×

Flavia Valle: "precisamos de um feminismo socialista contra Bolsonaro, Mourão e golpistas"

No sábado (31), aconteceu a plenária do grupo de mulheres internacional Pão e Rosas, discutindo qual feminismo precisamos nessas eleições. Reproduzimos aqui a intervenção feita pela fundadora do grupo em Minas Gerais e candidata do MRT à vereadora de Contagem por filiação democrática pelo PSOL, Flavia Valle.

segunda-feira 2 de novembro de 2020 | Edição do dia

Boa tarde a todas e todos presentes aqui nessa conversa com a gente.

E quero agradecer a presença aqui de companheiras e companheiros que são professoras, trabalhadoras dos serviços gerais nas escolas, trabalhadoras da saúde, assistentes sociais, jovens trabalhadores do telemarketing e de trabalhos precários, companheiros metalúrgicos e petroleiros que apoiam a campanha e queriam estar presente mas estão no trabalho e expresso a força deles aqui, estudantes da UNA, da UFMG, secundaristas, artistas. Pessoal todo que é de Contagem e de BH. Além da presença da Cacau aqui com a gente.

Eu quero falar mais sobre qual é o feminismo que a gente defende nas eleições e sua conexão com raça, classe e gênero, que só pode ser desde uma perspectiva socialista, que é a que a gente defende pra podermos enfrentar esse regime podre do golpe institucional e esse governo reacionário de Bolsonaro e Mourão. Isso porque a gente parte da visão marxista de que há um casamento muito bem sucedido entre capitalismo e patriarcado.

Por isso que a gente entende que cada uma das demandas das mulheres tem que ser vista como um trampolim para nossas batalhas contra as bases do capitalismo e seu sistema de exploração. E não lutas feitas separadamente. Por exemplo: A primeira morte Brasil por Covid foi a de uma mulher negra, empregada doméstica. Contaminada por seus patrões que recentemente haviam voltado da Europa.

Não pode haver nenhuma identificação entre, por exemplo, entre a embaixadora das Filipinas e a trabalhadora doméstica que foi sistematicamente agredida por ela na própria casa.

Esses todos são casos emblemáticos do debate de gênero, raça e classe. Por isso que nossa luta não pode ser a da representatividade por si mesma, ou a sororidade irrestrita.

Porque a representatividade por fora de um conteúdo de classe é incapaz de enfrentar esse sistema racista e capitalista. Enquanto uma mulher chega ao topo, continua existindo um rio de sangue de mulheres e crianças mortas e super exploradas por esse sistema.

O feminismo de araque da Tábata Amaral que vota a favor da reforma da previdência que retirou o direito da aposentadoria de milhões de mulheres trabalhadoras. Ou a sororidade irrestrita, como se todas as mulheres fossem iguais. Esse é um discurso interessado para retirar o conteúdo radical da luta das mulheres e tentar transformá-lo num produto facilmente administrável pelo capitalismo. Isso porque o movimento de mulheres não parte do zero. As ondas do movimento feminista expressam isso. As mulheres já lutaram por direitos políticos, pelo direito ao próprio corpo, contra a fome, contra a ditadura, por direitos sociais. E que nos últimos anos o movimento feminista veio com muita força e será difícil fazer essa nova geração abrir mão de seus direitos. Essa nova geração de meninas e jovens que eu tenho muito orgulho de ter sido professora e continuar sendo professora e de ter lutado lado a lado delas como nas ocupações de escolas em 2016 entre muitas outras lutas contra o golpe institucional, contra o escola sem partido, contra as reformas e agora contra Bolsonaro e Mourão. E que já cresceram num mundo em que a demanda pela igualdade de gênero tem marca muito forte. Existe uma batalha desde grandes empresários, think thanks, ONGs para tirar a radicalidade de nossa luta e tornar o feminismo como algo habitável no capitalismo. E se a gente perde o componente de classe esse é o resultado.

A base bolsonarista também foi uma resposta ao movimento de mulheres. E pra gente enfrentar a reação bolsonarista não é suficiente a repetição de velhas fórmulas do tipo mulher vota em mulher. Mãe vota em mãe. Pois essas pautas são assimiláveis por setores da direita.

A Damares por exemplo usa a pauta das mulheres. Nas eleições a gente vem assistindo a corrida hipócrita de candidatos da direita pra apropriação da luta das mulheres pra ganhar votos. Como a candidata do Partido da mulher Brasileira em Contagem que diz que quer uma cidade em que as pessoas caibam dentro dela. Ou Luiza Barreto do PSDB em BH, que falam de mulheres, mães pra defenderem políticas que vão contra a maioria das mulheres. Ou o machista do Zema, que foi responsável pela violenta repressão das famílias do Quilombo Campo Grande, deixando mães e crianças sem casa em plena pandemia. É revoltante!

E por outro lado aparece também nas eleições tanto pela direita quanto por setores do chamado progressismo a demanda pelo fortalecimento do aparato repressivo do estado que assassina jovens e crianças negras todo dia. Por exemplo a candidatura da Marília Campos em Contagem que tem como uma de suas principais propostas de campanha o fortalecimento da guarda municipal. E o número 180 que é o disk denúncia da polícia militar é usado até mesmo por candidaturas da esquerda como propaganda!

