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França: Conferência de Anasse Kazib se transforma numa frente anti-fascista

Várias centenas de pessoas, incluindo muitos ativistas anti-fascistas, reuniram-se na quarta-feira à noite em frente da Sorbonne em Paris em apoio do candidato presidencial de extrema-esquerda que foi alvo de ataques por um grupo de extrema-direita.

domingo 13 de fevereiro de 2022 | Edição do dia

"Olá wokistes!” [1] Neste 9 de fevereiro, às 19 horas, na Place du Panthéon da Universidade Sorbonne em Paris, Anasse Kazib teve o prazer em usar esse estigma malicioso para acolher os seus cerca de 300 apoiadores, durante uma reunião improvisada ao ar livre. Inicialmente, foi planeada uma conferência dentro da Universidade, no mesmo local que tinha acolhido o colóquio reacionário contra o "wokismo", sob a égide de Jean-Michel Blanquer, [ministro do governo Macron], em 8 de janeiro.

Vários candidatos presidenciais já desfilaram pelos salões de conferências da Universidade a convite das associações de estudantes - depois de Yannick Jadot, o próximo na lista é Jean-Luc Mélenchon.

Mas a chegada do candidato do Révolution Permanente (uma cisão do NPA), que tem dificuldade em encontrar assinaturas [de prefeitos, para conseguir ter o direito de se candidatar às eleições] (tem 84 aceitas até hoje, e já recolheu 250), desencadeou uma campanha de cartazes racistas por um grupo de extrema-direita, "Les Natifs" (Os Nativos), que levaram a preocupação de ataques corporais: "0% franceses, 100% wokistas, 100% islâmicos", eram os cartazes tricolores colados nas paredes da universidade parisiense durante algumas horas, antes de serem encobertos pelos da associação “Le Poing Levé” (O Punho Levantado, braço de juventude do Révolution Permanente).

O antigo porta-voz da Génération identitaire (uma organização de extrema-direita que foi cassada em Maio de 2021), Étienne Cormier, fez um vídeo em frente da Sorbonne para denunciar a visita do candidato.

Anasse Kazib e seus apoiadores, place du Panthéon em Paris, 9 de fevereiro. © Mathieu Dejean

Começo de uma frente única?

"Houve ameaças dos Natifs, do Génération identitaire, e registo dos militantes da UNI e do Cocarde na conferência... O seu desejo de impedir a minha vinda foi claro, a minha candidatura os preocupa: o que poderia ser mais subversivo, face à candidatura de Zemmour, do que um trabalhador de origem imigrante?” explicou Anasse Kazib, 34 anos, trabalhador ferroviário na estação de Le Bourget, um dos pontas de lança da longa greve contra a privatização do setor ferroviário em 2018, que se tornou um grande orador.

A extrema-direita fez dele a sua lista negra desde as suas intervenções no programa "Les Grandes Gueules" na Radio Monte Carlo em 2007. O lançamento de campanha de Anasse, em Outubro de 2021 em Paris, já tinha causado uma controvérsia alimentada pelos facistas devido à ausência de bandeiras francesas na sala. "A tradição da extrema esquerda sempre foi hastear a bandeira vermelha, nunca pediram para Philippe Poutou [2] ou Arlette Laguiller [3] que se justificassem. Fazem comigo porque eles tentam fazer-me parecer como anti-Francês", disse o sindicalista da SNCF [4], cujo pai marroquino imigrou para França nos anos 70.

Face a esta nova campanha racista e a possibilidade de um confronto com a extrema-direita, surgiu o início de uma frente antifascista solidária com o candidato da extrema-esquerda, quando este soou o alarme nas redes sociais. As lições da não unidade em uma frente antifascista contra a reunião de Éric Zemmour em Villepinte (Seine-Saint-Denis) em dezembro passado parecem ter sido aprendidas.

Às 18h30 da quarta-feira, uma força de segurança de cerca de quarenta pessoas, principalmente da Acção Antifascista Paris-Banlieue (AFAPB) e do Jeune Garde, todos com lenços cor-de-laranja nos braços, esteve presente em frente às colunas da Faculdade de Direito Panthéon-Assas para garantir a segurança. E para fechar com chave de ouro a conferência, obrigada a virar uma manifestação espontânea, ela acabou por acontecer em frente ao antigo reduto do GUD (Groupe union défense, um grupo de extrema-direita ultra-violento).

