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INJEÇÃO DE LIQUIDEZ | FMI, BM e governos decidem salvar capitalistas em meio a crise. Veja as medidas

Depois de uma videoconferência com ministros de economia e chefes de bancos centrais dos países do G7, a diretora do FMI afirmou que, em 2020, a recessão que a economia mundial sofrerá será tão ruim ou pior que a crise de 2008.

terça-feira 24 de março de 2020 | Edição do dia

Cerca de 80 países já teriam pedido ajuda, segundo Kristalina Georgieva, a diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), que estaria “prontos para implantar toda a nossa capacidade de empréstimo de US$ 1 trilhão”. Também hoje (23), o presidente do Banco Mundial (BM), David Malpass, disse que a instituição estaria preparando projetos em 49 países, que podem envolver até US$ 150 bilhões, concedidos através da linha de crédito rápido. Dinheiro que será imediatamente canalizado para as bolsas de valores, a fim de tentar impedir sua queda livre.

Já noticiamos aqui algumas das medidas que os governos capitalistas têm tomado em meio à crise sanitária, medidas essas que visam salvar os lucros, e não as vidas ameaçadas pelo novo coronavírus, depois que décadas de neoliberalismo destruíram a capacidade dos sistemas de saúde de se prepararem para a possibilidade difícil de prever, mas já bastante conhecida, de mutação de um patógeno, como explicam Mike Davis e David Harvey. De modo geral, são medidas de injeção de liquidez, ou flexibilização quantitativa (quantitative easing), análogas àquelas que se seguiram à crise de 2008.

Se os EUA já tinham anunciado um pacote de estímulos de US$ 850 bilhões, as medidas subsequentes e as que o Congresso está debatendo elevarão esse número para US$ 1 trilhão. Inclui-se aí desde a transferência direta de dinheiro à população, também conhecida como “dinheiro de helicóptero”, até socorro a companhias do setor de turismo, como as de aviação, que receberão US$ 50 bilhões, isenções fiscais e, sobretudo, a recompra de títulos da dívida pública e até mesmo de dívida corporativa!

Já o Estado Espanhol injetará € 200 bilhões, o equivalente à cerca de 20% de seu PIB, metade do que deverá destinar-se aos empresários, segundo o próprio presidente, Pedro Sánchez, sendo € 2 bilhões de auxílio ao setor exportador. Na França, serão € 45 bilhões, a maior parte em isenções fiscais e sobre a contribuição previdenciária. Só em empréstimos, o Reino Unido oferecerá € 400 bilhões, ou 15% de seu PIB, além de isenções fiscais. A Itália, o país que tem o maior número de casos da Covid-19 fora da China, não tomou nenhuma medida diferente dessas a não ser a estatização da companhia aérea Alitália.

O Brasil tampouco foge à regra. Na semana passada, o ministro da economia, Paulo Guedes, anunciou uma injeção de R$ 147 bilhões, a maior parte dos quais são adiamentos de pagamentos de impostos e encargos trabalhistas e adiantamentos, como o do 13º salário de aposentados e pensionistas do INSS, conforme explicamos aqui. Num momento em que os gastos com saúde devem aumentar, o governo renuncia à sua arrecadação ao mesmo tempo que assigna R$ 75 bilhões da Caixa Econômica Federal ao resgate de bancos que possam ter dificuldades. Isso é sete vezes mais que o aumento emergencial do orçamento da saúde, incluindo os R$ 4 bilhões do fundo DPVAT, metade do qual já era destinado à saúde desde antes do surto de coronavírus!

Até o final do mês, o Banco Central (BC) deve liberar mais R$ 68 bilhões do depósito compulsório, isto é, da fração de todos os depósitos bancários que é retida pelo BC para fins de controle da oferta monetária. Essa liberação corresponde a uma redução da alíquota do compulsório de 25% para 17%, e se soma a uma liberação, anunciada em fevereiro, de outros R$ 135 bilhões. A União ainda irá injetar mais R$ 22 bilhões por meio da suspensão e renegociação das dívidas dos estados e municípios, que também receberão mais R$ 40 bilhões em “facilitação de crédito”, entre outras medidas que, ao todo, implicam um estímulo adicional de R$ 85,5 bilhões.