E é impressionante como a esquerda hoje está enclausurada nessa pauta da representatividade por fora da classe, ou seja, sem assumir um enfrentamento ao conjunto do regime. Como expressa por exemplo a candidatura da Áurea em Belo Horizonte, que fala também uma representatividade por fora de classe ao ponto de sequer fazer uma contraposição contundente pela esquerda ao governo do Kalil.
Chega a dizer que Kalil que é do centrão e partido da base do Bolsonaro nacionalmente, seria um governo razoável. A ideia de uma BH pra todos defendida por Áurea Carolina é expressão desse projeto que se mantêm na conciliação. Ainda mais BH que é uma das cidades que mais produzem milionários no Brasil e segue sendo uma das capitais no Brasil com maiores déficits de moradia. Uma ideia de que seria possível administrar a cidade como uma ilha progressista no país do Bolsonaro. A gente não vende ilusões!

Pra gente, não se trata de batalhar por um novo senso comum de igualdade de gênero. Mas entender que não existe igualdade de gênero numa sociedade baseada na exploração.

Além de que tem muitas candidatas que falam de gênero mas não falam do tema do aborto. Com medo de perder votos!! Concessão que foi dada pelo PT nessa pauta histórica. Não, a minha candidatura não vai abrir mão dessa bandeira histórica do movimento de mulheres frente à cruzada fundamentalista que a gente vive.
Ou feminismo está ligado a uma política concreta ou vai ser construído como um novo senso comum e facilmente cooptável. Essa a história do neoliberalismo e suas relações com os movimentos sociais.

E por isso o nosso feminismo é socialista e revolucionário. Porque não se trata de defender representatividade em si mesma ou sororidade irrestrita. Ou lutar somente pelas demandas das mulheres. A gente parte de que a luta das mulheres é parte da luta política. É parte da luta de classes.

Nosso socialismo é o da Rosa Luxemburgo. Quando a batalha das mulheres socialistas era exatamente a de unificar as mulheres internacionalmente contra as grandes potências imperialistas. Porque a gente sabe que tudo depende da organização e luta dos trabalhadores.

A Rosa Luxemburgo lutou contra o reformismo. Ela sabia que os parlamentares são um ponto de apoio mas não substituem nunca o papel dos trabalhadores. E da batalha pra nossa luta ser acompanhada de um programa revolucionário e anticapitalista e não reformista, sem se ligar aos setores mais oprimidos, como já bem expressou a Cacau.

Por isso que a gente diz que não é suficiente ser feminista. É preciso uma política de conjunto pra enfrentar Bolsonaro e todo o regime do golpe que veio sustentando todos esses ataques.

Porque ser oposição a Bolsonaro não é ser necessariamente de esquerda. Há que ter uma posição contra o conjunto do regime. O SFT, o Congresso golpista. A esquerda abre mão desse combate. E se adapta à máxima do PT de que é preciso esperar 2022.

O PT abriu espaço pra direita, fortaleceu direita, o agronegócio, as igrejas evangélicas. Fez alianças com a direita. Está com o PSL em 140 cidades como a Cacau já falou. Em Contagem a candidata do PT que é a Marilia Campos está com uma coligação com nada mais nada menos que com o MDB golpista, o mesmo partido do Temer!!! E cumprem seu papel nas direções das grandes centrais. O de amortecimento da organização e da luta dos trabalhadores.

Contra todo esse regime podre do golpe institucional as saídas reformistas preparam apenas novas derrotas. Mas a gente está vendo novos ventos favoráveis internacionalmente. Com a derrota eleitoral da direita golpista na Bolívia. E derrota da direita no Chile que por ampla maioria perdeu pela população favorável a uma nova constituição. E a partir de terça veremos uma possível derrota do Trump, ainda que Biden não seja uma alternativa. Já que também é do partido imperialista mais antigo do mundo.

Isso tudo expressa um revés ainda mais forte para Bolsonaro. Torna ainda mais importante como esses acontecimentos atualizam as saídas revolucionárias. E não as saídas reformistas e de conservação desse regime podre.

Queria aqui expressar a minha total solidariedade com as famílias que são vítimas de governos que servem a capitalistas usurpadores e deixam famílias nas rua, como vimos antes de ontem na Argentina. Nossos irmãos latino americanos vivenciaram uma batalha campal contra o despejo de mais de 2500 famílias da ocupação Guernica, uma enorme ocupação na cidade de Buenos Aires e que foi brutalmente reprimida pela violência do estado comandada por Alberto Fernandez. Governo dito progressista e que em meio à crise escancara ao lado de quem coloca seu governo. E que foi apoiado nas eleições por parte da esquerda no Brasil, como a própria corrente stalinista Unidade Popular, conhecida como UP, que aqui em Minas Gerais dirige algumas ocupações urbanas. Ou seja, um tipo de reformismo que está fadado a sucumbir que por sua adaptação às forças da burguesia não pode apresentar um projeto alternativo de trabalhadores junto ao povo pobre.

