, a burguesia e os empregadores americanos em uma posição que não é mais a de uma dominação incontestada, e que os democratas estão agora tentando conter através da cooptação. Poderíamos evocar da mesma forma as profundas contradições que abalaram regimes como o de Bolsonaro, enfraquecido eleitoralmente poucos meses antes das próximas eleições presidenciais.

Nenhum desses elementos questiona a natureza fundamentalmente racista, autoritária e violenta dos governos de extrema direita. Tampouco visam relativizar o perigo representado pelo RN. Por outro lado, convidam-nos a destacar, contra todo o ceticismo, as possibilidades de resistência que existem e existirão seja qual for o resultado da eleição presidencial, bem como a definir quais são as tarefas dos revolucionários e antifascistas no período. No entanto, ao mesmo tempo compreendemos aqueles que vão colocar uma cédula de Macron nas urnas por medo da extrema direita, consideramos que esta questão deve ser considerada fora do quadro estreito e reacionário da alternativa eleitoral Macron-Le Pen à qual os chamados por "barrar" Le Pen tendem a se adaptar.

Uma abstenção ativa para preparar a resistência do nosso acampamento

Tudo isso implica de fato que as organizações do movimento operário, popular e juvenil devem recusar a chantagem atual de “barragem” e construir uma grande mobilização unitária de nossa classe. Esta é a única maneira de passar da atual situação de polarização, legada pelo macronismo e aqueles que o precederam, para uma ofensiva para fazer a extrema direita recuar assim como Macron em suas pretenções programáticas made in MEDEF. Chamamos, portanto, a combater Le Pen sem dar um único voto a Macron através da única política que torna possível combater a extrema direita e recusar qualquer apoio político a Macron: a defesa da abstenção ativa, de um "nem Le Pen nem Macron" que ande de mãos dadas com a construção, desde já, de uma resistência unitária contra o próximo governo.

Nesse intervalo entre os turnos eleitorais, tal palavra de ordem intransigente em relação ao macronismo, acompanhada manifestações primárias de força do movimento operário e do movimento social, permitiria traçar os contornos de uma verdadeira oposição radical a Macron. Denunciando abertamente a extrema direita, essa dinâmica seria um fator ativo contra o voto em Le Pen ao oferecer outras perspectivas além dessa escolha reacionária. Essa política também possibilitaria a preparação para o próximo quinquênio, em cujo contexto as mobilizações serão intensas e decisivas.

Qualquer que seja o resultado do segundo turno, em 24 de abril, o próximo governo que virá terá alicerces frágeis. Ao contrário do discurso da “direita” que tem prevalecido nos últimos meses, os últimos cinco anos foram marcados pela vitalidade da luta de classes, pela sucessão de movimentos grevistas e manifestações que foram “sufocadas” pela crise sanitária, mas que de forma alguma foram esmagadas. Nesse sentido, é a "polarização" que prima, enquanto os diversos "blocos burgueses", a começar pelo de Macron, mostraram sua fragilidade e sua base fraca.

Mesmo no terreno distorcido das eleições e apesar de nossas divergências com o projeto encarnado por Jean-Luc Mélenchon, os resultados da France Insoumise mostram uma politização à esquerda em uma camada não negligenciável da população, particularmente nas grandes cidades, bairros populares e entre os jovens. Nesse contexto, também não é insignificante que tenha sido a juventude que expressou espontaneamente uma rejeição à escolha mortal entre Le Pen e Macron, mobilizando-se e bloqueando ou ocupando locais de estudo como a Sorbonne, Sciences Po ou a Universidade de Lorraine logo após o primeiro turno, indicando assim o caminho de uma mobilização independente que deve começar a ser construída e organizada agora com vistas ao próximo quinquênio.

Seja qual for o resultado de 24 de abril, devemos ter em mente todo o ciclo de mobilizações e resistências que se desenrolaram na França e nas colônias francesas desde a revolta das banlieues e a luta contra o CPE, que encontraram um novo gás com a mobilização contra a Lei do Trabalho e marcaram profundamente, de baixo para cima, o quinquênio de Macron, desde os Coletes Amarelos às mobilizações contra o racismo e a violência policial, incluindo a greve contra a reforma da Previdência. Esses movimentos, ricos em lições e promessas para o futuro, muitas vezes não atingiram seu pleno potencial devido às hesitações e vacilações dos dirigentes sindicais, quando não se tratava diretamente de traições em nome do pragmatismo ou de eleições que "permitiriam economizar dias de greve".

Enquanto conseguimos mostrar nossa força nas lutas, a pandemia e o autoritarismo sanitário contribuíram para uma passivização em uma situação ainda assim muito polarizada. Mas as brasas ainda estão quentes e Macron e Le Pen não seriam nada comparados à força de nosso campo social se as direções das organizações do movimento operário e juvenil popular vivessem uma política independente e de classe. É essa orientação que deve ser levada nas lutas que virão, construindo agora, com total independência do regime, um bloco de resistência contra Macron, Le Pen e o futuro que eles nos prometem.


[1Veja a troca entre Emmanuel Barot e Sylvain Pyro. Na época destacamos em particular, em um período em que Júpiter (Macron) ainda poderia aparecer como o campeão do "ao mesmo tempo": "o novo bloco do poder burguês que ele quer forjar enfrentará [as classes populares, a classe trabalhadora, aos sindicatos centrais] a um novo grau de ofensiva, determinado a colocar a serviço da contra-revolução ultraliberal tanto o compromisso imperialista do Estado francês, como todas as vias autoritárias, repressivas, racistas de Estado, anti-militância, que se enraizaram desde o início do giro bonapartista na França no verão de 2014 (…). Lembremos que foi Macron quem apontou durante seu debate de 3 de maio com Le Pen, como Valls havia feito, para os "grupos de extrema esquerda", sem deixar de responder a este que dissolveria todos os grupos "violentos", anti-republicanos, antifascistas etc (…) Macron, o novo campeão da burguesia, será também o campeão do aprofundamento do Estado de exceção".

[2Participando do projeto de orbitar todas as forças da esquerda, ecologistas e até da extrema esquerda em torno do "Parlamento" e da União Popular pensando nas eleições legislativas.





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