Na pequena multidão de jovens reunidos nessa noite, além dos activistas do Révolution Permanente e das fileiras bem abastecidas dos antifascistas, havia membros do comité Adama, incluindo Youcef Brakni e Assa Traoré, do SOS Racisme, do sindicato Sud Rail, e mesmo o fundador dos "Guignols de l’info", Bruno Gaccio, membro do parlamento da União Popular.

“Todos que aqui estiveram são soldados, independente da sua vontade”
Assa Traoré, militante antiracista

Dos partidos políticos, apenas um punhado de ativistas do NPA estava presente. Apesar das suas recentes lutas fratricidas, o partido de Philippe Poutou, também candidato à presidência, publicou um comunicado de apoio apelando às organizações do movimento social a coordenarem "para permitir a realização das conferências apesar das ameaças da extrema-direita". Para Dylan, da NPA, teria sido "um grande problema político" não estar presente.

Éric Coquerel, deputado do La France Insoumise [5] que já tinha manifestado publicamente a sua solidariedade, enviou uma mensagem lida para a assembleia. Sandrine Rousseau, que também manifestou o seu apoio, estava a caminho de Lille.

Anasse Kazib e seus apoiadores, place du Panthéon em Paris, 9 de fevereiro. © Mathieu Dejean

Declarações anti-racistas

Ao microfone, Youcef Brakni, do comité Adama, que apoia a campanha de Anasse Kazib, lamenta esta falta de coesão: "Tem havido covardia por parte dos partidos de esquerda no que diz respeito aos movimentos anti-racistas nos últimos anos. Eles não estão aqui em grande número esta noite, à excepção de alguns indivíduos: porquê?

Ao lado de Anasse Kazib, Assa Traoré, que já compartilhou muitas lutas com ele, colocou o ato na linha das grandes manifestações contra o racismo e a violência policial que marcaram o mandato de cinco anos de Emmanuel Macron. Em 2 de junho de 2020, 20.000 pessoas reuniram-se diante do Supremo Tribunal de Paris a partir de seu chamado, quatro anos após a morte do seu irmão, Adama Traoré, na sequência da sua detenção por policiais.

"2 de Junho, fez história neste país. Não vamos deixá-lo nas mãos de racistas. Todos que aqui estiveram são soldados, independente da sua vontade", disse ela, usando as palavras do seu livro co-escrito com Geoffroy de Lagasnerie, Le Combat Adama (Stock, 2019), e chamou para a manifestação por igualdade racial que acontecerá em 12 de Fevereiro, Place de la République, Paris.

Saphia Aït Ouarabi, vice-presidente da SOS Racisme e estudante da Universidade de Paris-Est-Créteil, saudou a convergência dos movimentos anti-racistas. Ainda mais sob uma "ofensiva da extrema direita na universidade" - como no Sciences Po, onde foi criado um ramo da Génération Z (uma associação que apoia Éric Zemmour). "É importante que o nosso campo conforme uma frente única. Começam por colocar cartazes, e depois vêm e batem-nos, como em Villepinte. Eles sentem que estão a crescer as suas asas devido ao clima político e midiático, mas os racistas não ocuparão as nossas faculdades. Como jovens, não nos habituemos a isso", explicou ela.

Por volta das 19.30h, enquanto os discursos continuavam os manifestantes gritavam "Racistas, fascistas, não passarão!", "Solidariedade com as Hijabeus!" [6]. No meio disso, um grupo de cerca de dez pessoas tentou aproximar-se com uma bandeira azul-branco-vermelha. Não foram muito longe, controlados e rodeados pela polícia que assistia à manifestação. "Nos seus folhetos, o Génération Z apela à juventude ’não-conformista’ para se juntar a eles: é uma confissão de que eles estão com a burguesia, enquanto isso nós somos a maioria", conclui Saphia.

Texto de Mathieu Dejean, originalmente publicado no Mediapart

Traduzido por Caio Silva Melo


[1Termo adaptado do inglês ‘wake’ usado nas manifestações do Black Lives Matter, na França a direita e a extrema-direita usa esse termo pejorativamente (NdT)

[2candidato do Novo Partido Anticapitalista

[3candidata do Luta Operária

[4Sociedade Nacional dos Caminhos de Ferro, estatal ferroviária francesa na qual Anasse trabalha

[5A França Insubmissa, partido de Mélenchon

[6coletivo esportista de mulheres islâmicas





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