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SEMANÁRIO

FUNK: O papel do capitalismo e do racismo na cultura do funk

Ana Carolina Toussaint

Desenho: Farsa a.k.a. Luis Carvalho

FUNK: O papel do capitalismo e do racismo na cultura do funk

Ana Carolina Toussaint

“[..] Diversão hoje em dia não podemos nem pensar
pois até lá nos bailes, eles vem nos humilhar.
Ficar lá na praça que era tudo tão normal
agora virou moda a violência no local, pessoas inocentes que não tem nada a ver
estão perdendo hoje o seu direito de viver...”
[Rap da felicidade- Cidinho e Doca]

O rap da felicidade atravessou gerações e até hoje suas colocações musicais representam um realidade sofrida e angustiante que os negros e pobres vivem nas favelas. Em 1995 Cidinho e Doca através da música revelou para todo o país o cotidiano dos moradores de favelas e periferias que sofrem com a ausência de moradia, educação e saúde de qualidade ao mesmo tempo que são forçados a viver imersos em constantes ações violentas da instituição policial sob as ordens do Estado capitalista. Após vinte e sete anos o rap da felicidade continua sendo um grito de verdade e denuncia de uma realidade que só existe para garantir os privilégios de uma classe, a classe dominante. É por via política, ideológica, econômica e intencional que a ordem social atua de forma contínua contra o funk e a juventude negra e pobre das favelas, destinando a eles um lugar inferiorizado e desvalorizado da cultura e identidade negra.

Neste dia 20 de novembro nós negras e negros comemoramos o dia da consciência negra como um dia especial, simbólico e forte da nossa história e identidade, história essa que é intencionalmente mal dita pelos livros de história dos historiadores capitalistas que mesmo com as inúmeras tentativas de revoltas, insubordinação através das lutas negras, tais historiadores seguem retratando uma imagem dos negros submissos, subalternos e de cabeça baixas que nunca existiu em nenhum lugar desse globo onde existiu e existe capitalismo. Para além do dia simbólico imposto pelos os negros e negras insurretos tal dia só foi implementado porque independente dos aparatos ideológicos, culturais e repressivos da burguesia o medo da revolta negra no Brasil segue sendo o obstáculo e o principal dilema da classe dominante das épocas passadas e atual. Logo, o poder e controle da classe dominante expressam mais as suas debilidades do que as fortalezas. A criminalização e perseguição do funk é um reflexo e prova disso, porque a verdadeira intenção e desejo da classe dominante é que os negros sejam lançados a sua própria sorte e miséria nos becos e vielas das favelas e periferias, porém, o que não era esperado e muito menos desejado é que o movimento soul funk do Estados Unidos refletisse fortemente no potencial criativo dos pobres e negros moradores de favelas, certamente esse ocorrido não foi apenas pela qualidade do som e do ritmo mas pela valorização e resgate do orgulho racial, da identidade e cultura negra através da música. Com isso os negros perceberam que além de gritar violência podem construir musicalmente o que está presente nas suas realidades e não só isso, o funk também é um ritmo musical que escancara para o mundo o que a ideologia burguesa constrói na subjetividade do favelado.

As represálias que sofrem o ritmo pesado e envolvente do funk tem seus motivos superficiais e falaciosos, exigem dos favelados uma responsabilidade moralista e fecha os olhos a realidade desumana dos pobres e negros nas favelas e mantém intacta a moral e os princípios burgueses da classe dominante. É com essa intenção que os moralistas da ordem e dos bons costumes exigem dos negros e pobres mais gosto musical e qualidade no saber e função das letras que na realidade são conclusões ideológicas sociais supérfluas de cunho racista burguês. Pode parecer espantoso as inúmeras letras do funk tratando da sexualidade, no entanto, deveria causar mais espanto a falta de informações à educação sexual que é devidamente e intencionalmente negado ao conjunto dos negros e pobres, além disso, concluir que o funk é só um punhado de letras musicais de natureza sexual passa por ignorar novamente a realidade e as consequências que levaram o favelado a produz o ritmo. Se as músicas de funk expressam um ritmo musical que socialmente não é valorizado, é perseguido e criminalizado é necessário investigar e acusar o sujeito responsável por isso e nesse caso o sujeito responsável é mais do que um sujeito, é uma classe, a classe dominante é responsável por tudo que expressa de mais atrasado no funk, como por exemplo, a sexualização exacerbada de origem machista e patriarcal contra as mulheres. Contudo, isso nada diminui o potencial criativo da juventude favelada que segue exposta a tanta miséria de graça e mesmo assim consegue ser tão criativos ao ponto de impor o funk com um dos principais ritmos nacionais da cultura e identidade negra.

Por fim, neste dia 20 de novembro, segundo ano de pandemia nesse governo de extrema direita de Bolsonaro e Mourão ficou evidente que a crise capitalista e suas mazelas pesam diretamente nas condições de vidas dos negros e pobres da classe trabalhadora, ao mesmo tempo, as dificuldades que se expressam na realidade tem que ser um fator para impulsionar o ódio ao governo e a todos os representantes da burguesia, como os empresários, o congresso, o STF e a polícia. Debater sobre o funk e sua devida e necessária valorização tem que passar por questionar mais profundamente as raízes do capitalismo que se utiliza da opressão racista para condenar os negros e pobres a uma vida negada de humanidade e de ausência artística. Nesse sentido é preciso resgatar os exemplos das lutas negras históricas e brilhantes, onde a luta de classes foi palco principal do protagonismo negro no Brasil e no mundo. Só a luta de classes é capaz de expressar e provar verdadeiramente o potência histórico dos negros e negras, isso se torna um fator ainda mais explosivo quando é combinado com a luta da classe trabalhadora. As consequências disso levarão os negros e negras a crer que de fato o preconceito, a criminalização do funk e os dilemas da classe trabalhadora é de uma mesma equação determinada e elaborada pela classe dominante.


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