A justificativa dos capitalistas para tudo isso é a manutenção dos empregos. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que o desemprego pode aumentar de 5,3 milhões a 24,7 milhões, a depender do comportamento do PIB mundial este ano. Porém, o resultado dessas políticas de estímulo dificilmente será distinto daquele da flexibilização quantitativa pós-2008: uma bolha especulativa.

A política do quantitative easing tinha como objetivo principal em 2008 salvar os bancos, injetando liquidez na economia para reduzir as taxas de juros e aumentar a atividade econômica, combatendo uma "armadilha de liquidez" ou seja, um momento em que mesmo com taxas de juros reduzidas o investimento não aumenta. Mas em tempos de coronavírus, essa política pode aumentar a atividade econômica? Com boa parte da população em casa, compulsoriamente, uma medida aquém do necessário como os testes massivos, não há estímulos para que as empresas tomem empréstimos bancários, mesmo que a juros reduzidos para investirem na produção, a não ser que usem para renegociar dívidas, o que alenta na verdade para surgimento de novas bolhas especulativas de investimentos não seguros, assim como aconteceu em 2008.

Atualmente, a dívida pública e privada mundial é três vezes maior que o PIB, e o estoque global de títulos de dívida corporativa não-financeira é duas vezes maior que em 2008. Como dizia Einstein, loucura é fazer a mesma coisa de novo e de novo e esperar um resultado diferente. Em momentos diferentes, o objetivo é o mesmo: salvar os bancos e deixar com que os mais pobres e os trabalhadores paguem pela crise.

Entre os economistas burgueses, há quem argumente que, como as taxas de juros reais já estão próximas de zero ou até negativas nos países imperialistas, esse tipo de estímulo não é mais eficaz, e teria de ser complementado por estímulos fiscais: não só isenções, mas investimentos públicos que visem a geração de emprego e renda. É o caso de Martin Wolff, Maurice Obstfeld e e Paul Krugman, segundo quem os juros baixos facilitam a atuação do governo na medida em que diminuem os custos do seu endividamento. Mas, como explica Michael Roberts aqui, não há porque acreditar que o efeito multiplicador do gasto público, isto é, o incremento do PIB por cada um real ou dólar investido pelo governo, seja superior a 1:1. Portanto, o gasto público teria que aumentar, no mínimo, tanto quanto cair o investimento e o consumo privados.

Em outras palavras, o gasto público teria de substituir o gasto privado numa escala que nenhum Estado capitalista é capaz de sustentar, e ainda menos os dos assim-chamados “emergentes”, semicolônias e países dependentes, como o Brasil, os quais foram responsáveis pela maior parte do endividamento global desde 2011. Metade dos credores dessas dívidas são não-residentes, que irão, ao menor sinal de relaxamento fiscal, tirar seu dinheiro de tais países ainda mais rápido do que já estão tirando, trocando seus ativos financeiros por outros considerados mais seguros. O BC brasileiro ainda irá recomprar títulos da dívida nominada em dólar para, supostamente, tentar aumentar a oferta internacional da moeda estadunidense e, assim, conter a desvalorização do câmbio, uma escandalosa forma de aumentar a liquidez dos bancos estrangeiros e que, além disso, irá aumentar a dívida brasileira, pois é garantida a recompra desses dólares, que estão ficando mais caros.

Em 2008, a injeção de liquidez tinha como objetivo salvar os bancos e tentar estimular a economia. Tal política teve o efeito de aumentar enormemente o endividamento dos países e das empresas a somas de mais de 200% de dívida sobre o PIB mundial. Em 2020, repetem a receita com somas ainda maiores de injeção de dinheiro na economia. Em meio a uma crise nos sistemas de saúde de diversos países, que está levando as pessoas a morte, a prioridade numero um dos governos e das instituições é pura e simplesmente salvar os grandes capitalistas de um colapso em escala mundial, enquanto a população sofre desemprego e redução de renda.




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