Por tudo isso que gente diz que não é possível apenas mudar os jogadores mas que a gente tem que mudar as regras do jogo. A gente defende um governo de trabalhadores de ruptura com o capitalismo. Mas sabemos que a ampla maioria de trabalhadores ainda não compartilham dessa visão. E isso a gente também defende pela minha candidatura uma nova constituinte livre e soberana imposta por nossas lutas, e pra se enfrentar com esse regime de conjunto. O que só poderia favorecer a experiência de amplos setores de trabalhadores com esse regime podre.

Uma nova constituinte que possa revogar todas as reformas que rasgam direitos constitucionais de trabalhadores que esse governo e o do golpista Temer aprovaram. Ou que definisse que essa casta de juízes autoritários eleitos por ninguém e políticos que ganham altos salários fossem todos eleitos e que ganhassem o mesmo salário de uma professora.

Isso tudo para podermos batalhar na perspectiva de um enfrentamento com o regime de conjunto. Obviamente teremos que responder a ofensiva imperialistas. Ataques que apenas a auto-organização de trabalhadores pode enfrentar, como parte de uma luta por um governo de trabalhadores de ruptura com o capitalismo.
Pra lutas de enfrentamento com esse regime podre do golpe institucional que faz muita falta um polo da esquerda, antiburocrático, que enfrente as burocracia sindicais pra fazer frente a esses ataques da direita e da extrema direita. Por isso que a gente diz junto com outras companheiras trabalhadoras que são parte da militância da nossa campanha que é preciso lutar pra retomar os sindicatos para as nossas mãos.

Enfim, como vocês estão vendo, a gente não faz promessas eleitorais ou apresentamos soluções mágicas. Essas eleições municipais são mais nacionais que nunca! Tudo depende da organização e luta dos trabalhadores. A esquerda que aposta com suas candidaturas em saídas municipais estão vendendo ilusões. Se trata de um erro importante apresentar um programa de gestão municipalista nessa situação que vivemos. Como se fosse possível ter uma gestão sem romper com a leis que estrangulam os orçamentos das cidades como a lei de responsabilidade fiscal que garante que grandes juros continuem sendo pagos a banqueiros. Ou sem lutar pela revogação da lei do teto dos gastos que foi aprovada sob intensa repressão em Brasília no ano de 2017, luta que eu e muitas professoras e jovens estivemos à frente levando bomba de gás lacrimogêneo e bala de borracha.
Pois o que a esquerda promete de maneira alegre em dar com uma mão, a direita golpista e esse atual governo reacionário retiram com todas as suas forças. Por exemplo o abraço esdrúxulo entre Bolsonaro e Toffoli que mostram que as diferenças terminam quando o assunto é atacar nossos direitos. Essas são as batalhas que a gente dá e que participamos das eleições para fortalecê-las. A luta das mulheres, negros, LGBT, indígenas tem que estar ligada a luta de trabalhadores, que no Brasil se trata também em sua maioria composta de mulheres e negras.

Convido todas e todos que estão aqui hoje a levarem com a gente essa batalha a frente, a tomarem pra si as redes virtuais de forma subversiva, ou seja, contrariando a ideia das classes dominantes de que nosso tempo virtual não pode ser usado contra o sistema capitalista e contra esses velhos políticos que dominam os debates. Que a gente leve essas ideias pros colegas de escolas, pra nossos colegas de trabalho, pras famílias. Trabalho que muitas pessoas que estão aqui já estão fazendo e que podemos chegar em ainda mais pessoas.

Tendo a nitidez de que nossa luta vai além das eleições e cada convencimento que temos hoje quando muita gente se dispõe a escutar nosso projeto pode ser uma pequena engrenagem de uma máquina contra esse sistema podre e levar cada vez mais longe a ideia para que sejam os capitalistas a pagarem pela crise. E expressarmos isso nesse momento também com o convencimento de mais gente do voto em minha candidatura. E fortalecermos uma perspectiva pra que seja os capitalistas a pagarem pela crise.

As derrotas da direita a nível internacional não pode se dar repetindo as velhas formas de conciliação. Nova constituinte imposta pela luta. Experiência chilena é muito relevante. Mostra contundente do rechaço de massas ao Piñera. E à constituição do Pinochet. As mobilizações obrigaram Piñera a convocar o plebiscito. A constituinte ainda vai acontecer. Abre o caminho para muitas manobras. Essa constituição do Pinochet só vai ser enterrada com a mobilização extra parlamentar da classe trabalhadora. Com métodos como greve geral. A constituinte hoje dá poder de veto para a extrema direita, com a questão dos dois terços. Sem a participação da juventude que foi linha de frente das ultimas mobilizações. Que não vai poder votar e nem ser eleita. Não é possível confiar nos partidos do regime que apostam na convenção. Greve geral agora pra derrubar Piñera. Por uma assembleia constituinte livre e soberana. Derrotar a direita nas ruas. Discussão Rocardo Barros e Rodrigo Maia. Medo de uma desestabilização do regime por uma eventual AC imposta pela luta. Nossa constituição também foi tutelada pelos militares. Pra enfrentar a extrema direita não é possível mudar apenas os jogadores mas também as regras do jogo.




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias